O excesso de diplomados é uma das queixas mais frequentes desde finais do século XIX. Pode estranhar-se esta lamentação se tivermos em conta as baixíssimas qualificações escolares da população portuguesa. Mas o caso tem duas hipóteses de explicação: por um lado, a crítica social à “pedantice” dos titulares de um grau académico; por outro lado, a vontade de assegurar um “emprego adequado” para os que possuem determinadas habilitações académicas.
A pedantice dos bacharéis, nas suas “fatiotas de doutor” e nas suas “cabeças ignorantes”, inspira muitas páginas da nossa melhor literatura. A desconfiança é clara: nem sempre a posse de um diploma significa a posse de um mínimo de inteligência e de um cabedal suficiente de conhecimentos. Oliveira Martins insurge-se contra o industrialismo no ensino e António Sérgio (1918) denuncia os processos burocráticos que favorecem o diploma em detrimento do saber: “A escola exprime a sociedade, dá o que lhe pedem: e ninguém lhe pede educação, mas diplomas – sendo certo, no entanto, que os que pedem diplomas para seus filhos, e só diplomas, foram educados no seu tempo pelas escolas portuguesas”.
A segunda dimensão do problema remete para a manutenção de uma estrutura social, que reserva para os titulares de um diploma escolar os poucos empregos de prestígio disponíveis. Em 1939, Manuel Rodrigues escandaliza-se com a “inflação” a que se assiste nas profissões liberais e que pode originar a revolta daquele “que não encontra na sociedade a posição equivalente ao seu diploma”, concluindo que “é nos diplomados sem colocação que se recruta a quase totalidade dos chefes e propagandistas da destruição da ordem social”.
Um outro exemplo, entre milhares de citações possíveis, é-nos fornecido pelo ministro Pires de Lima, em discurso de 1949 contra o excesso de estudantes: “O que seria, se, de um momento para o outro, saíssem dos nossos estabelecimentos de ensino superior mais algumas centenas de médicos ou de advogados, sem clientes, de engenheiros ou arquitectos, sem obras para realizarem, de professores sem alunos, de licenciados sem empregos remunerados? Além do fatal rebaixamento dessas classes e dessas profissões, teríamos um mal estar social de consequências sérias e graves”.
Num curioso texto de 1921, J. Santa Rita junta os dois aspectos anteriores, dizendo que “o vício da empregomania liga-se muito estreitamente à superstição do diploma”. São duas faces de uma mesma moeda, que traduzem uma dupla resistência à cultura escolar. Há quem julgue que estamos perante um discurso recente, motivado pela expansão escolar das últimas décadas. Nada mais falso! É um discurso recorrente na sociedade portuguesa. A crítica ao excesso de diplomados esquece que Portugal foi, e continua a ser, o país menos escolarizado da Europa. Seguimos prisioneiros de um sistema de ensino pensado para formar cada um à medida do lugar profissional que lhe está destinado, em vez de adoptarmos uma política de valorização pessoal e de qualificação escolar de todos.
António Nóvoa (2005). Evidentemente. Porto: ASA
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