quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Opinião de Dani Rodrik

[original aqui]  Há um ano, os analistas económicos estavam esfuziantemente optimistas sobre as perspectivas de crescimento económico nos países em desenvolvimento. Em contraste com os Estados Unidos e a Europa, onde o panorama do crescimento parecia na melhor das hipóteses fraco, esperava-se que os mercados emergentes sustivessem o forte desempenho da década anterior à crise financeira global, tornando-se assim o motor da economia global.
Economistas no Citigroup, por exemplo, concluíram ousadamente que as circunstâncias nunca tinham sido tão favoráveis ao crescimento amplo e sustentado em todo o mundo, e projectaram uma produção global rapidamente crescente até 2050, liderada por países em desenvolvimento na Ásia e em África. A empresa de contabilidade e consultoria PwC previu que o crescimento do PIB per capita na China, na Índia e na Nigéria excederia 4,5% até meados do século. A empresa de consultoria McKinsey & Company baptizou a África, desde há muito sinónimo de fracasso económico, como a terra dos “leões em movimento.”

Hoje, esse tema foi substituído pela preocupação acerca do que The Economist chama de “grande abrandamento.” A informação económica recente da China, Índia, Brasil e Turquia aponta para o mais fraco desempenho do crescimento nestes países em anos. O optimismo deu lugar à dúvida.

Claro que, tal como foi inapropriado extrapolar a partir da década anterior de forte crescimento, não deveríamos tentar extrair demasiadas conclusões a partir de flutuações de curto prazo. Não obstante, existem razões fortes para crer que o crescimento rápido provará ser a excepção em vez da regra nas décadas que se aproximam.

Para ver porquê, precisamos de entender como os “milagres do crescimento” são feitos. Exceptuando um punhado de pequenos países que beneficiaram de grandes quantidades de recursos naturais, todas as economias bem-sucedidas das últimas seis décadas devem o seu crescimento à industrialização rápida. Se há algo em que todos concordam sobre a receita da Ásia Oriental, é que o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan e claro a China foram todos excepcionalmente bons a mover a sua mão-de-obra dos campos (ou de actividades informais) para a produção organizada. Casos anteriores de recuperação económica bem-sucedida, como os EUA ou a Alemanha, não foram diferentes.

O sector industrial permite a recuperação económica rápida por ser relativamente fácil copiar e implementar tecnologias de produção estrangeiras, mesmo em países pobres que sofram de desvantagens múltiplas. Notavelmente, a minha pesquisa mostra que as indústrias transformadoras tendem a colmatar a lacuna com a fronteira tecnológica à taxa de cerca de 3% ao ano independentemente das políticas, das instituições, ou da geografia. Consequentemente, os países que conseguem transformar agricultores em trabalhadores da indústria colhem um enorme bónus de crescimento. 

É certo que algumas actividades modernas de serviços também permitem a convergência na produtividade. Mas a maior parte dos serviços de alta produtividade requer um conjunto vasto de competências e de capacidades institucionais que as economias em desenvolvimento apenas acumulam de um modo gradual. Um país pobre pode competir facilmente com a Suécia num amplo conjunto de indústrias; mas demora muitas décadas, senão séculos, a atingir o nível das instituições da Suécia.

Considere-se a Índia, para demonstrar as limitações de depender dos serviços em detrimento da indústria nas etapas iniciais do desenvolvimento. O país desenvolveu forças notáveis em serviços de TI, tais como o software ou os call centres. Mas a maioria da mão-de-obra indiana não possui as competências e a educação para ser absorvida por esses sectores. Na Ásia Oriental, trabalhadores indiferenciados foram postos a trabalhar em fábricas urbanas, ganhando várias vezes o salário que auferiam no campo. Na Índia, permanecem nos campos ou movem-se para pequenos serviços onde a sua produtividade não é muito maior.

O desenvolvimento bem-sucedido no longo prazo requer então um empurrão em duas vertentes. Necessita de um esforço de industrialização, acompanhado pela acumulação constante de capital humano e de capacidades institucionais, para sustentar o crescimento promovido pelos serviços quando a industrialização atinge os seus limites. Sem o esforço de industrialização, a descolagem económica torna-se bastante difícil. Sem investimento sustentado em capital humano e na criação de instituições, o crescimento está condenado a esgotar-se.

Mas esta receita testada pelo tempo tornou-se muito menos eficaz hoje em dia, devido a mudanças nas tecnologias de produção industrial e no contexto global. Primeiro, os avanços tecnológicos tornaram a produção industrial muito mais intensiva em capital e em competências do que no passado, mesmo para o caso de produtos de menor qualidade. Como resultado, a capacidade do sector industrial para absorver mão-de-obra tornou-se muito mais limitada. Será impossível para a próxima geração de países em processo de industrialização mover 25% ou mais da sua força de trabalho para a indústria, como fizeram as economias da Ásia Oriental.

Segundo, a globalização em geral, e a ascensão da China em particular, aumentou grandemente a competição nos mercados mundiais, tornando difícil aos recém-chegados obter espaço para si próprios. Embora a mão-de-obra chinesa esteja a encarecer, a China permanece um competidor formidável para qualquer país que contemple a entrada em sectores manufactureiros.

Além disso, é improvável que os países ricos sejam tão permissivos relativamente a políticas de industrialização como o foram no passado. Os legisladores dos países que constituem o núcleo industrial olharam para o lado, enquanto os rapidamente crescentes países da Ásia Oriental adquiriam tecnologias ocidentais e capacidades industriais através de políticas pouco ortodoxas, como subsídios, requisitos de conteúdo local, engenharia inversa, e desvalorização da moeda. Os países do núcleo também mantiveram os seus mercados abertos, permitindo aos países da Ásia Oriental a livre exportação dos produtos manufacturados que daí resultaram.

Agora, contudo, à medida que os países ricos lutam sob o peso combinado da dívida elevada, do baixo crescimento, do desemprego, e da desigualdade, irão aplicar maior pressão nas nações em desenvolvimento para o respeito às regras da Organização Mundial do Comércio, que estreitam o espaço para subsídios industriais. Desvalorizações de moeda à la China não deixarão de ser notadas. Ao proteccionismo, mesmo que não numa forma explícita, será politicamente difícil resistir.

As indústrias transformadoras continuarão a ser as “indústrias de escada-rolante” dos países pobres, mas a escada não se moverá tão depressa, nem subirá tão alto. O crescimento deverá depender muito mais de melhorias sustentadas em capital humano, nas instituições, e no governo. E isso significa que o crescimento permanecerá lento e difícil no melhor dos casos.

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