terça-feira, 17 de junho de 2025

O avanço da Intorelância e o Silêncio da Empatia



São cada vez mais evidentes os sinais de uma escalada de intolerância e violência em Portugal, num registo que historicamente não nos era habitual. Os episódios multiplicam-se nas ruas, nas escolas, nas redes sociais, nos discursos públicos,  com uma frequência que percebemos crescente. Por vezes são subtis, outras vezes explícitos, mas todos têm em comum perceção de que algo se está a deteriorar no nosso tecido social. 
Vivemos tempos de frustração acumulada, de insegurança difusa, de um mal-estar que se infiltra lentamente na vida quotidiana. A imprensa nacional destacou recentemente o brutal ataque a um ator à saída do teatro, a agressão de duas voluntárias que levavam ajuda a pessoas sem-abrigo, ou mesmo ameaças e intimidações contra professores que defendem a inclusão nas escolas. Quando esta tensão se transforma em violência contra quem representa a cultura, a solidariedade ou o cuidado, ultrapassamos um limiar perigoso: o da desumanização do outro.
A polarização cresce quando deixamos de reconhecer a dignidade e a legitimidade de quem pensa, vive ou age de forma diferente. Quando o discurso público se transforma numa trincheira onde se dispara em vez de dialogar, quando se normaliza - direta ou indiretamente - a hostilidade como reação aceitável, e quando a raiva passa a ter mais protagonismo do que o respeito, é aí que o tecido social começa a rasgar. A convivência democrática exige mais do que regras institucionais; exige uma ética da relação, sobretudo na diferença e no desacordo.
Portugal tem uma tradição de convivência pacífica e de solidariedade discreta, mas eficaz. São traços que marcaram o nosso percurso coletivo, mesmo em tempos difíceis. Não podemos permitir que essa herança se dilua na banalização do ódio ou na indiferença face à degradação do espaço público. 
Quando quem cuida, quem acolhe, quem ensina, quem cria - em suma, quem constrói comunidade - começa a ser alvo de desconfiança ou hostilidade, estamos a destruir as bases da nossa democracia. Essa erosão abre caminho para o fortalecimento de discursos simplistas e excludentes que, lamentavelmente, têm vindo a ganhar cada vez mais espaço para se afirmar.
A raiz desta tensão é complexa. As crises sucessivas - económica, pandémica, habitacional, ambiental - têm gerado um sentimento de desorientação, de perda de controlo, de uma inquietante ausência de futuro. E onde falta horizonte, facilmente emerge o ressentimento. A indignação pode ser justa, mas quando não é acompanhada de lucidez e de responsabilidade, transforma-se em cinismo ou fúria. 
É muito importante restaurar a confiança mútua. Reabilitar o espaço público como lugar de encontro e não de ameaça. Valorizar a empatia como prática política e cívica; não como ingenuidade, mas como condição fundamental de humanidade. Porque resistir à violência simbólica ou física começa na forma como olhamos, ouvimos e falamos uns com os outros. Porque a democracia, afinal, é também a forma como nos tratamos todos os dias.

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