terça-feira, 17 de maio de 2022

A (nova) economia sustentável




Economia e Ecologia são disciplinas que têm uma raiz etimológica comum. De facto, no grego antigo o denominador comum entre elas é a palavra Oikos (Eco) que significa casa. Nessa linha e fundindo os conceitos estaríamos a falar de uma só economia, a Economia Ecológica, que trataria de conhecer e gerir a Casa Comum. As pessoas e natureza seriam do condomínio dessa Casa Comum e os meios e recursos seriam geridos de uma forma optimizada. Os "Oikos-Sistemas" seriam preservados, valorizados, equilibrados e garante de um desenvolvimento sustentável. Utopia? Certamente que sim... mas a sábia natureza, qual laboratório vivo com os seus quatro mil milhões de anos, ensina-nos o caminho para uma economia de zero desperdício. Como dizia Lavoisier, "na natureza, nada se perde e tudo se transforma…"

Ao invés, nos modelos de desenvolvimento predominantes verificam-se notórias assimetrias nos diferentes domínios: ambiental, social e económico. A esperança reside na drástica diminuição desses desequilíbrios através da aplicação do conceito e valores da sustentabilidade, colocando a ênfase no equilíbrio e interdependência desses três pilares (ESG). Historicamente, e num passado recente, as dimensões social e ambiental estavam, na maioria dos casos, dissociadas da vertente económico-financeira. Numa perspectiva analítica e factual constata-se que se deu uma grande aceleração desde a revolução industrial do século XIX, com um maior incremento a partir da década de 50 do século XX. Foi o período que viu nascer a sociedade do consumo e mais tarde do hiperconsumo, com o enorme desperdício associado e que tem na obsolescência programada um dos seus expoentes mais perversos. Além do enraizamento da cultura do descarte, do "usar e deitar fora", ficou a falsa ideia de que "as árvores podiam crescer até ao céu" e que os recursos seriam infinitos…

O sistema foi-se consolidando, sobretudo no mundo ocidental, e os desequilíbrios também se agudizaram. É justo reconhecer que foram também muitos e significativos os ganhos civilizacionais ocorridos e que não os queremos perder. É particularmente interessante conhecer esses factos representados graficamente e ver comparadas as duas realidades em paralelo. A correlação positiva é notória e eloquente. Num lado, estão os vários indicadores sócio-económicos e, no outro, estão os indicadores que reflectem o impacto sócio-ambiental. Todos os indicadores têm um comportamento análogo e no mesmo intervalo de tempo. Ver os gráficos representados de seguida (foram escolhidos apenas nove indicadores de cada lado. O estudo original identifica mais indicadores – ver tabela).

O que resulta óbvio é a directa relação causa-efeito entre as diferentes variáveis, com uma claríssima simetria e a constatação de que o modelo base de desenvolvimento impulsionado pela acção humana, apesar de muitas virtudes, provoca também inúmeros efeitos perniciosos. Segundo muitos cientistas, alguns limites planetários estão a ser perigosamente atingidos ou quase, com consequências negativas irreversíveis, pondo inclusive em risco a vida e prosperidade para os seres humanos nas próximas gerações. A aceleração das alterações climáticas, a uma velocidade sem precedentes, e os seus dramáticos efeitos nos domínios económico, social e ambiental, são apenas uma das dimensões.

Neste contexto tem ganho espaço o conceito de Sustentabilidade e a interdependência dos seus pilares. Surgem também inúmeras designações de Economia que espelham a necessidade de completar a definição e âmbito da ciência económica e reflectem também quão redutor tem sido a aplicabilidade do conceito e a sua percepção pelos diferentes agentes. Termos como Economia Social, Economia da Partilha, Economia Circular, Economia Regenerativa, Economia Verde, Economia Azul, Economia Ecológica… etc. não deveriam estar todos englobados num só conceito e que seria simplesmente Economia?

No nosso "economês" tem ganho preponderância o termo "triple bottom line" que substitui o já gasto e redutor "bottom line". Diferentemente deste último, o novo termo abrange também as dimensões social e ambiental e não só a económico-financeira que dominou as últimas décadas e suportou o modelo de desenvolvimento. O "triple bottom line" e a sua interdependência passa a ser o novo e saudável "mantra" e é também conhecido pela sigla ESG. (Environmental, Social and Governance) ou os três "Pês": People, Profit and Planet e tal como nos "Pês" do Marketing, outros "Pês" se foram juntando e dos quais os mais relevantes são os de "Purpose" e "Prosperity".

O desafio civilizacional que temos pela frente é de grande dimensão e complexidade. Apesar das inequívocas evidências da urgência/emergência em alterar os modelos de desenvolvimento, as forças do status quo são muito fortes. A inércia do curto prazo impera e os "compromissos" de mudança são empurrados para a frente, pois a transição é dura e tem igualmente profundas implicações. A resistência à mudança é grande.

Pessoalmente, acredito na Investigação e no Desenvolvimento, que aliados à Educação e Tecnologia podem ajudar a trilhar os novos caminhos da esperança. Acredito na capacidade das novas gerações (a sustentabilidade é um compromisso intergeracional) adoptarem novos comportamentos que se traduzam em hábitos de consumo e cidadania activa em prol de um mundo mais harmónico e regido pelos princípios e valores da sustentabilidade enunciados.

Acredito ainda no triplo efeito da conjugação da legislação/regulamentação, sobretudo na fiscalidade verde, na escolha dos consumidores no acto de compra ou na sua recusa e no exemplo das marcas em toda a sua cadeia de valor, que podem ter um efeito multiplicador na aceleração para novos modelos de produção e consumo.

O desafio passa também por repensar e redesenhar todo o modelo, a começar nos produtos e serviços. Se olharmos à nossa volta (convido o leitor a fazê-lo e olhar ao seu redor no momento em que estiver a ler) e também para o que temos vestido, para o guarda-roupa, bem como para os produtos de higiene, limpeza e alimentares, constatamos que a grande maioria dos objectos/produtos que nos rodeiam foram concebidos e desenhados sem terem em consideração valores e princípios da sustentabilidade, apesar de serem funcionais, estéticos, ergonómicos e eventualmente com um preço competitivo. Foram pensados numa lógica de durabilidade e reutilização? São feitos a partir de matérias-primas virgens ou foram produzidos com materiais reutilizados e reutilizáveis? Que pegada ecológica comportam (água, energia, ambiente, transporte)? São nocivos para a saúde (tintas, vernizes, microplásticos, outros químicos nocivos, etc.)? Incorporam trabalho infantil ou escravo? Comércio justo? Testes em animais? A sua reciclagem é fácil ou teriam de ser separados em várias categorias?

Estas são apenas algumas questões que podemos levantar de acordo com os nossos valores, conhecimento e crenças, e cuja resposta, traduzida em acções concretas, tem um profundo impacto no domínio da sustentabilidade. O comportamento de cada um de nós, como consumidor e cidadão, é crucial e decisivo. O pressuposto base é que para cada um desses produtos existem alternativas mais sustentáveis e se as não houver significa então uma enorme oportunidade de as criar e acrescentar valor. No limite, teremos para um preço igual uma opção de escolha em todos os produtos.

Tudo começa na "prancha do desenho" e há que fazer um "reset" generalizado e desenhar de novo. O ritmo dessa indispensável transição será imposto pelo tríplice efeito conjugado mencionado anteriormente, com especial relevo para o papel do consumidor, que exerce um "voto" cada vez que opta por um determinado produto ou serviço. As marcas com toda a tecnologia de suporte e "big data" escutam e se forem ágeis e competitivas actuam! As novas gerações têm critérios e valores bem distintos das anteriores e em especial da minha geração, dos "baby boomers" e da seguinte, que prosperou na sociedade do consumo e do desperdício.

O modelo de desenvolvimento comportará igualmente uma valorização progressiva do serviços prestados pelos ecossistemas que estão intimamente ligados à biodiversidade e da qual dependem. É um capital natural importante e indispensável para a nossa saúde, bem-estar e desenvolvimento económico e social. A pressão sobre os recursos naturais, já muito exauridos, resultante de um crescimento demográfico mundial, é muito acentuada, tornando-se fundamental atribuir valor económico aos bens e serviços dos ecossistemas. O capital natural tem vindo a ter uma erosão tremenda e é um dever ético preservá-lo para além da valorização.

Entre outros benefícios oferecidos pelos ecossistemas estão os alimentos, a água potável e o ar puro, fontes básicas de vida.

A título de exemplo, vale a pena analisar os serviços prestados pelas agro-florestas terrestres ou pradarias marinhas, que vão desde o fornecimento de madeira, polinização de culturas, formação de solos, captura e retenção de carbono, captura e purificação de água, produção de oxigénio, produção de bens agrícolas, turismo e recreação, prevenção da erosão dos solos, purificação do ar, outros produtos alimentares, algas, fungos, etc.

A destruição destes "habitats", que infelizmente tem sido feita de forma sistemática e galopante nas últimas décadas (desmatamento para dar lugar a monoculturas intensivas, poluição marinha e sobrepesca, etc.) com a consequente perda de biodiversidade e extinção de espécies, tem um enorme custo planetário.

Estou convicto de que um dos grandes avanços da economia, que levará à reestruturação de todo o ensino, será a valorização dos serviços prestados pelos ecossistemas e a sua incorporação nos modelos de desenvolvimento. O preço a pagar, também financeiro, se não o fizermos atempadamente, será astronómico.

Nota: este texto integra o livro "101 Vozes pela Sustentabilidade – por um Desenvolvimento Sustentável", iniciativa do ISCTE Executive Education, edição Oficina do Livro.

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