terça-feira, 20 de junho de 2017

Tragédia de Pedrógão Grande: "Estás a ver no que dá terem acabado com os Serviços Florestais?"



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Nos momentos em que escrevo estas linhas está a desenrolar-se uma das maiores tragédias florestais em Portugal, senão mesmo a maior. E estas notas não terão a ver directamente com o caos dos incêndios que nesta altura atacam o centro do nosso país mas têm indirectamente. E a resposta está no telefonema que me foi feito, a meio da manhã, pelo Prof. Jorge Paiva da Universidade de Coimbra, que me dizia desesperado: “Estás a ver no que dá terem acabado com os Serviços Florestais?”

Numa primeira abordagem, esta tragédia de hoje deveu-se a um conjunto de situações atmosféricas que seriam imprevisíveis, e sobretudo porque, ao acontecerem perto da noite, inviabilizaram a intervenção dos meios aéreos de combate aos incêndios.

Mas alguém garante que na grande extensão e propagação do fogo não estavam como causa também as más condições de limpeza das matas? Alguém garante que não foi o barril de pólvora que está contido nas falta de limpeza do sub-bosque das matas? O Comandante Jaime Soares em poucas palavras, numa entrevista a Victor Gonçalves da RTP, disse o que muitos de nós andamos a dizer há décadas: a montante destas tragédias está a falta de uma politica florestal correcta, de ordenamento, limpeza e vigilância das matas.

Chamemos as coisas pelos seus nomes: foi num Governo PS que foi extinto o Corpo de Guardas Florestais que existia nos Serviços Florestais e os seus efectivos foram integrados na GNR. Erro crasso, naquela perspectiva neo-liberal de “menos Estado para melhor Estado”.

Está-se mesmo a ver, não está ?

Os guardas florestais não eram polícias, eram actores fundamentais da vigilância das matas, integrados numa cadeia de comando especializada que ia dos velhos Mestres Florestais aos Administradores Florestais e até aos Chefes de Circunscrição. Eles não têm que ser comandados por sargentos ou tenentes. têm de ser comandados por quem sabe dos problemas das florestas,

Depois desta asneira socialista, o Governo PSD/CDS pela mão do sábio e secretário de Estado do queijo limiano, e perante a apatia da ministra do CDS e dos sociais-democratas (que tinham obrigação, pelo seu historial , de serem mais competentes em matéria ambiental) acabou de vez com os serviços florestais e integrou-os no Instituto da Conservação da Natureza. Cereja em cima do bolo da asneira!!

É preciso ter bom senso e acabar de vez com esta situação anómala de sermos talvez o único país do mundo com tanta área florestal e não termos Serviços Florestais nem um Corpo de Guardas Florestais.

Perdeu-se a grande sabedoria do velhos Mestres Florestais, senhores das serras e das matas que eles conheciam como as suas próprias mãos; mas ainda há na GNR umas centenas de antigos guardas florestais que podem ser o embrião de um novo corpo especializado.

Tenham vergonha de dar a mão a palmatória e façam aquilo que desfizeram, reponham os Serviços Florestais no Ministério da Agricultura e Florestas (chamem-lhe Instituto, chamem-lhe o que quiserem), com a dignidade que eles nunca deviam ter perdido, reponham a funcionar a quadrícula de casas e postos florestais que são quem pode assegurar a vigilância permanente das serras do país, dêem a esses postos as novas tecnologias e os novos meios de comunicação e dêem de novo aos guardas florestais a capacidade legal de continuarem a vigiar as matas, de obrigarem os proprietários a limpar e a ordenar as matas.

Também acabaram com os guarda-rios e nunca mais as margens e leitos da maior parte das ribeiras foram limpas, como eram quando esses agentes obrigavam os proprietários marginais das linhas de água a limparem as margens dos seus terrenos.A terrível tragédia que nos aflige, que ao menos sirva de aviso para o que pode acontecer este Verão, com tanta área de pastos secos debaixo de temperaturas cada vez mais quentes, já que ninguém liga aos avisos dos cientistas, portugueses e internacionais, sobre as alterações climáticas graves que estão em curso e que afectarão muito em especial o Mediterrâneo e a nossa Península. Lá que o Trump não acredite nisso, é lamentável mas para quem é poucochinho não se pode exigir mais. Mas a governos responsáveis temos de exigir muito mais.

A minha voz não tem peso político nem público, mas tem a experiência de muitos anos embrenhados nestes problemas. Ouras vozes com maior ressonância certamente me darão razã

Ex-Administrador Florestal, fundador e 1º Presidente do SNPRPP

Mais Leituras
1. "O que é que falhou neste sábado?" Público, 18 de Junho de 2017
2. Estudo científico Grandes incêndios florestais em Portugal Continental. Da história recente à atualidade, por Flora Ferreira-Leite, António Bento-Gonçalves e Luciano Lourenço

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Não sei se pode pôr em pé de igualdade a extinção da carreira de guarda-florestal com a fusão de dois serviços públicos, conservação da natureza e gestão florestal à partida deveriam ser compatibilizados e não antagonizados como eram.
Já colocar uma força de segurança militar em espaço civil com uma tarefa de proteção ambiental dificilmente vejo como se compatibilizam

Mas o erro de fundo é mesmo os interesses do setor económico das florestas com a sua ganância por fazer dinheiro face à proteção de pessoas e bens onde a culpa pode morrer solteira e isto é o causa do descalabro do mau ordenamento e gestão das áreas florestadas em Portugal.

João Soares disse...

Viva, Carlos Faria
Concordo contigo. Quando coloco um texto, não significa sempre que esteja 100% de acordo com ele. Mas também é triste quando coloco textos de académicos meus "amigos" do facebook e no mínimo vir aqui agradecer a gentileza e alguma gratidão. A humildade ficava-lhes bem. Nem que demorasse algum tempo a detectar. Passando à frente e regressando à tua questão. Porque o assunto é mesmo sério.
Também penso que não. Lendo agora, mais à distância, do que sei os antigos Serviços Florestais eram "salazaristas", oneravam baixíssimos ordenados e também a grande maioria destinavam-se a vigiar mais o pinhal bravo e o sobrado que outras espécies.
Contudo, creio que a profissionalização dos bombeiros, leis mais restritas e protectoras dos carvalhais, reorganizar novamente as direcções dos Parques Naturais e criação de novos clusters de negócios agroflorestais, incentivos fiscais à produção de biomassa, recuperação da arte do móvel nacional e regional (lindíssimo) em vez da ikeanização do país...etc, etc.. reduziria os incêndios e desses incêndios constantemente um número considerado de VÍTIMAS MORTAIS?
Um abraço e grato pela tua sempre assertiva e já longa e boa amizade.