Os abelhões são como “abelhas de peluche” que nos suscitam simpatia e nos encantam com as suas jubas douradas, que a difração dos raios solares exalta; mas também pelo zumbido com que acompanham o labor e que nos apazigua. Uma das espécies mais comuns na Europa, é o Bombus terrestris que explora incansavelmente os recursos de algumas das flores que resistem à torreira do sol, nestas terras por onde me passeio: o cardo-marítimo, a perpétua-das-areias ou o funcho. É uma espécie social e, tal como a abelha, estrutura a sociedade em três castas: rainha, machos e obreiras. Contudo, os efetivos populacionais são muito inferiores aos da abelha dita “doméstica”, pois os ninhos, escavados no solo, não propiciam a constituição de famílias numerosas.
Parece ter sido Darwin quem primeiro assinalou a importância dos abelhões na polinização, designadamente do trevo-violeta, em Inglaterra, Trifolium pratense. Mais tarde, veio a constatar-se que os abelhões são mais eficazes como polinizadores do que a abelha doméstica relativamente a leguminosas como os trevos e a luzerna, porque, com a sua longa tromba (proboscis), se adaptam melhor à anatomia e ao comportamento das flores ditas papilionáceas. Também algumas hortícolas, como o tomateiro, beneficiam da preferência dos abelhões como polinizadores.
Em Portugal identificaram-se mais de 1000 espécies de insetos polinizadores, entre abelhas, abelhões, vespas, moscas, borboletas, escaravelhos e formigas. Fatores diversos com destaque para o uso desregrado de pesticidas, os fogos florestais e a diminuição da vegetação natural, entre outros, tem vindo a conduzir ao declínio dos polinizadores. Sem eles, a maioria das plantas hortícolas e frutícolas de que nos alimentamos, ficarão prejudicadas. Poderá o Homem sobreviver? Sim, mas com graves carências como as da vitamina C, e com a prevalência de doenças, como o escorbuto, há muito esquecidas.
Neste contexto, a abelha doméstica, Apis melífera, vem assumindo progressivamente o lugar de polinizador universal, e a apicultura a valer muito mais pela polinização que promove do que pelo mel que produz. Em boa verdade, a situação inverteu-se relativamente ao contexto original, pois a abelha foi domesticada por ser uma excelente produtora de mel, muito antes da divulgação do açúcar de cana, e não pelas suas faculdades polinizadoras.
A coevolução inseto-planta protagonizada pelas angiospérmicas não foi um processo generalista; em muitos casos, a coevolução processou-se a nível da espécie do género ou da família, dando lugar a polinizadores especializados relativamente a determinadas características florais, ou síndrome floral como dizem os entendidos; mas também existem polinizadores generalistas, nos quais se inclui a abelha-doméstica; “vão a todas”, ou quase, com rendimentos desiguais.
Hoje, haverá na natureza, provavelmente mais abelhas domésticas do que quaisquer outras espécies de abelhas, pela mesma razão de que haverá seguramente mais bois do que quaisquer outras espécies de bovídeos: a sua multiplicação é fomentada pelo Homem, que lhes garante o sustento e a proteção na doença. Tal não significa que as abelhas-domésticas sejam as mais adequadas a todas as culturas.
Porém, também a abelha-doméstica é alvo da ação deletéria dos agroquímicos e da propagação de pragas e doenças, favorecidas pela elevada densidade destes insetos. A prática comum de concentração temporária de colmeias junto de determinadas culturas para promover a respetiva polinização pode contribuir para a generalização das doenças.
Desde os anos 80 desenvolvem-se, tecnologicamente, apiculturas alternativas; a do Bombus terrestris é uma delas. Depois de conhecidas a biologia da sociedade e as relações inter-castas, foi apurado um tipo de colmeia de B. terrestris, portátil, com efetivos de cerca de 300 indivíduos, com a qual se promove atualmente a polinização em estufa. A cultura do tomate é uma das principais beneficiárias desta nova apicultura, na Europa Central. Mas a Suécia adotou-a, em 2019, não só para o tomate, mas também para a curgete.
Bombus terrestris é um polinizador que exibe algumas propriedades das quais Apis melífera não se poderá vangloriar, designadamente a tromba comprida, o zumbido contínuo, famílias pequenas e a capacidade de induzir a floração.
O zumbido (ou sonicação), a par do facto de nos suscitar a lembrança de ambientes bucólicos, tem por função acelerar o estalar das anteras (pelos ultra-sons) e a consequente expulsão do pólen. A abelha doméstica também recorre à sonicação, mas intermitente e ocasionalmente (observa-se, por exemplo, nas flores de kiwi). O comprimento da tromba, pelo seu lado, adequa-se perfeitamente à coleta do néctar em flores com corola tubular ou em que o acesso aos nectários exige maior acrobacia, como nas flores papilionáceas, próprias das leguminosas. O facto de constituírem sociedades relativamente pequenas confere-lhes, pela mobilidade, uma aptidão particular para atuarem dentro de estufas. O interesse crescente pelo desempenho deste simpático inseto leva os investigadores a aprofundarem a sua biologia. Foi assim que se descobriu que os abelhões desenvolveram um método astucioso de acelerar a floração em determinadas plantas. Na mostarda-preta, foi observado que eles executam picadelas nas folhas e que, em consequência destas, a planta floresce cerca de duas semanas mais cedo.
Astucioso é também o modo de captura do pólen, que confere a razão de ser de tanto pelo. Na realidade, estabelece-se uma diferença de potencial elétrico – eletricidade estática - entre o inseto e a planta que provoca a atração do pólen a subsequente fixação nos pelos.
E esta, hein?!
Fig.1 - O sucesso dos abelhões deve-se, em parte, à sua longa tromba (proboscis) que, nas corolas profundas, permite atingir os nectários.
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