Este ano a seca volta a preocupar Portugal, em especial o setor agrícola. Tecnicamente, a seca consiste numa anomalia transitória, mais ou menos prolongada, caracterizada por um período de tempo com valores de precipitação inferiores ao normal numa certa área, sendo causa inicial a escassa precipitação (seca meteorológica), e resultando numa insuficiência de recursos hídricos para suprir a procura (seca hidrológica). Reconhece-se ainda a seca agrícola, entendida como um défice de humidade para satisfazer as necessidades específicas de uma cultura.
As projeções climáticas regionalizadas para a Península Ibérica, revelam uma diminuição da quantidade de precipitação e do número de dias chuvosos, bem como um aumento da duração dos períodos de seca. Pelo contrário, não há sinais de alteração significativa das chuvas fortes. Ou seja, observamos uma tendência para menos chuva, mas não para que os episódios de chuva severa sejam reduzidos.
Os modelos climáticos regionais são agora mais eficientes na simulação da temperatura e extremos hidrológicos, incluindo a intensidade de fortes eventos de chuva e extremos quentes e frios. Os modelos podem agora simular bem as secas, particularmente à escala sazonal, e as projeções de duração e frequência da seca estão a tornar-se mais consistentes em muitas regiões, embora as alterações regionais das chuvas médias continuem a ser incertas. Temos, portanto, mais recursos para uma melhor gestão nacional e regional dos recursos hídricos.
Sabemos que as crises de qualidade e quantidade da água estão intimamente associadas às alterações climáticas. Um relatório divulgado em Abril pela ONU - The Global Land Outlook - refere que, em apenas vinte anos, a duração dos episódios de seca aumentou 29%. Do conjunto de impactos físicos, humanos e sociais relacionados com o aquecimento global, este é provavelmente o que tem maior expressão. De acordo com o relatório apresentado no âmbito da sessão da Conferência das Partes (COP15) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, mais de um terço da população mundial será afetada pela seca este ano. Urge planear e preparar os recursos possíveis para mitigar os efeitos de um fenómeno que se está claramente a agravar.
A seca poderá obrigar à deslocação de 700 milhões de pessoas até 2030. Na década seguinte, admite-se que uma em cada quatro crianças viverá numa região onde os recursos hídricos disponíveis serão extremamente reduzidos. Os cenários para 2050 sustentam que as secas afetarão três quartos da humanidade. "Entre 4,8 e 5,7 mil milhões de pessoas viverão em território com défice de água por um período de pelo menos um mês por ano", segundo o relatório da ONU. Os países do hemisfério norte não estão mais seguros. "Se o aquecimento global atingir os 3oC até 2100, as perdas pela seca podem ser cinco vezes mais elevadas do que na atualidade, com o maior aumento nas regiões mediterrânicas e atlânticas da Europa", alerta o relatório.
Uma abordagem às alterações climáticas que reconheça a importância da água pode combater tanto as causas como os impactos das alterações climáticas. Combinar estratégias de adaptação e mitigação das alterações climáticas com especial enfoque na água, poderá beneficiar a gestão global dos recursos hídricos, incluindo a redução do risco de desastres, e melhorará a disponibilidade de água.
Helena Freitas, Diário de Coimbra, 24.05.2022
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