quinta-feira, 14 de julho de 2022

E se este for o verão mais fresco do resto das nossas vidas?

Pombal, Sicó- 13.07.2022 - Foto lusa
Os incêndios espalham-se pelo território, apesar da “folga” de uma segunda-feira moderadamente mais fresca. Governo e Presidência da República já fizeram os seus ataques preventivos para a eventualidade de mais uma tragédia associada a incêndios florestais: desconvocaram as suas férias e deram voltinhas por quartéis de bombeiros e sedes de proteção civil. Um artigo assinado por um coletivo de 15 pessoas, com várias profissões e de diferentes pontos do país
Esta artimanha comunicativa não esconde a responsabilidade inequívoca de dois homens – António Costa e Marcelo Rebelo Sousa – na situação atual. O país, em particular o meio rural, está no ponto para novos incêndios de grandes dimensões pela recusa em mudar o que quer que seja na floresta, desde 2017.

À pergunta se "este poderá ser o Verão mais fresco do resto das nossas vidas" levanta-se um bafiento rumor dos (poucos) ainda negacionistas da crise climática. Depois, começa a questão real: os recordes globais de temperatura estão a ser batidos todos os anos das últimas décadas e, apesar da variabilidade climática que faz com que haja oscilação regional entre anos, os nossos verões são cada vez mais quentes, mais secos, mais compridos, as ondas de calor são cada vez mais frequentes, mais quentes e mais longas.

Isto significa que as condições climatéricas para a ocorrência de megaincêndios estão reunidas quase todos os anos e, frequentemente, mais do que uma vez no mesmo ano. As condições para ignições e incêndios são muito mais frequentes. Isso significa que a viabilidade das árvores se manterem vivas em ciclos cada vez mais curtos de incêndios está a diminuir.

Quando António Costa se junta aos restantes líderes europeus para aprovar mais gás natural a vir de outros locais do mundo, ou quando anuncia uma expansão da importação de gás através do Porto de Sines, está a garantir que, mesmo não sendo este o verão mais fresco do resto das nossas vidas, os próximos serão, em regra, crescentemente mais quentes e inclementes.

Quando o governo português e os restantes se recusam a fazer os cortes necessários de emissões de gases com efeito de estufa, rejeitando tocar num cabelo que seja dos interesses que gerem o mundo, estão a garantir que este, muito provavelmente, é um Verão fresco quando comparado com as próximas décadas e séculos.

Por outro lado, se além de olharmos para o futuro previsível sob os auspícios da elite que gere a maior parte dos países do mundo, olharmos também para o passado, vemos como se cobrem de ultraje as atuações de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa após os incêndios de 2017.

Não há agência de comunicação que consiga esconder que as áreas florestais portuguesas, até em locais tão simbólicos como Pedrógão, estão hoje mais perigosas do que então. Há maior área de eucaliptos, há maior densidade de eucaliptos, há maior infestação por acácias e mesmo as faixas de proteção das estradas estão em despreparado.

A escolha de Tiago Oliveira, um quadro da The Navigator Company, para liderar a AGIF, a agência que iria gerir os fogos rurais, produziu o efeito esperado – o território está pior. A avaliação da Comissão Técnica Independente ao novo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais e seu Programa Nacional de Ação é inequívoca: são planos que não integram a realidade das alterações climáticas. São por isso planos que não correspondem minimamente à nova realidade.

A Florestgal, iniciativa de bandeira, a “primeira empresa pública de gestão e desenvolvimento florestal a ser criada em Portugal” para realizar a transformação na paisagem que ia ser necessária para proteger o território, pauta-se, segundo o site da mesma, pela realização de uma ação de conversão de 70 hectares de eucaliptal, no Mogadouro, em três anos. Nem em Pedrógão Grande se fez o tão prometido “projeto piloto florestal”, que Costa e Marcelo juraram por entre as lágrimas dos familiares das vítimas que ia acontecer.

Quem não hesitou foi a CELPA, a confederação das celuloses. Agora chefiada por Francisco Gomes da Silva, o secretário de Estado que fez aprovar a Lei dos Eucaliptos em 2013, a agremiação acabou de encher 100 hectares de Pedrógão Grande com mais eucaliptos.

A desresponsabilização pelos incêndios levada a cabo por António Costa nos últimos dias tem sido vergonhosa e inaceitável. Depois de cinco anos de recusa em mudar a floresta, o primeiro-ministro revela desfaçatez total ao deslocar o ónus da responsabilidade dos incêndios para hipotéticos incendiários, festivais e concentrações, acidentes e pequenos proprietários, sem alguma vez tocar nas questões estruturais nas quais tinha de ter intervindo: a composição da floresta, o regime de propriedade, o abandono.

A responsabilidade de quem governou o pós-2017 em Portugal não pode nem vai ser varrida para debaixo do tapete pelo acesso permanente aos microfones da imprensa. Os nossos verões estão a ficar mais quentes, mais secos, mais compridos, e a nossa janela de atuação sobre o território e a paisagem, cada vez mais curta.

Para que este não seja o verão mais fresco do resto das nossas vidas também temos de criar e cuidar de uma verdadeira floresta reguladora do clima, protetora e geradora de solos, água, biodiversidade e salvaguarda das populações. Perante a recusa dos governantes em agir, a sociedade civil não pode nem irá mais ficar parada.

Ana Silva (professora, Cartaxo), António Assunção (ativista, Lisboa), António Rodrigues da Costa (reformado, Rio Maior), Armindo Silveira (monitor, Abrantes), Eunice Duarte (artista, Coimbra), Fábio João Marçal (ativista, Sertã), Mário Montez (animador sociocultural, Coimbra), Matilde Alvim (estudante, Palmela), Miguel Manso (escritor, Sertã), Margarida Marques (arquiteta, Arganil), Maria Teresa Rito (professora, Figueira da Foz), Paulo Pimenta de Castro (engenheiro, Oeiras), Isabela Ferro (bombeira, Proença-a-Nova), João Camargo (investigador, Lisboa), Pedro Triguinho (ferroviário, Torres Novas)

Fonte: Expresso

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