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O Contexto Histórico
Em Portugal, por força de uma incompreensível exceção à Lei de Proteção aos Animais, Lei n.º 91/95, de 12 de setembro, as touradas continuam a ser permitidas, não obstante ser hoje uma evidência científica incontornável que os animais, tal como o ser humano, também são capazes de sentir e como tal, de sofrer.
Isto, ao arrepio da Lei de Proteção aos Animais, que estabelece que “são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal”.
Este princípio choca claramente com o ritual de lide de animais em espetáculos tauromáquicos e que consiste em agredir os animais de forma gradual e com vários tipos de armas letais, provocando-lhes sofrimento, ferimentos profundos e hemorragias, quase até à morte.
A realização de touradas em Portugal nunca foi consensual. Datava o ano de 1821, quando na sessão de 4 de agosto das Cortes Constituintes, as touradas estiveram em debate, no seguimento de um projeto de lei apresentado por Borges Carneiro com vista à proibição dos espetáculos tauromáquicos, entendidos como contrários “às luzes do século, e à natureza humana”. Em causa, estava um entretenimento baseado no sofrimento dos animais, criados para servir o homem, mas não para serem martirizados. Dizia Borges Carneiro, que “Os homens não devem combater com os brutos, e é horroroso estar martirizando o animal, cravando-lhe farpas, fazendo-lhe mil feridas, e queimando-lhe estas com fogo: tão bárbaro espetáculo não é digno de nós, nem da nossa civilização.”
Na altura a iniciativa viria a ser rejeitada. Mas a sua prática chegou a ser proibida em 1836 por ser considerado “um divertimento bárbaro e impróprio das nações civilizadas”, através de um Decreto assinado por Passos Manuel no reinado de Maria Pia (sublinhado nosso).
A proibição foi substituída, meses mais tarde, por uma licença especial para que se pudessem realizar touradas apenas em benefício da Casa Pia e das Misericórdias, situação que se manteve durante os 116 anos seguintes.
A legalização das touradas no nosso país ocorreu apenas em 1953, quando foi publicado o primeiro “Regulamento do Espetáculo Tauromáquico e das Condições de Prestação e Remuneração de Trabalho”, aprovado por Despacho Ministerial de 22/6/1953 (com a inclusão das alterações aprovadas por Despacho Ministerial de 1/5/1954) passando este espetáculo a estar afeto ao Secretariado Nacional de Informação (Comissariado do Turismo).
Em 1991 os espetáculos tauromáquicos passaram para a alçada da Direcção-Geral dos Espetáculos e do Direito de Autor (atual Inspeção Geral das Atividades Culturais), com a aprovação do novo regulamento tauromáquico que, pela primeira vez, reconhecia que “a tauromaquia é, indiscutivelmente, parte integrante do património da cultura popular portuguesa”, colocando a atividade tauromáquica, pela primeira vez, na esfera da cultura.
À medida que foi crescendo na sociedade portuguesa a consciência em relação ao respeito e promoção do bem estar animal e à crueldade inerente a este espetáculo, aumentou consideravelmente a contestação às touradas e o declínio da atividade.
Em 2014, com a revisão do Regulamento do Espetáculo Tauromáquico, o Estado reconheceu o caráter violento da tauromaquia, ao tornar obrigatória a inclusão da advertência nos cartazes de promoção de touradas que “o espetáculo pode ferir a suscetibilidade dos espetadores”. Ao mesmo tempo, o regulamento também consagra no seu preâmbulo a “defesa do bem-estar animal” como um princípio de interesse público.
Através da alteração ao Código Civil, o legislador reconheceu também que os animais são “seres vivos dotados de sensibilidade” (artigo 201.º-B) e que “ o direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.” (n.º 3 do artigo 1305.º-A).
A perpetuação desta atividade anacrónica não é compatível com os valores do Século XXI, nem com a legislação em vigor em matéria de bem-estar de proteção animal.
O Declínio Das Touradas
Os sinais de evolução da sociedade portuguesa são evidentes, como se demonstra na abolição das tradicionais “Garraiadas Académicas” em diversas Universidades, como Vila Real, Porto, Coimbra, Évora, Tomar, Viseu ou no Algarve. No caso de Coimbra, em 2018 a Associação Académica promoveu um referendo no qual 70,7% dos estudantes votaram contra a realização da Garraiada na praça de touros da Figueira da Foz, numa demonstração clara de que as novas gerações já não aceitam nem se identificam com este tipo de divertimento.
Vários municípios também abdicaram nos últimos anos da realização de espetáculos tauromáquicos evocando o progresso civilizacional da sociedade, principalmente na região norte do país. Viana do Castelo, Póvoa de Varzim e Guimarães são apenas alguns exemplos.
No Algarve, muitos municípios abdicaram da realização de touradas nos últimos anos: Tavira, Loulé, Castro Marim, Faro, Lagoa, Monchique, Portimão, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António, são cidades onde se realizavam touradas em praças ambulantes, mas que deixaram de investir neste espetáculo nos últimos anos.
Em Albufeira, a única praça de touros fixa ativa no Algarve, e a que mais touradas organizava por ano em todo o país, fechou as portas em 2020 não resistindo ao declínio da atividade tauromáquica e ao desinteresse do público português e estrangeiro neste tipo de divertimento.
Outro sinal evidente do declínio e repúdio da sociedade pela tauromaquia, é o afastamento das grandes marcas comerciais e de instituições que se recusam a apoiar ou estar de alguma forma associadas à tauromaquia.
A transmissão de touradas na RTP foi durante muitos anos o principal motivo de queixa dos telespectadores. Por várias vezes o Provedor do Telespectador da RTP considerou que a televisão pública se devia abster de transmitir touradas na sua emissão por considerar que a emissão deste conteúdo violento “não era serviço público”. Finalmente em 2021, a RTP ouviu a sociedade portuguesa e decidiu excluir a transmissão de touradas da sua emissão, medida muito saudada pela população e inúmeras figuras públicas.
Estão solidamente demonstrados os efeitos negativos da exposição de crianças e jovens à violência da tauromaquia, uma atividade, que além da violência contra animais, inclui acidentes de grande impacto com feridos e mortos.
O caráter violento e sangrento dos espetáculos tauromáquicos realizados em Portugal também foi reconhecido e contestado internacionalmente pelo Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que no último relatório de avaliação de Portugal reservou um capítulo à “violência da tauromaquia” advertindo o Estado Português a estabelecer “a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de toureio, em 18 anos, sem exceção, e sensibilize os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e largadas” (sublinhado nosso).
Apesar deste pronunciamento, em maio de 2022, uma criança de apenas 15 anos morreu de forma extremamente violenta numa largada de touros em Portugal, sendo perfurada na garganta, sem que ninguém tenha assumido a responsabilidade por esta morte, nem sequer cancelado as largadas de touros em respeito à vítima e à sua família.
A assistência a este tipo de violência é também considerada prejudicial para as crianças pelo Comité dos Direitos da Criança e por outras instituições de proteção infantil.
A Ordem dos Psicólogos já se pronunciou sobre o “impacto psicológico da exposição das crianças aos eventos tauromáquicos”, em Junho de 2016, através de um parecer enviado à Assembleia da República, considerando que a exposição das crianças à violência “não é benéfica para as crianças ou para o seu desenvolvimento saudável, podendo inclusivamente potenciar o aparecimento de problemas de saúde psicológica”(sublinhado nosso).
Também a Amnistia Internacional se pronunciou sobre este tema. A instituição de direitos humanos emitiu um parecer onde considera que as crianças e jovens não podem participar em touradas por se tratar de uma atividade violenta e que coloca em risco a sua segurança e saúde. Neste sentido, advertiu a Assembleia da República e os seus constituintes que “considerem e fundamentem sempre o superior interesse da criança nos documentos que a estas digam respeito e que façam cumprir tratados e convenções internacionais assinados pelo Governo da República e ratificados por esta Assembleia”(sublinhado nosso).
Atualmente, crianças de todas as idades continuam expostas ao perigo e à violência, nas bancadas das praças de touros, nas largadas e nas escolas de toureio.
Ler restante: aqui
Livro
Fernando Araújo - “A Hora dos Direitos dos Animais”
Página pessoal de Jonathan Balcombe
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