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Em Dezembro passado, a emergência climática estava no topo dos noticiários. A mobilização era grande e as aspirações, claras. Queríamos um mundo em que fosse possível ir a pé para a escola, de bicicleta para o trabalho ou de comboio para as férias. Um mundo que nos permitisse atravessar o oceano num veleiro, como faz a jovem Greta, para evitar o crime ecológico de andar de avião.
Ninguém poderia imaginar que, três meses depois, as estradas estariam vazias, os carros na garagem, os aeroportos às moscas e a maior parte de nós a trabalhar em casa. E que, por isso, a qualidade do ar melhorasse em muitas cidades e as emissões de gases com efeito de estufa caíssem de uma hora para a outra – como já se comprovou na China.
Pelos piores motivos, a pandemia do coronavírus está a ter alguns efeitos colaterais positivos no ambiente. Mas até que ponto isso pode mudar o futuro?
A melhoria da qualidade do ar é transitória. Mas não deixa de ser relevante. A Organização Mundial da Saúde diz que 4,2 milhões de mortes por ano são atribuíveis à poluição atmosférica, incluindo 1,1 milhões na China e 29 mil na Itália. Embora astronómicos, são números frios, de óbitos invisíveis, que não acompanhamos em directo nas notícias – como tragicamente assistimos agora com o coronavírus.
A queda nas emissões de CO2, fruto do abrandamento dos transportes e da indústria, também não deve perdurar. Basta ver o que aconteceu na última crise económica. Em Portugal, o consumo de gasóleo e gasolina caiu 18% entre 2010 e 2013, segundo dados da Direcção Geral de Energia e Geologia. Mas, desde o fim da crise, tem vindo a subir paulatinamente. Em 2019, metade daquela redução já tinha sido anulada.
Perante as possíveis consequências das alterações climáticas – e não nos podemos esquecer das 72 mil pessoas que morreram na onda de calor que varreu a Europa no Verão de 2003 –, uma redução nas emissões de CO2 este ano seria bem-vinda. Mas o custo deste benefício é inaceitável: milhares de mortes, uma nova recessão económica e a suspensão abrupta da vida tal como a praticávamos.
Do lado negativo, o coronavírus pode conter avanços no combate ao aquecimento global. Num cenário de crise económica, projectos renováveis de capital intensivo – como centrais solares ou eólicas offshore – podem ficar comprometidos. As negociações climáticas deste ano possivelmente serão adiadas. Na União Europeia, a República Checa já sugeriu o adiamento do Pacto Ecológico que está sobre a mesa em Bruxelas e a Polónia quer aligeirar os custos do Comércio Europeu de Licenças de Emissões.
Já há vozes a defender que os pacotes de estímulo à economia que irão surgir na esteira da crise do coronavírus devem estar alinhados com soluções para a crise climática. Por ora, está a acontecer o contrário. O governo dos Estados Unidos propôs injectar 47 mil milhões de euros na aviação e quer comprar milhões de barris de petróleo, para salvar a sua indústria petrolífera.
O que pode fazer a diferença agora é a capacidade mobilizadora que a quarentena de milhões de pessoas em todo o mundo encerra em si própria. Contrariamente à última crise económica, pela qual muitos passaram incólumes, o coronavírus afecta-nos a todos. De súbito, estamos todos no mesmo barco, experimentando coercivamente uma forma diferente de estar no mundo, confinados em casa e impedidos de exageros consumistas – excepto na compra de papel higiénico. Nunca houve um teste tão amplo à capacidade do universo digital em substituir a nossa presença física no trabalho, na escola, nas repartições públicas, nos espaços de cultura. E os resultados podem ter impactos brutais no consumo de materiais e no uso do nosso tempo. É um grande laboratório à escala global. Não há quem não diga que nada será como antes quando tudo isso acabar.
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