"Há um revanchismo discursivo em relação à Esquerda que ganhou volume com os resultados eleitorais. A Direita sente que está com as costas quentes e que pode achincalhar os perdedores. Não falta quem venha reforçar o mito propagado pela extrema-direita de que temos vivido numa espécie de regime socialista nos últimos cinquenta anos e é hora de celebrar a libertação. Como se o PS tivesse governado até à semana passada e como se essa governação fosse realmente socialista. Esse discurso delirante vem acompanhado da vontade de mudar a Constituição e de eliminar o preâmbulo que lhes “legitima” o delírio.
Nas caixas de comentários vemos de tudo, desde culpar a Esquerda pela lei das rendas de Assunção Cristas, até chamarem a Pedro Nuno Santos perigoso radical, repetindo o que se diz (a ver se passa como verdade) nos espaços de comentário televisivo. Nestes círculos o desequilíbrio para a Direita é evidente (como aliás já provou um estudo do ISCTE), mas até o “Expresso” (cujo proprietário é o “perigoso esquerdista” Pinto Balsemão) é criticado nas redes sociais por fazer campanha contra Montenegro e André Ventura.
Na noite eleitoral, vimos José Miguel Júdice e Miguel Morgado a chamar radicais ao BE e ao PCP, ignorando o seu mais que evidente radicalismo próprio (um que foi fundador do MDLP, organização terrorista de extrema-direita e o outro que é um ultraliberal, mais passista que o Passos), totalmente legitimados pelo ar dos tempos e alinhados pelo diapasão dos média portugueses.
É nas pequenas coisas que se nota que o meridiano cultural e político está totalmente enviesado à Direita nos média portugueses e que os jornalistas estão totalmente imbuídos do discurso neoliberal e de demonização da Esquerda. Quando se debate a questão da habitação, isso é muito evidente, já que muitas medidas de regulação do alojamento local ou da escalada das rendas, adotadas em países insuspeitos de serem socialistas, são rapidamente consideradas medidas de extrema-esquerda.
O viés vem em cândidas e espontâneas perguntas, como a do jornalista que perguntava a Mariana Mortágua o que seria das pessoas que tinham investido em AL, se esse mercado fosse mais regulado, ignorando o impacto que proteger o interesse dessa minoria tem tido na esmagadora maioria das pessoas que estão privadas do direito constitucional à habitação em cidades como Lisboa ou Porto (em que metade do mercado de arrendamento disponível é apenas para o turismo).
Mas enfim, o revanchismo celebra que tenhamos perdido deputados competentes como Marisa Matias, António Filipe ou Joana Mortágua (a única que consegue competir com a extrema-direita, junto aos jovens nas redes sociais), para eleger deputados do Chega que celebram a morte de Odair Moniz ou que têm mais cadastro que currículo."
Sem comentários:
Enviar um comentário