Por Helena Freitas
A oportunidade de acompanhar a reunião da plataforma IPBES – Plataforma Intergovernamental de Ciência e Política sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas, que decorreu na sede da Unesco em Paris, de 29 de Abril a 4 de Maio, justifica esta breve análise, em particular tendo em conta as suas conclusões. A plataforma IPBES foi criada em 2012, com o objectivo de dar resposta à escassa interação entre cientistas e responsáveis pelas políticas em biodiversidade, e conta já com mais de 130 Estados-membros, entre os quais Portugal (infelizmente sem representação formal nesta reunião). Importa sublinhar que a plataforma agrega diversos especialistas, garantindo aos governos um contributo independente sobre a biodiversidade global, informando a decisão, tal como faz o IPCC – Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas em relação ao clima.
O IPBES concluiu agora um importante relatório de avaliação do estado da biodiversidade global, um documento preparado por mais de 150 especialistas ao longo dos últimos três anos. Os principais resultados foram divulgados em Paris no dia 6 de maio, com a apresentação de um documento negociado entre cientistas e representantes dos governos, à semelhança do que faz o IPCC, aguardando-se agora que o documento seja adotado pelos governos e incorporado nos seus planos de ação. A verdade é que há um amplo consenso em relação à problemática, mas tem sido difícil elevar o nível de reconhecimento da crise de biodiversidade que vivemos, por forma a identificar a perda da diversidade biológica como um grave problema, a par do clima. A ausência de uma estrutura como o IPBES (o IPCC existe há muito mais tempo) poderá explicar parte desta dificuldade em estabelecer uma relação pródiga entre as conclusões da ciência e a iniciativa política.
A avaliação global agora realizada confirma a situação de rápido declínio de muitas espécies, refletindo múltiplos trabalhos científicos, como um recente estudo alemão que revelava uma redução de cerca de 80% da biomassa de insetos em 30 anos, e convergindo com documentos produzidos por organizações como a WWF, que apontava cenários de redução geral de 60% nas populações monitorizadas. Sendo certo que a agricultura é uma das principais causas desta perda de biodiversidade, em particular através da destruição de habitats, a avaliação do IPBES identifica igualmente outras causas; a título de exemplo, o declínio das abelhas também se deverá a doenças oriundas de diferentes regiões, à introdução de espécies invasoras, aos pesticidas ou à ausência de flores. As alterações climáticas começam a causar impactos, promovendo a migração de espécies que se vêm forçadas a expandir ou a limitar o seu território.
Não surpreendem todas as evidências de degradação e perda acelerada de ecossistemas e espécies, mas deve interpelar a incapacidade que revelamos para reagir de forma colectiva face a esta tendência dramática, mesmo quando é tão manifesta a importância da biodiversidade para o bem-estar e para a própria sobrevivência das comunidades humanas. É verdade que o impacto da perda da biodiversidade pode ser mais difícil de interpretar porque não se apresentam medidas de percepção fácil e objetiva. Quando falamos do clima, aludimos ao aumento da temperatura média ou ao número crescente de eventos extremos, mas quando falamos sobre biodiversidade, a palavra de ordem é prevenir a extinção.
Na perspectiva da decisão política, entre outros contributos relevantes, o relatório do IPBES apoiará a reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica a realizar em 2020, em Kunming, na China, um país que parece querer assumir um protagonismo global nesta área. Um claro objetivo desta reunião será alcançar um acordo equivalente ao de Paris, mas para a biodiversidade. Tenho por isso alguma expectativa que o relatório do IPBES, apoiado pela maioria dos países do mundo, venha a edificar um roteiro robusto e inovador, consagrando de forma decisiva uma agenda global para a conservação da biodiversidade.
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