Perante a crise atual provocada pela pandemia de Covid-19 e a pensar na crise climática, “os governos deviam investir sabiamente para construir uma economia regenerativa local ou regional mais resiliente”, defende o biólogo e ativista Daniel Christian Wahl em entrevista ao Expresso
A atual crise “está a mostrar-nos como é frágil o castelo de cartas da economia global que está a matar o planeta”, diz Daniel Christian Wahl. Este biólogo e influente pensador, que se dedica à conservação do equilíbrio do ecossistema terrestre, defende a necessidade de um novo paradigma, assente “no reforço da resiliência comunitária através de economias biorregionais”, para fazer frente à crise climática e à atual pandemia. Esta quinta-feira, às 15h, exporá as suas ideias numa conferência em ‘live streaming’ na Culturgest. Para já lembra que “o ‘normal’ a que ansiamos voltar não é ‘normal’”.
Acha que a natureza nos está a enviar uma mensagem com esta crise pandémica?
Nós somos natureza e uma das principais razões porque nos colocámos nesta alhada é por pensarmos que estamos fora da natureza. Estamos a meio da sexta extinção em massa, com uma perda de biodiversidade cada vez mais rápida e o desaparecimento em cascata de ecossistemas em todo o mundo. É isto que torna a expansão de pandemias mais provável. O nosso estilo de vida hipermobilizado. Voamos para encontros que podem acontecer por videoconferência. Emociono-me ao ver as imagens de médicos de hospitais em Espanha ou Itália a ter de decidir quem vive e quem morre. E sinto-me chocado quando leio que há cinco milhões de crianças a morrer por dia nos países mais pobres porque não têm acesso a água potável. Cada um de nós é cúmplice deste sistema de assassinatos. O ‘normal’ a que ansiamos voltar não é ‘normal’. E esta é uma oportunidade para percebermos isso.
E vamos mudar?
Essa mudança é irreversível. Esta crise está a mostrar-nos como é frágil o castelo de cartas da economia globalizada que usa enormes quantidades de recursos para mover materiais e pessoas em redor do mundo de uma forma que está a matar o planeta. Em relação à atual pandemia, é tempo de os Governos serem honestos e dizerem que as medidas que são agora impostas terão de continuar por provavelmente mais 6 a 12 ou mesmo 18 meses. E é melhor as pessoas habituarem-se a isso.
E porquê a necessidade de se ‘habituarem’?
Porque assim podem criar resiliências locais e regionais para enfrentarem o que aí vem. Cada vez virão menos alimentos e recursos de outros cantos do mundo. No hemisfério Norte é agora altura de lançar as sementes à terra. Eu aconselharia quem tem um jardim ou uma varanda a cultivar umas ervas aromáticas ou cenouras, nem que seja só para se manter são de espírito no confinamento caseiro. Valerá a pena. É uma forma divertida de estar com os filhos e de lhes ensinar alguma coisa sobre cultivo de alimentos.
Também por uma questão de prevenção?
Não temos a certeza de quão seguras são as redes de abastecimento de alimentos. Precisamos de criar comunidades mais resilientes, de regionalizar a produção e o consumo e de dar às pessoas a soberania sobre comida que comem, a energia e água que utilizam. O vírus está de uma forma acelerada a obrigar-nos a fazer estas coisas. Esta é a primeira de muitas outras grandes pandemias neste século e a primeira de muitas disrupções globais neste século. A vida tornou-se muito frágil devido ao nosso estilo de vida ao longo dos últimos 250 anos. E a forma mais sensata de seguir em frente é dar uma resposta às alterações climáticas e ao Covid 19 e seguir o caminho de reforço da resiliência comunitária apostando em prósperas economias biorregionais. Espero que o façamos em solidariedade global. Mas é tempo de nos focarmos nas comunidades locais e na escala regional, para construirmos as infraestruturas que nos possam ajudar a navegar num futuro muito incerto.
Há quem tema que após esta crise, os Governos decidam seguir o caminho do ‘business as usual’. Como levar os líderes a não seguirem esse caminho?
Há muita incerteza e é difícil afirmar o que quer que seja. Como consultor de alguns governos nacionais e regionais em várias partes do mundo, posso dizer que uma pandemia viral sempre esteve entre os cenários projetados. Devemos agir, assumindo que, em último caso, chegamos ao colapso económico e que não será fácil ligar os motores e voltar aos negócios como de costume. Os Governos deviam colocar a funcionar moedas locais ou tê-las prontas em caso de o euro colapsar. O mais provável é que nem o dólar nem o euro sobrevivam a isto. Espero estar errado. Precisamos de nos preparar para ajudar as populações a aceder às suas necessidades básicas ao nível biogerional quando saírem do confinamento.
Temos de acabar com a globalização e com o capitalismo como os conhecemos? É aqui que entra o seu conceito de cultura e economia regenerativa?
Durante anos, a economia hiper globalizada tem sido cega perante o facto de o bem estar real de uma comunidade depender mais de relações locais e regionais. No modelo da economia capitalista vigente, a externalização dos custos sociais e ambientais não são tidos em conta. Agora que estamos obrigados a injetar grandes quantidades de dinheiro para enfrentar esta pandemia de covid-19 à escala global, os diferentes governos deviam usar esses investimentos sabiamente para construir uma economia regenerativa local ou regional mais resiliente. E podemos fazê-lo por exemplo produzindo máscaras e proteções individuais para o vírus a nível local ou regional.
Isso pode levar ao ‘cada um por si’?
Claro que não pode ser cada um por si. Não é esse o objetivo. Não teremos uma base moral se não olharmos para o que se passa noutros pontos do globo. Temos de ser solidários. E este vírus vem mostrar-nos que temos um inimigo comum, capaz de fazer a humanidade unir-se e colaborar criando condições para que haja vida.
A conferência desta quinta-feira será por ‘live streaming’. Será a norma no futuro?
Estamos todos a aprender que há muita coisa que podemos fazer sem viajar.
A União Europeia está a trabalhar no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal). O que pensa deste pacto e o que lhe pode acontecer em consequência desta crise?
Defendo um Green Deal em que os investimentos devem ser feitos em infraestruturas de energias renováveis, como a eólica e a solar, à escala bioregional e que devem ser as pessoas a deter essas infraestruturas e não as grandes empresas. Também precisamos de reinventar a política agrícola comum, de modo a voltar a apoiar os produtores locais e regionais, que têm um papel essencial como guardiões da saúde do solo, da água e dos ecossistemas. Este pacto é uma grande oportunidade para a inovação transformativa que conduz a uma economia regenerativa que apoia culturas regenerativas locais. Porém, muita da inovação em que se baseia o Green Deal tem na base tecnologia verde que propaga o ‘business as usual’. Isso apenas nos dá lagartas com asas, mas não as transforma em borboletas. A inovação transformativa permite-nos deixar morrer as infraestruturas antigas, que já não nos servem, e construir novas, tal como a lagarta tem de sofrer uma grande transformação para ser uma borboleta.
Será essa uma das mensagens que vai passar na teleconferência desta quinta feira?
Inicialmente a conferência era sobre como reconstruir economias saudáveis com base em economias regenerativas locais. Terá essa a linha condutora, mas como a situação hoje é diferente da de há umas semanas, chegará às pessoas de uma forma diferente. Há uma nova urgência. Há uma nova oportunidade de fazer as coisas de forma diferente na resposta a este vírus. Temos de ligar a resposta à covid-19 à resposta à catástrofe das alterações climáticas. Para implementar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável temos de ir mais além. Não podemos voltar ao ‘business as usual’.
É um optimista ou um cético face à capacidade de o Homem fazer a escolha certa?
Cito Einstein e digo que sou um pessimista para o século XXI e um otimista para o século XXII. Precisamos de estar conscientes de que aplicar de forma activa a ideia de culturas regenerativas a nível local vai melhorar a nossa qualidade de vida. Mas seria uma visão demasiado colorida pensar que uma mudança destas acontece de um dia para o outro quando devia ter começado há 50 anos. Temos de perceber que só reintegrando-nos, é possível a construção de uma relação saudável da humanidade enquanto natureza. Só assim é possível começar a construção desta catedral em que uma geração começa, uma nova geração continua e provavelmente uma terceira acaba e vê a catedral finalizada. Serão os nossos filhos ou netos que colherão os frutos
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