quinta-feira, 22 de maio de 2025

Conservar as árvores não é apenas um imperativo ecológico - é um dever civilizacional

Fonte: aqui
Cresci a reconhecer as árvores que moldaram os lugares mais marcantes da minha infância. Os carvalhos e os pinheiros-bravos eram cúmplices nas subidas aos montes junto à casa dos meus avós, no Minho. À sombra de uma nogueira imponente ficava o meu baloiço predileto, e eram os pinheiros mansos, alinhados sobre as dunas, que testemunhavam os piqueniques familiares de Verão, em rituais que pareciam suspensos no tempo.
Recordo com nitidez as árvores de fruto que visitava em ritmos sazonais: tangerineiras e laranjeiras, macieiras e pereiras, pessegueiros e cerejeiras, ameixoeiras que me desafiavam em tardes demoradas sobre os seus ramos. Havia ainda uma figueira, cúmplice das delícias do meu avô, e os castanheiros, cuja frutificação exuberante anunciava o fim das férias. Estas foram as árvores da minha infância - presenças silenciosas, mas constantes, cuja generosidade eu reconhecia como um gesto natural do mundo.
Mais tarde, já no percurso universitário em Biologia, reencontrei essas mesmas árvores, agora com outros nomes. Aprendi a designá-las como Quercus faginea, Quercus suber, Quercus pyrenaica, Pinus pinaster, Pinus pinea. Em visitas de estudo, do Gerês à Serra da Arrábida, comecei a distinguir as espécies, os seus habitats, os padrões de ecológicos e as suas relações íntimas com a paisagem.
Foi nesse contacto aprofundado que tomei consciência da vulnerabilidade de muitas espécies e da urgência de estratégias para a sua conservação. A fisiologia vegetal revelou-se para mim um domínio científico de assombro: a forma como as árvores extraem água e nutrientes do solo, muitas vezes a profundidades impressionantes, e os transportam até à copa sem romper o seu complexo sistema condutor, numa coreografia invisível de elegância e precisão. Essas árvores, que germinam e crescem num mesmo local, enfrentam ali todas as adversidades, conquistam os seus aliados naturais, otimizam as suas funções, tudo no único espaço vital que conhecem.
Nos últimos anos, tornou-se recorrente, e com fundamento, o debate sobre a desflorestação e a perda irreparável que representa para a Humanidade. Reconhece-se hoje, de forma mais clara, o papel estruturante das árvores na estabilidade dos solos, na regulação do ciclo hidrológico, na produção de oxigénio e na fixação de carbono atmosférico.
Mas para além das métricas e funções dos ecossistemas, as árvores possuem um estatuto singular no imaginário humano. As árvores habitam-nos. São raízes da nossa história, sombras da nossa infância, matéria-prima da memória e da imaginação. Inspiram mitos, preservam rituais, atravessam gerações. Têm uma longevidade que desafia o tempo humano. Uma beleza que não pede licença. Um metabolismo que é puro engenho.
Conservar as árvores não é apenas um imperativo ecológico; é um dever civilizacional. Porque nelas se enraíza não apenas a floresta, mas também parte do que somos, do que recordamos e do que ainda poderemos ser.

PS: O Dia Internacional da Biodiversidade, celebrado a 22 de maio, assinala a adoção da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica (1992). Em 2025, o tema “Harmonia com a natureza e desenvolvimento sustentável” destaca a articulação entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal, apelando à ação conjunta de governos, setor privado, academia e sociedade civil para integrar a biodiversidade na luta contra a pobreza e acelerar a implementação dos Planos Nacionais de Biodiversidade.

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