domingo, 29 de abril de 2007

Ciência, obscurantismo, sociedade e pensamento

Crenças Irracionais
Por José Carlos Marques
Os inimigos da ciência já chegaram ao Parlamento e às comemorações do 25 de Abril. Não é que Maria de Belém Roseira decidiu terminar o seu discurso, em nome do PS (o verdadeiro paladino da razão e da ciência com o seu Mariano Gago), citando elogiosamente as oito vias do budismo? Não saberá ela que todo o pensamento religioso, científico e filosófico anterior à ciência moderna post-newtoniana não passa de obscurantismo? Há pessoas tão arrogantes que julgam deter a verdade para sempre! Entre elas, as que citam o budismo e outras crendices do pensamento hindu, e de outros da igualha! Como é que assim poderiam abrir as orelhas para factos que não entram no seu estreito registo? Os inimigos da razão científica estão em todo o lado. É preciso correr com eles. Todos os estudiosos do pensamento antigo chinês e hindu, entre outros, rua com eles! A razão vencerá!

Ciência e Obscurantismo
Por Miguel Araújo
A ciência produz conhecimento validado, repetível, e contestável. A religião define crenças e estabelece padrõesde moralidade.Como diria o outro "cada macaco no seu galho".Obviamente que existem limites no conhecimento cientítico. Ninguém o nega. A ciência não é uma enciclopédia de verdades incontestadas: é um métodoque nos liberta da prisão cognitiva dando-nos instrumentos para entenderfenómenos que vão muito além da percepção empírica dos fenómenos. Não resisto citar E.O Wilson:"Without the instruments and accumulated knowledge of the natural scienceshumans are trapped in a cognitive prison. They are like intelligent fishborn in a deep, shadowed pool. Wondering and restless, longing to reachout, they think about the world outside. They invent ingeniousspeculations and myths about the origin of the confining waters, of thesun and the sky and the stars above, and the meaning of their existence.But they are WRONG, always WRONG, because the world is too remote fromordinary experience to be merely imagined". Obviamente que o método científico não garante, por si só, a unidade de todo o conhecimento e que outras formas de expressão da inteligência humana, como a arte, são importantes. Obviamente que, apesar dos muitos progressos científicos, verdadeiramente fantásticos, continuamos a ser ignorantes e que muito falta por aprender. Obviamente que o conhecimento científico não assegura a sua correcta utilização. E também é verdade de que existe conhecimento empírico valioso que ainda não foi reconhecido e validado pela ciência formal. E também é certo que, em certos campos do saber (p.e. a medicina) o empirismo oferece soluções que a ciência formal ainda não integrou no seu cardápio. Mas nada disto diminui a ciência, os seus sucessos, ou a sua importância como suporte do edifício do conhecimento nas sociedades democráticas. O conhecimento científico é um auxiliar valioso da democracia pois é a forma de conhecimento que permite o escrutínio completo dos seus fundamentos. A alternativa é o poder da crença e do empirismo. Uma alternativa que só se consegue instalar em sociedades complexas como as nossas por via da sua imposição pela força. Como dizia Sean O'Casey: "Politics has slain its thousands, but religion has slain its tens of thousands."

Ciência e Sociedade
Artigo gentilmente cedido por Miguel Araújo
Science and Society: Framing Science Matthew C. Nisbet and Chris Mooney Science 6 April 2007:Vol. 316. no. 5821, p. 56 
Issues at the intersection of science and politics, such as climate change, evolution, and embryonic stem cell research, receive considerable public attention, which is likely to grow, especially in the United States as the 2008 presidential election heats up. Without misrepresentingscientific information on highly contested issues, scientists must learnto actively "frame" information to make it relevant to differentaudiences. Some in the scientific community have been receptive to thismessage (1). However, many scientists retain the well-intentioned belief that, if lay people better understood technical complexities from news coverage, their view points would be more like scientists', and controversywould subside.In reality, citizens do not use the news media as scientists assume.Research shows that people are rarely well enough informed or motivated toweigh competing ideas and arguments. Faced with a daily torrent of news,citizens use their value predispositions (such as political or religiousbeliefs) as perceptual screens, selecting news outlets and Web sites whoseoutlooks match their own (2). Such screening reduces the choices of whatto pay attention to and accept as valid (3).Frames organize central ideas, defining a controversy to resonate withcore values and assumptions. Frames pare down complex issues by givingsome aspects greater emphasis. They allow citizens to rapidly identify whyan issue matters, who might be responsible, and what should be done (4,5).Consider global climate change. With its successive assessment reportssummarizing the scientific literature, the United Nations' Intergovernmental Panel on Climate Change has steadily increased its confidence that human-induced greenhouse gas emissions are causing globalwarming. So if science alone drove public responses, we would expectincreasing public confidence in the validity of the science, anddecreasing political gridlock.Despite recent media attention, however, many surveys show major partisandifferences on the issue. A Pew survey conducted in January found that 23% of college-educated Republicans think global warming is attributable to human activity, compared with 75% of Democrats (6). Regardless of partyaffiliation, most Americans rank global warming as less important thanover a dozen other issues (6). Much of this reflects the efforts ofpolitical operatives and some Republican leaders who have emphasized theframes of either "scientific uncertainty" or "unfair economic burden" (7).In a counter-strategy, environmentalists and some Democratic leaders haveframed global warming as a "Pandora's box" of catastrophe; this and news images of polar bears on shrinking ice floes and hurricane devastationhave evoked charges of "alarmism" and further battles.Recently, a coalition of Evangelical leaders have adopted a differents trategy, framing the problem of climate change as a matter of religious morality. The business pages tout the economic opportunities from developing innovative technologies for climate change. Complaints aboutthe Bush Administration's interference with communication of climates cience have led to a "public accountability" frame that has helped move the issue away from uncertainty to political wrong doing.As another example, the scientific theory of evolution has been accepted within the research community for decades. Yet as a debate over"intelligent design" was launched, anti evolutionists promoted "scientific uncertainty" and "teach-the-controversy" frames, which scientists countered with science-intensive responses. However, much of the public likely tunes out these technical messages. Instead, frames of "publicac countability" that focus on the misuse of tax dollars, "economic development" that highlight the negative repercussions for communities embroiled in evolution battles, and "social progress" that define evolution as a building block for medical advances, are likely to engage broader support.The evolution issue also highlights another point: Messages must be positive and respect diversity. As the film Flock of Dodos painfully demonstrates, many scientists not only fail to think strategically abouthow to communicate on evolution, but belittle and insult others' religiousbeliefs (8).On the embryonic stem cell issue, by comparison, patient advocates havedelivered a focused message to the public, using "social progress" and"economic competitiveness" frames to argue that the research offers hopefor millions of Americans. These messages have helped to drive up publicsupport for funding between 2001 and 2005 (9, 10). However, opponents ofincreased government funding continue to frame the debate around the moralimplications of research, arguing that scientists are "playing God" and destroying human life. Ideology and religion can screen out even dominantpositive narratives about science, and reaching some segments of the public will remain a challenge (11).Some readers may consider our proposals too Orwellian, preferring to safely stick to the facts. Yet scientists must realize that facts will berepeatedly misapplied and twisted in direct proportion to their relevance to the political debate and decision-making. In short, as unnatural as it might feel, in many cases, scientists should strategically avoidemphasizing the technical details of science when trying to defend it.
References
T. M. Beardsley, Bioscience 56, 7 (2006)
S. L. Popkin, The Reasoning Voter (Univ. of Chicago Press, Chicago, IL,1991)
J. Zaller, Nature and Origins of Mass Opinion (Cambridge Univ. Press, NewYork, 1992)
W. A. Gamson, A. Modigliani, Am. J. Sociol. 95, 1 (1989)
V. Price, et al., Public Opin. Q. 69, 179 (2005)
A. M. McCright, R. E. Dunlap, Soc. Probl. 50, 3 (2003).
M. C. Nisbet, Int. J. Public Opin. Res. 17 (1), 90 (2005)

Ciência Ideal e Outras (adaptado)
Por José Carlos Marques
Conhecemos muitos profissionais da ciência, e alguns brilhantes , que vivem a ciência da forma nobre e desinteressada . Ao lado dessa ciência, existe também a ciência-ideologia e a ciência-religião, e sobretudo a ciência-sistema social ou trave do sistema social, e que é hoje, como a vêem muitos inclusive entre alguns cientistas, uma peça-chave dos mecanismos produtores da destruição de valores naturais e de valores humanos. Há toda uma tradição vinda de grandes actores da ciência que alerta para os perigos dessa ciência-sistema (como o atestam alguns dos famosos "arrependimentos" de alguns dos grandes físicos que participaram na criação da arma atómica, por exemplo, e também na biologia e noutras áreas; aliás esses perigos pairam sobre toda a filosofia desde o século XX, mas receio que falar de filosofia, onde é sempre impossível uma "falsificação" satisfatória, possa não ajudar). Curiosamente, as implicações epistemológicas e sociais destes "erros" e "arrependimentos" de grandes cientistas é um aspecto omisso na perspectiva idílica da ciência. Há ciência, ciência e ciência. É pena que os cientistas idealistas tenham dificuldade em reconhecê-lo e só consigam ver a ciência como a idealizam e não a "outra" ou "outras" que ela também é.
Uma coisa que se perdeu de vista desde que a ciência ascendeu a um estatuto de "endeusamento" (é esse o estatuto que ela tem, mesmo em Portugal, por mais Abelhas Maias que haja e por mais falta de cultura científica formal que exista) na sociedade moderna foi a unidade do pensamento humano: magia, mito, religião, ciência, arte, por mais diferentes que sejam, têm em comum uma coisa: todos são produtos do pensamento e da imaginação, que é ela própria uma forma de pensamento. Por mais que custe aos que apenas aceitam uma ou algumas dessas formas com rejeição das outras, em todas elas houve e há elementos de verdade e de erro. Afinal não são essas formas que nos devem preocupar mas sim afinal e apenas a verdade e o erro, em versão não maniqueísta nem mecanicista. O que o cientista honesto deverá fazer, mais do que denunciar as falsidade sem bloco desta ou daquela forma de pensamento, é aceitar humildemente que a ciência é ela própria um produto do pensamento que, paradoxalmente, exerce acrítica sobre si próprio e sobre os seus próprios produtos - incluindo os da ciência, que não ficam ao abrigo da crítica pelo facto de supostamente se basearem num método que os isentaria por definição do erro. Caminho duro, sem dúvida, mas inevitável. Saudações racionalistas(-ir)racionalistas: porque a razão informada começa por saber que é pequenina perante a imensidão do não ainda racionalizado ou do que jamais poderá sê-lo

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