A corrida ao ouro, e à prata, entre outros, está lançada em Portugal e quase sem travões para zonas protegidas, como o Parque de Montesinho, que agora podem vir a beneficiar de um puxão de orelhas da União Europeia a Portugal.
O aviso europeu, feito na sexta-feira, pode ter impacto em projetos mineiros em fase de consulta pública para autorização de direitos de prospeção e pesquisa no Parque Natural de Montesinho, em Trás-os-Montes, e nas Zonas Especiais de Conservação “Serra de Monfurado” e “Cabrela”, no Alentejo. Segundo a União Europeia, a legislação portuguesa tem em conta medidas compensatórias quando avalia projetos que podem afetar sítios protegidos pela Rede Natura 2000, “minando o resultado da avaliação dos efeitos.”
Segundo a Diretiva Habitats, “se um projeto fere um local da rede Natura 2000, não pode ser aprovado simplesmente na base de que o estrago será compensado”, alerta a UE, que ameaça levar o estado português ao Tribunal Europeu. Portugal tem dois meses para responder, promovendo alterações à legislação atual, que tem merecido críticas dos ambientalistas, por ser incapaz de travar projetos, independentemente da oposição das populações e dos pareceres negativos das autarquias.
“A Lei atual é muito lata e deixa muitas válvulas de escape para se poder avançar de forma um bocadinho discricionária", observa Nuno Forner, ambientalista da associação Zero. "É necessário mudar. A lei devia ser explícita e dizer que em áreas protegidas não vamos autorizar exploração mineira", acrescentou aquele especialista em minas.
Só cobre entra no top dos mais pesquisados
Em Portugal, há atualmente 123 contratos de concessão mineira ativos, e 63 pedidos de prospeção identificados pela Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), 21 contratualizados e 42 em publicação ou avaliação. Dos minerais críticos à transição ecológica, segundo Regulamento Europeu Matérias-Primas Críticas, apenas o cobre aparece entre os mais pretendidos, em segundo lugar, atrás do metal mais ambicionado de sempre pela humanidade: o ouro, com 25 pedidos de pesquisa, 15 concedidos e 10 em publicação ou apreciação. A prata aparece em terceiro lugar, com 23 pedidos, 14 autorizados e nove em espera.
Entre as chamadas terras raras há ainda pedidos de prospeção de nióbion, antimónio, tântalo e trípoli. Na análise aos pedidos de prospeção na DGEG, destaque para o regresso do volfrâmio, e para uma solicitação de pesquisa de cobalto, um componente das baterias automóveis mais usadas atualmente, e que está incluído num pedido de prospeção denominado “Valongo 2”, com cerca de 105 km2, nos concelhos de Vinhais e Bragança, abrangendo a Zona Especial de Conservação (ZEC) Montesinho/Nogueira.
Os municípios de Bragança e Vinhais estão contra a prospeção solicitada por uma empresa privada, a GMRConsultores, com sede em Braga, que teve também parecer negativo do Instituto de Conservação da Natureza e da Fauna (ICNF). Há ainda mais dois pedidos de prospeção que abrangemos concelhos de Bragança e Vinhais, denominados "Revelhe" e "Castrelos".
"Escândalo" em Montemor o Novo
Não é o único projeto mineiro a Zonas Especiais de Conservação, classificadas no âmbito da Rede Natura 2000. Há um projeto de cerca de 70 km2 nas barbas do Porto, que engloba a ZEC de Valongo, aprovada esta semana, e ainda o pedido de atribuição de direitos de prospeção, designada “Montemor”, para prospeção e pesquisa de cobre, chumbo, zinco, ouro e prata, numa área de 447,5 km2 nos concelhos alentejanos de Montemor-o-Novo, Évora, Viana do Alentejo e Vendas Novas onde se inclui as Zona Especial de Conservação (ZEC) de Monfurado e Zona Especial de Conservação (ZEC) de Cabrela.
"É um escândalo", comenta Ana Pires, que em 2011 fez parte de um movimento de cidadãos que se opôs a uma mina de ouro na Boa Fé e agora acompanha com preocupação este novo projeto. "Como? Como?" repete incrédula com a ideia de se abrir uma mina numa área que apanha duas áreas de ZEC. "Quando se declara um parque natural, é porque há volta está tudo mal, já não há saúde para os bichos e as plantas", diz Ana Pires.
O projeto para Montemor-o-Novo, que tem a oposição do presidente da Câmara, Olímpio Galvão, estima tirar 500 toneladas de ouro em cinco anos, considerando que a concentração é de dois gramas daquele metal precioso por cada tonelada de solo que será preciso remover, triturar e lavar com recurso a produtos químicos. “Será que vale a pena?”, questiona Ana Pires. "Desde que a zona foi incluída na Rede Natura, as pessoas tiveram que adaptar a vida. As atividades económicas mudaram para se adaptar, e está a viver equilibrado", acrescenta.
“Isto é um contrassenso. Temos áreas protegidas, temos valores naturais que temos de proteger e depois temos a atribuição de direitos para prospeção e pesquisa que podem futuramente levar a exploração com impactos muito significativos”, alerta Nuno Forner. “É um receio para nós, porque quando é atribuído o direito de prospeção e pesquisa, está ali quase praticamente implícito que as pessoas têm direito a apresentar depois um projeto para exploração. Não há uma salvaguarda”, acrescenta.
Novas concessões no Barroso e o perigo ambiental
“É claro que vão ter que ter um estudo de impacto ambiental, que tem de ser aprovado, mas sabemos que a maior parte dos estudos de impacto ambiental têm parecer favorável condicionado”, alerta, preocupado como a existência de "uma corrida muito predatória, que é explorar o mais rapidamente possível", que ameaça áreas com estatuto de proteção ambiental e agrícola, como por exemplo em Covas do Barroso, classificado como Património Agrícola Mundial da FAO.
Ao projeto de exploração de lítio, da Savannah Resources, com uma área total de cerca de 6km2, juntaram-se mais cinco, alguns encostados às concessões atualmente autorizadas, com Estudo de Impacto Amabiental condicionado, para exploração, prevista durante 17 anos. “O impacto ambiental que vamos ter ali é algo já mais alargado”, alerta Nuno Forner. Lembrando que Portugal não tem uma estratégia nacional para os recursos naturais, argumenta que a análise é feita caso a caso, pelo que “é muito difícil que os promotores façam uma avaliação séria dos efeitos cumulativos ao nível do ambiente, que podem ser muito maiores que somar um, mais um e mais um.”
Os projetos da Savannah Resources, que detém a concessão da exploração do lítio na mina do Barroso e da Lusorecursos, que espera iniciar a extração de lítio da mina do Romano, em Montalegre, foram incluídos na lista dos 47 projetos estratégicos selecionados pela Comissão Europeia para “assegurar e diversificar” o acesso às chamadas matérias-primas críticas. São contestados pelas populações, que prometeram recorrer para as instâncias europeias.
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