quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Tal como os cães, os cangurus também conseguem comunicar com os humanos


Os animais de estimação são animais que ao serem domesticados, interagem com os seres humanos e passam a ser a sua companhia. No entanto, ao contrário do que se pensava, estes não são os únicos que conseguem comunicar connosco.

Um estudo da Universidade de Roehampton, no Reino Unido, e da Universidade de Sydney, na Austrália, revela que os cangurus e outros animais não domesticados também conseguem comunicar com o Homem.

A investigação indica que dez em onze cangurus, ao serem testados, procuraram comunicar através do olhar com o humano antes de abrir a caixa com comida. Dentro do mesmo grupo, nove trocaram vários olhares entre a caixa e a pessoa antes de agir.

“Através deste estudo conseguimos ver que a comunicação entre animais pode ser aprendida e que o comportamento de olhar para os humanos para ter acesso aos alimentos não está relacionado com a domesticação. Na verdade, os cangurus mostraram um padrão de comportamento muito semelhante ao que já vimos em cães, cavalos e até cabras quando submetidos ao mesmo teste”, explica Alan G. McElligott, autor do estudo, na Science.

O cientista afirma que esta descoberta demonstra que a comunicação intencional por parte dos animais, para com os humanos, foi totalmente subestimada. “Os cangurus são os primeiros marsupiais a serem estudados desta maneira e os resultados positivos devem levar a mais investigações cognitivas além das espécies domésticas comuns”, conclui.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

A Rússia invadiu a Ucrânia e a torneira da Alemanha fechou-se. A crise é tal que até o regresso ao nuclear está em aberto

Manifestante com uma máscara do chanceler de saída, Olaf Scholz, segura um cartaz onde se lê "sustentável", num protesto contra os planos da Comissão Europeia para classificar o gás e o nuclear como amigos do ambiente 

Um tsunami no Japão originou um tremor de terra na Alemanha que, mais de 13 anos depois, continua a provocar ondas de choque no país. Na sombra do desastre de Fukushima, em março de 2011, a chancelaria de Angela Merkel em coligação com os liberais do FDP tomou a decisão de acabar com a produção de energia nuclear, ordenando o encerramento faseado de todos os reatores do país. 

A Alemanha gozava então de uma posição privilegiada no contexto europeu e mundial - a economia era sólida, o seu parque industrial estava longe da situação débil em que hoje se encontra, as empresas alemãs ainda davam cartas dentro e fora do continente e, energeticamente, o país era, em grande medida, movido a gás natural importado da Rússia. Mas mais de uma década depois, o paradigma alemão mudou radicalmente - a economia está em recessão há dois anos e, com a invasão em larga escala da Ucrânia, fechou-se a torneira russa da qual a Alemanha dependia.

O novo paradigma não travou a desnuclearização do país. Cerca de um ano depois da invasão da Ucrânia, em abril de 2023, a Alemanha assistiu ao fecho da última central nuclear ainda a operar - uma fonte que, no ano anterior, gerou entre 4 a 6% do total de eletricidade produzida pelo país. Na despedida, o ministro da Economia e do Ambiente, Robert Habeck, do partido minoritário Os Verdes, garantiu que "a segurança do abastecimento energético na Alemanha está e continua a estar garantida" e "permanece muito elevada" em comparação com o resto do mundo, lembrando que a decisão foi tomada em primeira instância pelos conservadores da CDU e os liberais do FDP.

A mensagem foi recebida com muito ceticismo, a começar pelo partido conservador de Friedrich Merz, o homem em rota para se tornar o próximo chanceler da Alemanha após o colapso da chancelaria Scholz esta segunda-feira e que - não é segredo - considera que a antecessora cometeu um erro grave ao ordenar o fim do nuclear. “Isto marca um dia negro para a proteção climática na Alemanha”, disse então o vice-líder da bancada parlamentar da CDU. “Este ministro d’Os Verdes", acusou Jens Spahn, "prefere deixar centrais elétricas a carvão a funcionar em vez de centrais nucleares neutras para o clima” e o Governo Scholz transformou-se numa “coligação do carvão”.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Travessas de plástico reciclado poderão tornar os caminhos-de-ferro ainda mais ecológicos


Parte das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) dos caminhos-de-ferro reside na energia utilizada para produzir e manter as infraestruturas necessárias. Investigadores finlandeses demonstraram a viabilidade da utilização de travessas de comboio mais ecológicas a partir de dois tipos de plástico reciclado, o cartão para embalagem de líquidos e o acrilonitrilo butadieno estireno. As emissões de carbono poupadas anualmente com a eliminação progressiva das travessas de betão e a sua substituição por este tipo de plástico reciclado poderiam equivaler ao aquecimento de 1200 habitações finlandesas.

Os caminhos-de-ferro, o meio de transporte mais amigo do ambiente a seguir aos autocarros de longo curso, vão desempenhar um papel importante na luta pelo zero líquido. Atualmente, as emissões totais do transporte ferroviário são de 31 gramas de equivalente de CO2 (CO2e) por passageiro-quilómetro, metade do valor dos veículos elétricos mais económicos.

Mas as emissões de carbono do tráfego ferroviário podem ser ainda mais reduzidas, revela um novo estudo publicado na revista Frontiers in Sustainability por autores finlandeses. Isto porque os materiais de construção típicos, como o aço e o betão, são energeticamente dispendiosos de produzir, transportar, manusear e manter. Mesmo nas linhas de comboio mais movimentadas, estes custos ascendem a 30% das emissões totais e esta percentagem aumenta acentuadamente à medida que o volume de tráfego diminui.

“Mostramos aqui que os plásticos reciclados podem ser utilizados como material para as travessas de caminho de ferro e que as emissões globais seriam reduzidas. A pegada de carbono é menor quando os fluxos de resíduos atualmente incinerados são utilizados como material”, afirma Heikki Luomala, primeiro autor do estudo e gestor de projeto na Universidade de Tampere.

“Estimamos que a redução de CO2 através da repulsão do fluxo de resíduos disponível na Finlândia poderia corresponder às emissões de aquecimento de 1200 casas, ou seja, 3 610 tCO2e (toneladas de equivalente de CO2) por ano”, acrescenta.

Dois tipos de plástico testados
Luomala e colegas estudaram a viabilidade e a redução das emissões de gases com efeito de estufa resultantes da eliminação gradual das travessas de madeira e de betão na Finlândia e da sua substituição por plástico reciclado. A vida útil de uma travessa é de 10 a 60 anos e diminui com o aumento da intensidade do tráfego, devido a danos mecânicos.

Uma importante fonte de resíduos de plástico é o sector das embalagens, que consome cerca de 40% da produção total de plástico. Neste sector, o chamado cartão para embalagem de líquidos (LPB) – uma mistura de polietileno, polipropileno, álcool vinílico de etileno e tereftalato de polietileno – é o produto que regista o crescimento mais rápido. Outra fonte importante de resíduos de plástico é o equipamento eletrónico e elétrico, que representa aproximadamente 6% da utilização total de plástico. O seu principal componente plástico é o acrilonitrilo butadieno estireno (ABS).

No passado, os resíduos de plástico eram frequentemente exportados da Finlândia para o Extremo Oriente, mas nos últimos anos foi lançada a iniciativa “ALL-IN for Plastics Recycling” (PLASTin) para tornar a Finlândia um líder na reciclagem de plásticos.

Luomala et al. produziram amostras de travessas de comboio (0,15 m de espessura, 0,25 m de largura e 2,6 m de comprimento) feitas de LPB e ABS e submeteram-nas a uma bateria de testes mecânicos. A sua intenção era testar se os protótipos confirmavam as normas internacionais para as indústrias de plásticos e ferroviárias.

A implementação no mundo real está a decorrer
Os espécimes feitos com ambos os tipos de plástico passaram nos testes de resistência e de flexão. Mas apenas o ABS reciclado foi capaz de suportar a temperatura máxima testada de 55°C sem amolecimento significativo durante os verões quentes.

“O ABS reciclado é muito mais adequado como material para travessas de caminho de ferro do que o LPB reciclado: as propriedades de resistência e rigidez do ABS são aproximadamente três vezes superiores e mais próximas das das travessas de madeira”, afirma Luomala.

As travessas de plástico para caminhos-de-ferro oferecem várias vantagens, por exemplo, fácil conformação, baixo custo, peso reduzido e resistência às condições ambientais. A utilização de plástico reciclado também permite uma maior flexibilidade na conceção da forma das travessas.

A Agência Finlandesa de Infraestruturas de Transportes já demonstrou interesse nas conclusões do estudo.

“Quando se trata da implementação de ABS reciclado para utilização como travessas de caminho de ferro, devem primeiro ser realizados mais testes à escala real. O seu comportamento a longo prazo, por exemplo, em termos de resistência aos raios UV, também deve ser testado”, adverte Luomala.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Quando Encontrares Um Homem

«Quando encontrares um homem
Que transforme
Cada partícula tua
Em poesia,
Que faça de cada um dos teus cabelos
Um poema,
Quando encontrares um homem
Capaz,
Como eu,
De te lavar e adornar
Com poesia,
Hei-de implorar-te
Que o sigas sem hesitação
Pois o que importa
Não é que sejas minha ou dele
Mas sim da poesia.»

sábado, 4 de janeiro de 2025

Já há 22 ninhos artificiais para abutres-pretos nidificarem no Douro Internacional


A colónia transfronteiriça de abutre-preto (Aegypius monachus) do Douro Internacional, a mais isolada e uma das mais frágeis do país, conta agora com 14 novos ninhos artificiais, que se juntam aos oito anteriormente instalados, somando um total de 22. A instalação dos ninhos para esta espécie “Em Perigo” de extinção foi realizada no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return – consolidação e expansão da população de abutre-preto em Portugal e no oeste de Espanha, foi divulgado em comunicado.

Segundo a mesma fonte, os ninhos artificiais foram colocados no terreno no mês de outubro, numa intervenção delicada e difícil realizada por uma equipa especializada do GIAM – Grupo de Intervención en Altura de los Agentes Forestales de la Comunidad de Madrid, de Espanha, juntamente com técnicos da Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural.

O objetivo principal desta ação é disponibilizar um maior número de ninhos para o abutre-preto nidificar e fixar-se no território, aumentando o recrutamento de indivíduos e consequentemente esta colónia que abrange o Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) e o contíguo Parque Natural Arribes del Duero (PNAD), em Espanha.

Onde foram colocados os ninhos e de que são feitos?
A escolha dos locais e estrutura dos ninhos é feita de forma a mimetizar ao máximo o processo natural de nidificação da espécie. Ao contrário da maioria dos abutres, que nidifica em acantilados rochosos, o abutre-preto faz ninhos principalmente em árvores de grande porte.

Desta forma, os ninhos foram instalados em árvores como o zimbro, azinheira ou sobreiro. Os ninhos têm uma estrutura de metal que imita a forma do ninho natural e uma rede robusta que suporta o material utilizado para naturalizar o seu interior, composto por pequenos galhos de árvores e arbustos lenhosos e lã de ovelha para o tornar mais acolhedor e atrativo para a espécie-alvo.

Nidificar em árvores é uma peculiaridade deste abutre que acarreta riscos
Por nidificar em árvores, o abutre-preto corre um risco acrescido: é mais vulnerável e afetado pelos incêndios florestais. Exatamente por este motivo, uma outra linha de ação do projeto LIFE Aegypius Return é promover a gestão de habitats e aumentar a resiliência natural frente aos incêndios florestais nas áreas onde a espécie se reproduz. Em 2017, por exemplo, a colónia do PNDI foi afetada por um incêndio florestal que destruiu o único ninho da espécie existente nessa altura, matando a cria de abutre-preto.

Colónia transfronteiriça tem oito casais nidificantes
Atualmente, a colónia transfronteiriça do Douro Internacional tem oito casais nidificantes, cinco no PNDI e três no PNAD, o que já é um número bastante positivo, tendo em conta o contexto e evolução nos últimos anos. Contudo, destes casais, nesta época de reprodução, apenas cinco fizeram postura e só quatro crias (duas em cada país) sobreviveram até se tornarem independentes.

Devolução de abutres-pretos por soft release é outra estratégia para aumentar colónia
O abutre-preto só põe um ovo por época de reprodução/ano e a maturidade sexual da cria só é atingida aos cinco ou seis anos de vida, pelo que o seu sucesso reprodutor é muito limitado e condicionado. Qualquer incidente que cause a mortalidade da descendência tem um grande impacto geracional e populacional sobre esta espécie.

Por isso, além da construção de ninhos artificiais, o projeto vai potenciar, até 2027, o reforço do número de indivíduos desta colónia, através da devolução à natureza, nesta região, de 20 abutres-pretos provenientes de centros de recuperação de fauna silvestre, após passarem por um período de aclimatação (adaptação ao meio) e libertação faseada (soft release) na estrutura construída para esse efeito no PNDI. Até ao momento, já foram devolvidos à natureza quatro abutres-pretos por esta via.

Sobre o projeto
O projeto LIFE Aegypius return é cofinanciado pelo Programa LIFE da União Europeia e desenvolvido por um consórcio que integra as seguintes entidades: Vulture Conservation Foundation – organização coordenadora -, Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural (cofinanciada pela Viridia – Conservation in Action e MAVA – Foundation pour la Nature neste LIFE), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Proteção da Natureza, Faia Brava – Associação de Conservação da Natureza), Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Reduzir o consumo de carne e laticínios é uma estratégia essencial para mitigar os impactos ambientais negativos

Reduzir o consumo de carne e laticínios é uma estratégia essencial para mitigar os impactos ambientais negativos associados aos sistemas alimentares, incluindo as alterações climáticas, a perda de biodiversidade devido às alterações no uso do solo e o consumo de água doce.

Um estudo apresenta uma avaliação de alternativas à carne e ao leite, integrando análises nutricionais, de saúde, ambientais e de custo, com foco em países de elevado rendimento.

A análise incluiu 24 alternativas à carne e ao leite, comparando-as com produtos de origem animal e com alimentos vegetais não processados. O número total de participantes nos estudos analisados foi de 10000, e a duração dos estudos variou entre 6 meses e 2 anos.

Foram avaliados alimentos como ervilhas, soja, feijão, hambúrgueres vegetais, tempeh e bebidas vegetais.

Resultados:

🥗Alimentos vegetais não processados (ex.: ervilhas, soja e feijão) apresentaram o melhor desempenho em todos os critérios avaliados, incluindo benefícios ambientais, nutricionais e económicos.

🥗Produtos processados à base de plantas (ex.: hambúrgueres vegetais e leites vegetais) ofereceram vantagens substanciais em comparação com produtos de origem animal, mas com menores benefícios ambientais e custos mais elevados em relação aos alimentos não processados.

🥗A substituição de carne e laticínios por alternativas vegetais reduziu o desequilíbrio nutricional e os riscos dietéticos, diminuindo também a mortalidade associada a doenças relacionadas com a dieta.

🥗As alternativas reduziram significativamente o uso de recursos naturais, como água doce, e a poluição associada à produção de alimentos de origem animal.

O estudo mostrou que a substituição de carne e laticínios por alternativas vegetais, especialmente alimentos não processados, oferece múltiplos benefícios ambientais, nutricionais e económicos. No entanto, os produtos processados continuam a ser uma alternativa válida, mas menos vantajosa em termos ambientais e económicos.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Paz, Paz, Paz!

Paz en todos los hogares.
Paz en la tierra, en los cielos,
bajo el mar, sobre los mares.
Paz en la aurora, en el sueño.
Paz en la pasión del grande
y en la ilusión del pequeño.
Paz sin fin, paz verdadera.
Paz que al alba se levante
y a la noche no se muera.
¡Paz, paz, paz! Paz luminosa.
Una vida de armonía
sobre una tierra dichosa.

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Feliz Ano Novo com a Música "Mudar a Canção"


A agressão,  
A mim não me convém   
Eu não quero ver roubada   
A inocência de alguém  

O racismo  
A mim não me convém  
Porque não quero ser mais   
Nem menos que ninguém  

Eu gosto de acreditar  
Que é possível mudar  
E ver o amor a vencer  

Eu quero e posso mudar  
Não deixo o medo ganhar  
Eu sei que amar é poder  

O sexismo  
A mim não me convém  
Eu não quero pôr em causa  
O género de ninguém  

Xenofobia  
A mim não me convém  
Eu não quero ver negados   
Os direitos de quem vem  

Eu gosto de acreditar  
Que é possível mudar  
E ver o amor a vencer  

Eu quero e posso mudar  
Não deixo o medo ganhar  
Eu sei que amar é poder  

Homofobia  
A mim não me convém  
Porque o amor não se dita  
Pelas crenças de ninguém  

O genocídio   
A mim não me convém  
Eu não quero ter nas mãos   
O sangue de alguém  

Eu gosto de acreditar  
Que é possível mudar  
E ver o amor a vencer  

Eu quero e posso mudar  
Não deixo o medo ganhar  
Eu sei que amar é poder  

E a liberdade?  
A liberdade a mim fez-me tão bem  
Porque a vida sem ser livre  
Não é vida para ninguém  
A liberdade a mim faz-me tão bem    
A vida sem ser livre   
Não é vida para ninguém  
A liberdade a mim faz-me tão bem    
A vida sem ser livre   
Não é vida para ninguém  

Eu gosto de acreditar  
Que é possível mudar  
E ver o amor a vencer  
Eu quero e posso mudar  
Não deixo o medo ganhar  
Eu sei que amar é poder (2x)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

A história da relação entre os humanos e os cetáceos (baleias, golfinhos e toninhas) em Portugal


Um estudo inovador, recentemente publicado na prestigiada revista científica PLOS ONE, lança uma nova perspectiva sobre a história da relação entre os humanos e os cetáceos (baleias, golfinhos e toninhas) em Portugal, graças ao trabalho de especialistas de diversas instituições europeias, incluindo investigadores do Centro de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (UNIARQ).

A investigação, liderada por Mariana Nabais do IPHES-CERCA (Tarragona, Espanha), contou com a participação da UNIARQ, que contribuiu na escavação e análise de vestígios arqueológicos, fundamentais para a identificação da cronologia das descobertas e para a interpretação do papel dos cetáceos no quotidiano das antigas sociedades portuguesas. “As nossas descobertas revelam uma ligação humana de longa data com os cetáceos, desde o aproveitamento oportunista de animais encalhados no Paleolítico até à pesca baleeira organizada em períodos posteriores”, explica a responsável. “Estas descobertas desafiam a visão simplista das sociedades interiores portuguesas antigas como exclusivamente dependentes de recursos terrestres”.

Esta investigação, para além de enriquecer a informação existente sobre a vida antiga em Portugal, oferece dados muito interessantes sobre a ecologia histórica do país, destacando os impactos duradouros da pesca baleeira nas populações marinhas, tais como a baleia-franca-do-atlântico-norte, actualmente extinta nas águas portuguesas.

A colaboração entre a UNIARQ e parceiros internacionais, como o Instituto Catalão de Paleoecologia Humana e Evolução Social (IPHES-CERCA) e a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU) reforça a importância da cooperação internacional na descoberta e interpretação da relação complexa entre humanos e ecossistemas marinhos ao longo do tempo.

Este trabalho sublinha o compromisso da UNIARQ em aliar métodos de investigação tradicionais a tecnologias de ponta, contribuindo para um entendimento mais profundo da história.

domingo, 29 de dezembro de 2024

Cientistas alertam para riscos de 'vida espelho' com potencial devastador


Cientistas internacionais emitiram um alerta sobre a ameaça existencial representada por "vida espelho", micro-organismos sintéticos criados como reflexos estruturais de micróbios naturais. Esses organismos poderiam superar as defesas naturais de seres humanos, animais e plantas, causando danos irreversíveis, segundo um grupo de 40 pesquisadores, incluindo dois ganhadores do Prêmio Nobel.
Em um artigo divulgado na revista Science, publicado pelo Financial Times, os pesquisadores argumentam que os avanços na biologia sintética, embora promovam importantes inovações na saúde, também trazem o risco de gerar novos organismos potencialmente mortais, seja por acidente ou intencionalmente.

O perigo da "vida espelho"
A "vida espelho" baseia-se no fenômeno científico da quiralidade, ou "mão única", em que moléculas possuem a mesma composição química, mas são estruturalmente diferentes por serem imagens espelhadas. Micróbios espelho poderiam evadir o sistema imunológico humano e as defesas naturais de outros organismos, causando infecções letais e superando espécies naturais em diversos ecossistemas.

Segundo Jack Szostak, professor da Universidade de Chicago e ganhador do Nobel de Fisiologia ou Medicina, "a liberação de bactérias espelho no ambiente poderia ser pior do que qualquer desafio enfrentado anteriormente, e muito além de nossa capacidade de mitigação".

Michael Kay, bioquímico da Universidade de Utah, acrescenta que esses organismos seriam a "última espécie invasora", com capacidade de superar as defesas naturais de corpos humanos e ecossistemas.

Avanços tecnológicos e riscos globais
Os cientistas enfatizam a necessidade de ação internacional para regulamentar o desenvolvimento dessa tecnologia antes que ela se torne viável.

Com o rápido progresso nas tecnologias de biologia sintética impulsionadas por inteligência artificial, a criação de células vivas espelho deve ser possível em apenas 10 anos, segundo Vaughn Cooper, professor de microbiologia da Universidade de Pittsburgh.

O artigo no Science também aponta que os avanços recentes mostram que bactérias comuns, como a E. coli, podem crescer com fontes de alimentos que não possuem uma especificidade quiral, refutando a ideia de que organismos espelho seriam inviáveis por falta de nutrição adequada.
Medidas regulatórias urgentes

Os autores sugerem a adoção de modelos de regulamentação, como as Diretrizes de Biossegurança de Tianjin, elaboradas em 2021. Essas diretrizes promovem a colaboração internacional para monitorar e limitar tecnologias que poderiam facilitar a criação de organismos sintéticos perigosos.

Apesar das incertezas, os cientistas concordam que a ameaça é grave. "Bactérias espelho poderiam causar uma onda de infecções devastadoras se escapassem de um laboratório", alerta Eörs Szathmáry, professor de biologia evolutiva da Universidade Eötvös, na Hungria.

O avanço da biologia sintética trouxe benefícios inegáveis para a humanidade, mas também apresenta riscos consideráveis. O desenvolvimento de micro-organismos sintéticos "espelho" requer atenção global imediata para evitar um potencial desastre ambiental e biológico que poderia ameaçar todas as formas de vida conhecidas.

sábado, 28 de dezembro de 2024

‘Forever chemical’ found in mineral water from several European countries


Mineral water from several European nations has been found for the first time to be contaminated with TFA, a type of PFAS “forever chemical” that is a reproductive toxicant accumulating at alarming levels across the globe.

The finding is startling because mineral water should be pristine and insulated from manmade chemicals. The contamination is thought to stem from the heavy application of pesticides containing TFA, or compounds that turn into it in the environment, which are used throughout the world.

Pesticide Action Network Europe detected TFA in 10 out of 19 mineral waters, and at levels as much as 32 times above the threshold that should trigger regulatory action in the European Union. The findings underscore the need for “urgent action”, the paper’s authors wrote, and come as authorities there propose new limits for some TFA pesticide products.


“This has gone completely under the radar and it’s concerning because we’re drinking TFA,” said Angeliki Lysimachou, a co-author with Pesticide Action Network Europe. “It’s much more widespread than we thought.” She added that researchers do not blame mineral water producers because the issue is not their fault.

The finding comes as researchers try to get a handle on TFA pollution globally. Though they long ago established that PFAS pollution is ubiquitous, they have found TFA levels that are orders of magnitude higher than other forever chemicals.

Aside from use in pesticides, TFA is a common refrigerant that was intended to be a safe replacement for older greenhouse gases like CFCs, and it is often used in clean energy production. But recent research has also established it as a potent greenhouse gas that can remain in the atmosphere for 1,000 years. About 60% of all PFAS manufactured from 2019 to 2022 were fluorinated gas that turns into TFA.

It is an especially difficult chemical due to its high mobility and longevity in the environment. Meanwhile, filtration technology effective at removing other PFAS from water cannot can’t address TFA on an industrial scale.

Still, industry is ramping up its use of TFA, or chemicals that turn into it once in the environment, claiming they are a safe, naturally occurring and nontoxic replacement for older PFAS and refrigerants. Mounting evidence from independent researchers has refuted those claims.

In pesticides, TFA is likely used as a stabilizer or to otherwise improve efficacy – around 40% of all active ingredients added to pesticides in the US are PFAS.

The new paper follows research that found TFA in 93% of more than 600 Belgian water samples, and especially high levels in agricultural regions. Meanwhile, Swiss authorities found it to be ubiquitous in the nation’s groundwater. In the US, all rainwater samples checked in Michigan contained the chemical.

Still, the Environmental Protection Agency recently excluded TFA from classification as a PFAS, which subjects it to less scrutiny. Public health groups have said the EPA faces pressure because TFA is a significant moneymaker for chemical producers.

The EU commission, meanwhile, is proposing a ban on two common pesticides that contain TFA compounds, and it may soon be classified as a reproductive toxicant.

“The first step is to ban the most widespread sources of TFA, the PFAS pesticides,” Pesticide Action Network Europe’s paper states.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Curta-Metragem de Steve Cutts - The Turning Point


A natureza não precisa de nós.
Nós é que precisamos da natureza.

E este brilhante vídeo de Steve Cutts traz isso para casa mais do que nunca.
Pergunta, e se os animais nos tratassem. A forma como os tratamos.
E é assustador.
A verdade?
Isto é realmente um reflexo da nossa realidade.
Está a acontecer.

Desde 1970:
→ Declínio de 83% das populações de vertebrados de água doce
→ 1 milhão de espécies em risco de extinção
→ Declínio de 69% nas populações de vida selvagem

Isto significa:
- Propagação de doenças
- Perda de meios de subsistência
- Menor segurança alimentar
- Diminuição da água potável
- Perda de espaços trazendo paz e conexão à Terra
- 44 biliões de dólares do PIB global (mais de metade do total mundial) em risco

Fontes: WWF, IPBES e Fórum Económico Mundial

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Brain rot, conheces?

Generative AI masculine medical figure with sinus and headache

Brain rot foi eleita palavra do ano. Junta-se ao leque de expressões com que vamos fingindo abordar seriamente os efeitos das redes sociais nas sociedades contemporâneas, como já em 2020 tinha acontecido com doomscrolling.

Durante a semana passada, ainda que possa ter passado despercebido no meio de tanto acontecimento, foi notícia o facto de a expressão brain rot ter sido considerada palavra do ano. Numa votação online em que participaram 37 mil internautas promovida pela Oxford University Press, editora do famoso dicionário Oxford, a expressão levou a melhor sobre uma série de outros termos de calão da internet que compunham a lista. E rapidamente correu o mundo, num movimento habitual que já se vai tornando ritual sempre que chega esta altura do ano. Tops, listas, nomeações e eleições online do outro lado do mundo invadem os nossos alinhamentos noticiosos, especialmente quando confirmam vieses ou servem para marcar posições. E neste caso não é excepção.

Com a notícia sobre a palavra do ano, jornais por todo o mundo estrearam a expressão nas suas páginas, repetindo dezenas de vezes o alinhamento da peça: palavra do ano, shortlist completa, dados sobre crescimento da utilização, facto sobre o surgimento da expressão referido originalmente no comunicado, conclusão vaga sobre os perigos para que esta expressão aponta. A eleição de uma palavra entre outras numa votação online sugere o apodrecimento cerebral promovido pelo consumo excessivo de redes sociais e, simultaneamente, revela-nos como a toxina já se espalhou por todo o corpo social.

O viral como crítica do viral
Entre as linhas ténues das conclusões vagas, brain rot junta-se ao leque de expressões com que vamos fingindo abordar seriamente os efeitos das redes sociais nas sociedades contemporâneas, com honras de palavra do ano, como em 2020 tinha acontecido com doomscrolling. Paradoxalmente, a constatação dos efeitos nocivos das redes sociais e da deterioração do valor do conteúdo a que estas obrigam, não serve de pretexto para interromper por instantes este ciclo. Serve-lhe antes como reforço: gerando centenas de artigos de valor duvidoso que reforçam as dinâmicas de poder online, nos embrulham nesta cultura sem tempo e sem local, onde o viral se confunde com global, e a crítica se assemelha a um reflexo do objeto criticado.

Esta circularidade pode ser vista como uma demonstração cultural da nossa condição póstuma, como apelidou Marina Garcés no seu livro Novo Iluminismo Radical. “O problema é que quando a cultura se reduz à crítica da cultura, a sua autonomia fica condenada à auto-referencialidade: a filosofia como crítica da filosofia, a arte como crítica da instituição arte, a literatura como crítica das formas literárias, etc” — escreve a filósofa, e, a propósito deste exemplo específico, podemos acrescentar algo como o viral como crítica do viral. Se por um lado se estabelece uma crítica sobre um modo de estar online, essa crítica é mais uma constatação (ou uma contemplação?) do que um questionamento — retomando Garcés, “um exercício de crítica que só consegue mover-se no espaço existente entre o que já foi e a impossibilidade de ser outra coisa”.

Constatar como as redes sociais se tornaram tóxicas, que têm efeitos nocivos na saúde mental e que quase todos passamos tempo demais agarrados aos telemóveis tornou-se quase um ritual nas próprias redes sociais, mas à medida que o tempo passa, esses momentos tornam-se cada vez mais coreográficos. Cada um purga os seus vícios ou exprime as suas virtudes, na partilha de mais um viral, sem que se conquiste nem um centímetro ao fantasma da impossibilidade. Apropriando Mark Fisher, “o cancelamento do futuro é acompanhada de uma diminuição das expectativas”, e estes momentos de constatação, mais do que criticar as raízes do problema, normalizam-no, como se não houvesse alternativa.

Se no seu texto Fisher utiliza a música como exemplo, as palavras que escreve encaixam na perfeição quando pensamos no panorama mediático e cultural: “Nos últimos dez a quinze anos, a Internet e a tecnologia das telecomunicações móveis alteraram a textura da experiência quotidiana de forma irreconhecível. No entanto, talvez por causa de tudo isto, há uma sensação crescente de que a cultura perdeu a capacidade de apreender e articular o presente. Ou pode ser que, num sentido muito importante, já não haja presente para apreender e articular”. Em vez de uma crítica com valor emancipatório, nas palavras de Garcés, “que nos devolva a capacidade de elaborar o sentido e o valor da experiência humana a partir da afirmação da sua liberdade e da sua dignidade”, o que é servido é uma espécie de meme, mascarado de reflexão com uma referência histórica ou intelectual, neste caso a alusão a Thoreau que terá usado a expressão pela primeira vez em 1854 no livro Walden.

Não é que fosse expectável que os conteúdos em torno da palavra do ano desencadeassem um momento revolucionário de reflexão global em torno do sentido das nossas vidas neste mundo digital. Mas a escolha desta palavra em específico, em mais um ano marcado por guerras e uma discussão em torno do genocídio, pela amplificação do entusiasmo desmedido da Inteligência Artificial ou a ausência de respostas perante alguns dos maiores problemas da humanidade, é sintomática. Mostra-nos que estamos a passar demasiado tempo online e a limitar com isso a nossa visão do mundo, mas também as diferentes escalas em que hoje nos movemos, e a forma como continuamos a olhar para a tecnologia: numa perspectiva despolitizada, como se fosse uma inevitabilidade que nos é imposta e não o resultado de um conjunto de processos dos quais, mais ou menos, todos fazemos parte. Individualista, retomando à dimensão do comportamento individual um fenómeno social com características sistémicas evidentes, desde a ausência de regulação adequada até à implicação das empresas que desenvolvem as grandes plataformas tecnológicas nas grandes questões do presente. E como uma espécie de caixote para os males do mundo, onde pela indefinição tudo acaba por caber, servindo como bode expiatório para a podridão dos cérebros, neste caso.

A escolha de uma palavra popularizada pelas gerações mais novas, e as próprias palavras do comunicado que apontam estas gerações como os principais responsáveis pelo uso e criação do conteúdo digital a que o termo se refere, fazem outro desvio importante. Dando a esta questão uma patine geracional, reforça-se o preconceito em torno do mau uso das redes sociais como sendo uma característica exclusiva dos mais jovens — quando basta passar 10 minutos no Facebook para percebermos que atravessa todas as gerações. Mas mais do que isso: a tendência para a infantilização e despolitização do debate em torno deste tipo de questões faz com que raramente se unam os pontos que traçam o mapa da economia do espaço digital de forma coerente. Por outras palavras, raramente se expõe que o nosso cérebro não apodrece por uma espécie de depressão colectiva, mas porque o modelo económico vigente em grande parte da internet que compõe o nosso quotidiano passa, em parte, por apodrecê-lo, tirando-nos a capacidade de decidir livremente com complexos esquemas de persuasão detalhadamente pensados; e não só, roubando o horizonte fora das redes sociais.

Em 2018, o artista James Bridle denunciava num ensaio e numa TedTalk como a proliferação de vídeos viciantes no YouTube não era um sinal do acaso, nem fruto de uma intenção de quem concebe os algoritmos de recomendação, mas antes uma intricada relação de interdependência entre infraestrutura tecnológica (que quer maximizar o tempo na plataforma) e incentivos económicos (é barato fazer conteúdos online e fácil monetizá-los). Desde então, o contraste acentuou-se ainda mais e, hoje, o que vemos como virais e fenómenos da internet (e que muitas vezes começam como tal) são alguns dos conteúdos melhor remunerados online. Desde os canais de YouTube como Mr. Beast, ou o famoso entre os mais novos Skibidi Toilet, ao gigante mercado da influência que já faz circular milhões. A internet tornou-se num gigante mercado de entretenimento, mas ao longo dos anos, por muito que constatamos que este facto alterou diferentes circunstâncias da vida social (proliferação de fake news, polarização do espaço público, perda de valor do jornalismo, e podíamos continuar) continuamos sem ter uma solução à medida. Talvez porque estejamos a ver mal o problema.

Num texto publicado no seu substack em 2021, Kevin Munger, professor de Ciência da Computação num departamento de Ciência Política partilhava, a propósito da deterioração do Facebook, um ponto de vista que parte de uma premissa provocadora para expandir a reflexão: o Facebook são os outros. O mesmo racional podemos aplicar à internet no geral, aos sucessivos formatos de qualidade duvidosa e à nossa querida palavra do ano: brain rot são os outros.

Nesse texto, Munger sugere que a nossa constatação sobre a fraca qualidade dos conteúdos é, de certa forma, uma confronto com pessoas, grupos e comunidades a que não acedemos nas nossas bolhas. Ao contrário dos meios de comunicação em massa, dos media estabelecidos, onde apenas alguns conseguem aceder, por capacidade ou conhecimentos, Munger sustenta que as redes sociais são uma forma de democracia passiva com efeitos algo perversos. Os algoritmos e as redes sociais têm um papel aparentemente inclusivo, integrando todos no espaço digital, mas ao mesmo tempo deixam os mais desprotegidos à mercê das lógicas predatórias, de estratégias altamente aditivas e da capacidade de persuasão dos algoritmos. O que faz com que, em última análise, a deterioração da internet seja um sintoma da nossa incapacidade de tomar conta uns dos outros — no sentido de os equipar com as ferramentas necessárias para uma utilização crítica e benéfica das tecnologias. “A democratização da comunicação online demonstrou a hipocrisia deste ponto de vista. Sempre houve um imperativo moral para sermos mais atenciosos e inclusivos; agora é uma necessidade política. Todos nós odiamos o Facebook, e o Facebook (a empresa) é, reconhecidamente, terrível. Mas, em grande medida, odiamos o Facebook porque o Facebook são outras pessoas” – escreve, apontando aos efeitos sistémicos e prevalentes desta marginalização digital.

Nietzsche não é um hamburguer
O brain rot está longe de ser circunscrito a uma experiência individual e essa é outra característica que a eleição da palavra do ano falha em abordar. Não são só os nossos cérebros que estão podres, mas muitos dos sistemas em que vários cérebros se interligam. E a diferença entre um conteúdo sem valor do TikTok, que consumimos enquanto estamos na casa de banho, e uma notícia num bloco informativo num canal mainstream sobre um viral, um hype tecnológico desmedido ou enquadrando de forma errada conteúdos que surgem online, continuam a ser centenas de milhares de visualizações. O mesmo sistema que apodrece os cérebros através de investimentos avultados em investigação de padrões de design de interfaces e algoritmos que fomentem a adição, e renega a responsabilidade sobre os efeitos causados em discursos bonitos e pseudo-ciência publicada em blogs, é retro-alimentado por uma sociedade que, como dizia Fisher, não tem revelado a capacidade de compreender e articular o presente. Que baixou as expectativas e se deixa fascinar por qualquer viral.

Noutro escrito famoso, Fisher diz que os estudantes hoje em dia querem ler Nietzsche como quem come um hamburguer, e que estes não se apercebem que a complexidade e a indigestibilidade de Nietzsche é, em parte, o que lhe confere o valor que tem. O mesmo racional se pode mais uma vez expandir e aplicar à nossa apreciação dos fenómenos contemporâneos e do foro tecnológico. Queremos explicá-los e nomeá-los com a mesma simplicidade que partilhamos um viral, sem percebermos que essa constante simplificação é parte do problema e não da solução. Não precisamos de mais um termo engraçado que descreva vagamente o que nos acontece quando nos perdemos no TikTok, precisamos de perceber o que nos falta e procuramos nesta espiral, e que forças estão em jogo nesta interação.

Um caso paradigmático desta décalage entre a mediatização dos fenómenos e a sua compreensão, e a forma como alimenta e reforça para um brain rot generalizado, é a Inteligência Artificial e todo o discurso mainstream que se tem gerado. Artigos a afirmar que a Inteligência Artificial pensa, a propaganda desmedida das qualidades da tecnologia em segmentos críticos onde escasseiam os testes ou a simples incompreensão da diferença entre os setups científicos e a aplicabilidade prática das soluções — que geram promessas como “a IA pode resolver a crise climática”, “a IA consegue ler mentes” ou “a IA agora pode prever crimes” — denunciam outro sintoma característico da tal condição póstuma: a delegação da inteligência (como lhe chama Garcés). E como a nossa relação com a tecnologia nos envolve nesta espiral de apodrecimento não só quando estamos no TikTok.

A tecnologia ou é o nosso fim, ou a solução. “Do que se trata é de delegar a própria inteligência, num gesto de pessimismo antropológico sem precedentes” afirma Marina Garcés, continuando mais à frente: “a credulidade do nosso tempo entrega-nos a um dogma de duas faces: ou o apocalipse ou o solucionismo. Ou a irreversibilidade da destruição, até da extinção, ou a inquestionabilidade de soluções técnicas que nunca está nas nossas mãos encontrar”. Ou a estupidez da nossa utilização das redes sociais, ou a magnificência das máquinas na demonstração de inteligência. “Humanos estúpidos, num mundo inteligente: é a utopia perfeita” — assim descreve a ideologia dominante que ecoa por todo o nosso edifício mediático.

Numa internet que se edificou sobre a promessa do acesso universal ao saber, “o problema do acesso não é, portanto, o da disponibilidade, mas o do caminho” como escreve Garcés. Não é que na internet não haja bom conteúdo, não se produza conhecimento de valor, ou que toda a internet seja necessariamente construída de forma a manter-nos viciados; é que toda a cultura mainstream, ecoando a ideologia de Silicon Valley, gerou mecanismos de neutralização da crítica, como a saturação da atenção, a segmentação de públicos, a uniformização das linguagens e a hegemonia do solucionismo, sugere a filósofa.

No espaço de opinião que ocupa na revista Sábado, José Pacheco Pereira escreve uma curta nota sobre a escolha da palavra do ano. Elogia a escolha, diz que “é por isto que em muitas coisas os ingleses são muito melhores do que nós”, e termina com um “a podridão já por cá anda”, em reflexão sobre as palavras do ano na lista portuguesa. Concedendo que a escolha é interessante pelo factor novidade, não deixa de me assaltar a questão: qual o valor percebido nesta escolha resultante de uma votação online? E o que se espera que daí venha, ou o que significa no esquema geral das coisas? A resposta é nenhum e nada.Já não temos qualquer expectativa da mudança, contentamo-nos com qualquer neologismo que nos ajude a expressar o espanto com que assistimos aos fenómenos que não compreendemos. Sem que nos habituemos à sua complexidade e contribuindo muitas vezes para o ruído que queríamos calar e que nos distrai da discussão da política e da economia da internet. De viral em viral, de promessa em promessa, o vírus infiltra todos os corpos e transforma-nos numa espécie de exército de zombies que normaliza e essencializa a tecnologia, como se fosse uma inevitabilidade do futuro, vinda de um mundo paralelo, e não fosse o resultado concreto de muitos anos da história do capitalismo, e da interação de sistemas sociais.

Se o conceito de fim da história sugerida por Fukuyama já foi por muitos refutada, incluindo pelo próprio, não seria descabido recuperá-la para ilustrar o discurso em torno da tecnologia e da internet. A maioria do discurso que se gera em torno da internet desliga-a do curso da história, quer no que toca ao seu passado e a forma como chegámos onde chegámos, quer no que toca o seu presente e as soluções que têm sido procuradas. A especificidade de algumas das componentes técnicas, e a complexidade das hipotéticas soluções políticas não nos mobilizaram em torno de debates necessários mas praticamente afastaram esses debates do nosso quotidiano. E enquanto passamos atestados à podridão dos cérebros de cada um, convivemos com um mercado global da venda de dados que servem de base para a criação de estratégias que nos mantém viciados nas redes, com uma crescente normalização da vigilância e propostas dos reguladores para aceder ao conteúdo de comunicações privadas, com um aparelho mediático viciado nas redes de conteúdo duvidoso, e com um sistema de incentivos económicos onde é mais apetecível fazer anúncios da Prozis do que bom jornalismo, para dar um exemplo.

Os cérebros podem estar a apodrecer mas não devemos continuar a vê-lo como o princípio de um fenómeno: a putridão só se apodera de corpos mortos ou indefesos.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Música do BioTerra: Cocteau Twins - Tishbite


Tishbite
Cocteau Twins

I'm at a loss
I don't know what to do
Feel like a waterless Nile
Could he just hold me?
Don't fear
So full of desire
Dare into sensation

Afraid, but look what had blossomed
I don't misperceive it
There's no guarantees
I need to know
If the response is cold
I'm in the wrong place

Is it like a dream?
Or does it seem grounded and rage?

I feel a connection
A deep connection
But it's not reflected
In time spent together
It's reflected psychically
Emotionally

Is it like a dream?
Or does it seem grounded and real?

This mountain of pleasure
I want to get lost in it
Sleep like a baby
Still close
Still close
Until I don't know where you end
Or I begin
Until I just carry it in me
I wanna get lost
Wanna get lost
Wanna get lost
Lost in it
We're still close
Still close