segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Hebrew is very easy.


Uma investigação da Al Jazeera revelou que os EUA e o Reino Unido prestaram apoio militar a Israel, criando uma ponte aérea que foi vital para manter a intensidade da guerra em Gaza.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Ação de cidadãos - Queixa-crime contra André Ventura e Pedro Pinto

Para: Exmo. Procurador Geral da República

Os cidadãos abaixo-assinados vêm apresentar:

António Garcia Pereira, Anabela Mota Ribeiro, Bernardo Marques Vidal, Bruno Ferreira, Catarina Marcelino, Catarina Silva, Carmen Granja, Carla Castelo, Célia Costa, Cristina Maria Sá Pinto, Cláudia Semedo, Daniel Oliveira, Eva Rap Diva, Francisca Van Dunem, Filipe Espinha, Hugo Van der Ding, Inês Melo Sampaio, Joana Gomes Cardoso, João Maria Jonet, João Costa, João Miranda, José Eduardo Agualusa, Luísa Semedo, Maria Castello Branco, Mamadou Ba, Maria Escaja, Mafalda Anjos, Miguel Prata Roque, Miguel Sousa Tavares, Miguel Baumgartner, Myriam Taylor, Nuno Markl, Pedro Marques Lopes, Pedro Alpuim, Pedro Tavares, Pedro Vieira, Pedro Coelho dos Santos, Priscila Valadão, Porfírio Silva, Rita Ferro Rodrigues, Rita Costa, Ricardo Sá Fernandes, Rosa Monteiro, Sheila Khan, Telma Tavares, Teresa Pizarro Beleza, Vasco Mendonça, Vicente Valentim.

PARTICIPAÇÃO CRIMINAL

Pelos crimes de:

INSTIGAÇÃO À PRÁTICA DE CRIME
(p.p. artigo 297.º do Código Penal)

APOLOGIA DA PRÁTICA DE CRIME
(p.p. artigo 298.º do Código Penal)

INCITAMENTO À DESOBEDIÊNCIA COLETIVA
(p.p. artigo 330.º do Código Penal)

E dar conta do preenchimento do ilícito criminal de:

OFENSA À MEMÓRIA DE PESSOA FALECIDA
(p.p. artigo 185.º do Código Penal)


Contra

ANDRÉ CLARO AMARAL VENTURA, jurista e deputado, com domicílio profissional no Palácio de São Bento, Praça da Constituição de 1976, 1249-068 Lisboa;

PEDRO MIGUEL SOARES PINTO, empresário e deputado, com domicílio no Palácio de São Bento, Praça da Constituição de 1976, 1249-068 Lisboa;

E

RICARDO LOPES REIS, assessor parlamentar, com domicílio profissional no Palácio de São Bento, Praça da Constituição de 1976, 1249-068 Lisboa;

O que fazem pelos seguintes factos:

1. No dia 22 de outubro de 2024, o cidadão Odair Moniz foi mortalmente alvejado, por um elemento da força de segurança PSP, em circunstâncias ainda por apurar.

2. No dia 23 de outubro de 2024, o suspeito André Ventura proferiu estas declarações, perante todo o país, nas instalações da Assembleia da República, em declarações públicas filmadas, difundidas e registadas por vários órgãos de comunicação social, conforme se comprova pelo vídeo que ora se junta como Doc. n.º 1, através de remissão para a sua hiperligação "Deveríamos condecorar este PSP por ter travado um criminoso"(cfr. passagem de 00m54s):

«E há um ataque perpetrado por alguém que especificamente quis atacar polícias e fugir à sua autoridade. Que acaba morto numa ação policial.»

3. E continuou (cfr. Doc. n.º 1, passagem de 01m14s):

«Eu vou dizer isto com todas as palavras: nós não devíamos constituir este homem arguido; nós devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez. Devíamos agradecer a este polícia o trabalho que fez. De parar um criminoso que estava disponível com armas brancas, para atacar polícias. Que estava disponível para desobedecer à sua ordem e à sua autoridade. Que estava disponível para colocar em causa a ordem pública.»

4. E mais disse (cfr. Doc. n.º 1, passagem de 02m49s):

«Este polícia, nós devemos agradecer-lhe. Nós devíamos condecorá-lo e não de o constituir arguido, de o ameaçar com processos ou ameaçar prendê-lo.»

5. Através de um vídeo difundido, para todo o país, através da plataforma eletrónica da rede social “X” (ex-“Twitter”), a 22 de outubro de 2024, o suspeito André Ventura também proferiu as seguintes declarações (cfr. Doc. n.º 2, que ora se junta através de remissão para a hiperligação "Obrigado aos nossos polícias, não aos bandidos deste país!", com duração de 54 segundos):

«Obrigado. Obrigado. Era esta a palavra que devíamos estar a dar ao polícia que disparou sobre mais este bandido na Cova da Moura. Mas não. Agora, multiplicam-se as narrativas de que ele era boa pessoa, que ajudava muito, que era um tipo simpático e porreiro. A única coisa: tentou esfaquear polícias, estava a fugir deles e ia cometer crimes, com toda a probabilidade. Mas era bom tipo. (...) Por isso, ao contrário de todos os outros: Não, este bandido não era boa pessoa. Sim, o polícia esteve bem. Obrigado. Era o que os políticos, hoje, os políticos decentes deviam dizer. Obrigado.»

6. Todas as acusações eram falsas, inventadas e apenas visavam incendiar os ânimos sociais, provocando tumultos sociais, raiva, ressentimento e violência.

7. Confirmou-se já que a pessoa falecida que foi ofendida por André Ventura não tinha cometido crime nenhum, no momento em que foi abordado por agentes das forças de segurança, não tendo furtado ou roubado o veículo em que se deslocava, que lhe pertencia (cfr. Doc. n.º 3, que ora se junta e cujo conteúdo se dá por reproduzido).

8. Também foi tornado público, pelos órgãos de comunicação social, através de fontes relativas ao processo-crime em curso, que há gravações de vídeo, através das câmaras de videovigilância pública, que a pessoa falecida que foi ofendida por André Ventura não atacou, nem ameaçou os agentes das forças de segurança com nenhuma faca (cfr. Doc. n.º 4, que ora se junta e cujo conteúdo se dá por reproduzido).

9. Independentemente da existência de qualquer registo criminal de anteriores ilícitos cujas penas já terão sido cumpridas (que se ignora existir ou não), nenhum ser humano – ainda para mais quando ainda nem sequer foi enterrado e a família está a velar o seu morto e a viver o seu luto – pode ser caraterizado, humilhado e despersonalizado como “bandido”, apenas para fomentar uma maior adesão popular às mentiras que determinado indivíduo difunde, designadamente, em redes sociais e outras plataformas de comunicação.

10. O artigo 185.º do Código Penal é claríssimo quando determina a punição do crime de ofensa à memória de pessoa falecida:

«Artigo 185.º
Ofensa à memória de pessoa falecida
1 - Quem, por qualquer forma, ofender gravemente a memória de pessoa falecida é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto:
a) Nos n.os 2, 3 e 4 do artigo 180.º; e
b) No artigo 183.º.»

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

O Igudar


O Igudar, localizado em Agadir, Marrocos, representa um dos sistemas bancários mais antigos conhecidos no mundo. Estas estruturas, também conhecidas como "agadir" ou "igoudar" (plural de "agadir"), são antigos celeiros comunitários utilizados pelo povo Amazigh (berbere).
Serviam para guardar bens valiosos como grãos, azeite, joias e documentos importantes.
Esses celeiros eram frequentemente construídos em locais elevados ou fortificados para proteção contra roubos e ataques. A arquitetura de Igudar foi projetada pensando na segurança, paredes grossas e portas reforçadas.
Cada família ou indivíduo dentro de uma comunidade teria um espaço designado no Igudar e confiaria a essas estruturas comunitárias seus bens mais preciosos. O sistema baseava-se na confiança colectiva e na cooperação dentro da comunidade.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Os desafios da Sustentabilidade

A aprovação da agenda 2030 representou um marco importante na agenda política global, testemunhando uma ambição coletiva para enfrentar os desafios globais mais urgentes através da concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Comparando a agenda precedente, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, os ODS ofereceram um quadro mais abrangente e estruturado para abordar a complexidade e a amplitude dos problemas. Com efeito, a agenda 2030 traçou um rumo para a cooperação mundial, propondo um roteiro de referência para enfrentar diversos desafios como a erradicação da pobreza e a ação climática. No entanto, à medida que avançamos na implementação dos ODS e nos aproximamos da sua meta, torna-se imperativo refletir sobre a magnitude das nossas aspirações e a necessidade de adaptação contínua às circunstâncias em evolução. Apesar da ambição inicial e das melhores intenções, percebemos as limitações da agenda e a necessidade de a reavaliar, assegurando a prossecução mais ambiciosa de programas que respondam aos grandes desafios ambientais, sociais e humanos.
O princípio da equidade é fundamental para a implementação e sucesso da agenda 2030 e da própria transição ecológica. Esta transição não pode perpetuar as desigualdades prevalecentes, mas antes servir como catalisador para uma prosperidade inclusiva. O alinhamento neste trajeto transformador deve adotar metodologias de gestão de projetos que priorizem a colaboração, a inovação e a inclusão. O desafio ambiental imediato é a crise climática, uma ameaça que exige respostas coletivas rápidas e decisivas.
Embora o impulso inicial da agenda 2030 tenha sido significativo, as tendências financeiras atuais revelam uma realidade preocupante. O financiamento global abrandou, agravando a pobreza extrema pela primeira vez em décadas. Este facto sublinha a necessidade urgente de um compromisso renovado, bem como abordagens de financiamento inovadoras para se conseguir implementar as iniciativas de desenvolvimento sustentável.
De forma resumida, os desafios da sustentabilidade exigem um reforço da ambição, enfatizando no seus propósitos:
1. Uma orientação para a paz. No meio da escalada dos conflitos globais, priorizar a paz não é apenas um imperativo moral, mas uma condição para o desenvolvimento sustentável.
2. Enfrentar a tripla crise planetária. A convergência das alterações climáticas, da perda de biodiversidade, da escassez de água e da poluição plástica representa uma ameaça existencial. A resolução destas crises interligadas exige soluções holísticas e sistémicas.
3. O desafio da pobreza, da desigualdade e da educação. Apesar dos progressos, a pobreza e a desigualdade persistem como obstáculos ao desenvolvimento humano. A educação é uma ferramenta fundamental para o empoderamento e mobilidade social.
4- Liderança na transição verde e inovação tecnológica. A transição para um futuro sustentável demanda determinação nos setores da energia, sistemas alimentares e tecnologias digitais. As políticas regressivas que subsidiam os combustíveis fósseis dificultam o progresso, particularmente em regiões como a África - com contribuições mínimas para as emissões globais.
5. Uma governação democrática e finanças sustentáveis. A defesa dos valores democráticos, a promoção da transparência e a mobilização de finanças sustentáveis são essenciais para a construção de sociedades e economias justas e resilientes.

domingo, 20 de outubro de 2024

Biofilia


O amor pela natureza nos seres humanos é algo inato, dizia E.O. Wilson, um produto de milénios de evolução em que vivemos em estreita relação com os elementos, criaturas e habitats naturais. Os nossos instintos, o nosso corpo e os nossos sentidos estão perfeitamente sintonizados para perceber os perigos naturais, e encontrar segurança, abrigo e os nutrientes que a vida fornece nos ambientes onde está presente. Mais do que isso, a natureza é a essência das nossas fantasias, que estão entrelaçadas nas nossas línguas, e cujos elementos e vida animal aparecem recorrentemente em fábulas e religiões. "A natureza é a chave para a nossa satisfação estética, intelectual, cognitiva e até espiritual", escreveu Wilson. A “biofilia” de Wilson expressa o nosso amor pela vida. Não só a nossa própria vida, mas a vida intensa e vibrante dos organismos, espécies e lugares selvagens com os quais, nas palavras de Wilson, sentimos um inato "e imperioso apelo à ligação".

sábado, 19 de outubro de 2024

Nascer todas as manhãs


"Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs."

Miguel Torga, in "Diário (1982)"

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Elogio ao Anarquismo

Foto: Derek Nas veias da terra corre o sonho,
Liberdade que nasce sem lei ou dono.
Nos ventos revoltos, semeia-se o grito,
O caos é arte, o controle, um mito.
Caminhos sem muros, sem cercas ou prisões,
A força do povo nas próprias mãos.
Não há tronos nem coroas de ouro,
Somos iguais, no chão ou no topo.
O poder dissolvido em cada olhar,
A palavra é livre, o medo é quebrar.
Não há quem governe, não há quem obedeça,
O mundo é de todos, sem realeza.
Eis o canto do espírito liberto,
Onde o futuro é sempre incerto.
Mas nas mãos unidas, na força do riso,
Construímos juntos o nosso paraíso.


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Para lá da fatalidade dos tempos



Num livro de 2015, Colapsologia, Pablo Servigne e Raphael Stevens criticavam uma economia despreocupada com os limites planetários e muito resistente à mudança, comparando-a como um carro que, em grande velocidade, se aproxima de um muro, conduzido por gente incapaz de olhar para o lado e perceber rotas alternativas.

Há inúmeras razões para estes bloqueios “sociotécnicos” — sendo uma delas, a meu ver, a enorme concentração de recursos e de bens e serviços a partir deles produzidos nas mãos de pouquíssima gente, que fará tudo para não perder, na transição, a sua “quota de mercado”, mudando de direcção, os que mudam, o mais devagarinho possível.

Mas, ao contrário da riqueza que estes poucos acumulam, esta dificuldade de imaginar caminhos alternativos, que nos desviem das várias crises que ameaçam a nossa existência colectiva, está bem distribuída pelo mundo, onde a ideia da TINA (There is no Alternative — Não há Alternativa) nos tornou seres passivos, à espera que outros tomem (as melhores) decisões sobre o nosso futuro.

Nesse mesmo livro, os autores assinalam que muito desse futuro se jogará na nossa capacidade de nos reimaginarmos enquanto sociedade, e de construirmos novas e poderosas narrativas sobre a humanidade e a nossa relação com esta casa comum, a Terra. E nesse sentido, destacam, “as iniciativas de transição” perceberam de maneira admirável que a batalha (e o esforço que será preciso fazer), se situa no terreno do imaginário e do Storytelling (a arte de contar histórias).

Em 2020, preso em casa, como muitos de nós, descobri que, no ano anterior, Rob Hopkins, co-fundador do Movimento para a Transição, cujo trabalho, a partir da pequena cidade inglesa de Totnes, vale a pena seguir, tinha publicado um novo livro, com um titulo tão singelo quão desconcertante: From What is to What If. Algo traduzível, directamente, por “Do que é ao que poderia ser”. A sua leitura revelou-se preciosa, pelas notas de esperança que me trouxe, naqueles dias sombrios.

A obra tem um subtítulo que nos lembra alguns livrinhos de auto-ajuda: Unleashing the Power of Imagination to Create the Future We Want (libertando o poder da imaginação para criarmos o futuro que desejamos). Mas, em vez de conselhos sobre como ficarmos ricos ou nos despedirmos do emprego para desenvolvermos um novo negócio, convida-nos a recuperar capacidades postas de parte ou atiradas para um cantinho das nossas vidas, e a utiliza-las em benefício da nossa saúde, da saúde da comunidade, da saúde do planeta.

Esta obra, que passou a ter, este ano, uma edição portuguesa, não vale, por isso, pelas respostas que dá — porque não é, relembro, um livro de auto-ajuda — mas por nos desafiar a fazer perguntas diferentes (pelas quais chegaremos, decerto, a respostas diferentes para as nossas inquietações). Voltando a Colapsologia, sou dos que sinto que “temos enorme necessidade de novas narrativas transformadoras neste momento de grande incerteza”. Mas, para isso, e como defendeu há muito o economista Serge Latouche, é preciso que “descolonizemos a imaginação”. E é isso que o co-fundador da Transition Network (TN), nos convida a fazer.

Rob Hopkins está em Portugal, e até ao final de Outubro apresentará o seu livro em várias cidades portuguesas, numa viagem em que terá a companhia da portuguesa Filipa Pimentel, co-líder da TN. Eu vou encontrá-lo perto de casa, na Póvoa de Varzim, cidade que criou, há pouco tempo, uma dinâmica para a transição, a partir de uma associação designada Centro do Clima. Depois de ter organizado, em 2021, durante o festival de cinema Porto/Post/Doc, uma sessão que o juntou, de longe, a José Carlos Mota e Laura Sobral — dois investigadores com trabalho admirável nas áreas do urbanismo e participação pública — vou poder, finalmente, agradecer-lhe, de viva voz, pelas reflexões que ele, e outros protagonistas do Movimento pela Transição, me têm proporcionado.

Enquanto jornalista muito dedicado às questões urbanas, a influência desta forma de pensar mudou, por exemplo, a minha abordagem ao espaço urbano, aos discursos que sobre ele se (re)produziram, e que nos fazem confundir desenvolvimento com uma inevitável motorização da mobilidade (símbolo de um crescimento imparável), que nos aprisionou a todos no trânsito e numa miríade de outros problemas, ao mesmo tempo que expandiu, e expande ainda, os limites da “cidade”. Tornando a gestão da vida urbana, e o nosso próprio quotidiano, insustentáveis. Percebi que, também na cidade, precisamos de construir, ou recuperar narrativas que nos ajudem a recuperar a rua.

Aberto a fazer perguntas diferentes, descobri gente que se recusa baixar os braços e vive imaginando e testando novas formas de viver a cidade, ou recuperando o que ela tinha de melhor, e que podemos resumir numa palavra, a proximidade: às pessoas, os vizinhos, aos serviços e aos bens de consumo, à troca de ideias, que também nos alimenta e à natureza, de que fazemos parte, mas da qual nos afastamos. Essa reaproximação faz-nos diminuir a pegada da mobilidade, ao mesmo tempo que alimenta o tecido urbano e a coesão social. E é uma poderosa ferramenta para a transição, ao pôr-nos mais perto de outros que, como nós, sentem o impacto do tempo, e a urgência da mudança, propiciando acção colectiva.

O que escrevi sobre a cidade pode ser replicado em muitos outros contextos e escalas. Kate Raworth, — que se identificou com o livro de Hopkins — desenvolveu na década passada pensamento paralelo para a economia, criando o conceito de Economia Donut. No qual, mais uma vez, desconstroi a aparência de ciência de teses e narrativas económicas tidas quase como “naturais”, e nos coloca perante novas possibilidades. Entre as quais, pasme-se, a cooperação, mais do que a sacrossanta concorrência, ganha destaque. E isto explica porque andam tão nervosos os arautos do status quo, do dividir para reinar, do homo economicus. Esse pseudo-ser egoista que tudo fará em benefício próprio, incluindo, se preciso for, prejudicar os outros.

Em todo este pensamento, perpassa sempre a ideia de que sozinho, ninguém chegará lá — se quisermos que esse lugar, o lá, não seja o pior dos cenários que nos pintam. E, apesar de nos terem ensinado que a competição é o grande motor da evolução humana humanidade, creio, como os autores de Colapsologia, que, pelas piores razões, vamos descobrir, nestas décadas, o valor da solidariedade. De outra forma, não acredito que sobrevivamos a este ciclo de (auto) destruição a que nos sujeitamos, arrastando, para o desastre, boa parte das espécies com as quais partilhamos o planeta.

O porquê de tanta giesta


Numa perspetiva histórica, o sucesso das giestas (Cytisus sp. pl. e Genista florida) nas paisagens atuais é, no mínimo, surpreendente. Há não mais de 50 anos as giestas eram de tal modo escassas que se semeavam nas terras pobres de Trás-os-Montes e da Beira Alta, no último ano de centeio, antes de um pousio alargado que alcançava, por vezes, uma década. A sementeira tinha o duplo objetivo de melhorar a fertilidade do solo (in loco e através da adição às camas animais e montureiras) e produzir lenho para queimar.
A explicação da expansão atual destes arbustos é multifatorial. Identificamos cinco causas prováveis. Duas delas são i) as plantações florestais a vala e cômoro, e ii) as fertilizações fosfatadas em solos marginais. A mobilização de solos para fazer floresta aumentou a espessura útil do solo, necessária às plantas de grande dimensão sob um clima mediterrânico ou temperado submediterrânico. Este fenómeno é evidente em Maio no Pinhal Interior. As giestas são evolutivamente próximas dos tremoceiros (Lupinus) e como eles, certamente, adaptadas a capturar o fósforo imobilizado pelo alumínio em solos ácidos. O stock de fósforo disponível nos solos de montanha para as giestas (mas não para outras plantas menos competentes) cresceu com adubações fosfatadas minerais quando, à custa de uma subida artificial dos preços, o cultivo do centeio e do trigo subiu as serras acima na primeira metade do séc. XX, ocupando solos marginais de pastagem. Sabe-se que as giestas respondem de forma exuberante ao fósforo.
A terceira e quarta hipóteses residem no desenho da copa (fisionomia) das giestas e no recente alargamento do período de retorno do fogo (por comparação com o fogo pastoril). Quem já viu fogo em giestas sabe que ardem de forma explosiva, num bruaá, com curtas interrupções cíclicas, i.e., o fogo em giestal avança aos solavancos. A causa está na estrutura da copa. As giestas possuem uma parte aérea de ramos delgados (de enorme combustibilidade na estação seca) que cedo se distancia do solo suportada, na base, por um curto tronco e pernadas grossos (pouco inflamáveis). Esta fisionomia afasta os combustíveis finos do solo, facilita a ascensão do comburente (oxigénio) durante o fogo e projeta a energia gerada pelas chamas em direção à atmosfera. Consequentemente, as giestas geram fogos de elevada intensidade e curto período de residência, em que a energia libertada não é suficiente para gerar elevadas temperaturas no solo ou à sua superfície. O avanço intermitente está certamente relacionado com o processo de secagem da copa com o avanço das chamas e a distribuição descontínua do combustível no espaço.
Que vantagens têm as giestas sob este padrão de fogo?
A temperatura à superfície do solo e, implicitamente, a severidade do fogo não dependem da intensidade da frente de fogo, normalmente medida em quantidade de energia libertada por metro linear de frente. Estão, sim, relacionadas com i) a distância dos combustíveis (finos) ao solo e ii) o tempo de residência do fogo. O fogo nas giestas tem muito em comum com o fogo das gramíneas nos pastos secos: é quente, rápido (entre as interrupções), intenso na copa, menos intenso à superfície do solo. Embora as giestas geralmente morram nos fogos de verão, as sementes tombadas no solo são, em larga medida, poupadas. Por outro lado, o fogo estimula a germinação das sementes das giestas, mais precisamente, quebra a dormência das sementes duras características deste grupo de arbustos. As plântulas vão usufruir de um nicho de regeneração melhorado, com poucos competidores, luz e a terra fertilizada pela cinza e pelas raízes em decomposição dos indivíduos parentais (recorde-se que as giestas são leguminosas fixadoras de azoto). No caso das gramíneas perenes, são poupados sementes e órgãos subterrâneos (ex. rizomas). Como se diz na bibliografia ecológica, as giestas e as gramíneas são engenheiras de habitats.
E como pode o alargamento do período de retorno do fogo beneficiar as giestas?
Várias hipóteses explicativas, outra vez. O fogo em ciclos curtos de recorrência é-lhes desfavorável. Se não vejamos. i) As giestas produzem semente tardiamente, a partir dos 3-4 anos; ii) as plantas jovens têm uma casca fina que as expõe ao efeito do fogo; iii) os giestais jovens ensombram pouco o solo e, ainda que pastoreados (com excepções), acumulam grandes massas combustíveis de gramíneas nas clareiras que põem em causa a sua sobrevivência perante o fogo (sobretudo se realizado durante a floração, no final de Abril, início de Maio).
Por outras palavras, o fogo pastoril com um curto ciclo de recorrência – em particular, os fogos de limpeza de pastagens tradicionalmente realizados em Setembro, depois da colheita de fenos e cereais, com as orvalhadas a caírem durante a noite – impedia que as giestas se reproduzissem e acumulassem sementes no solo. O fogo de verão em giestais maduros e altos, pelo contrário, dá tempo à reprodução sexuada e protege as sementes no solo e, por esta via, facilita a progressiva dominância das giestas nas nossas paisagens.
Quinta hipótese: efeito de massa. Entende-se por efeito de massa a dispersão de espécies e indivíduos de sítios com maior densidade populacional para sítios de menor densidade populacional. As giestas produzem anualmente massas significativas de sementes viáveis de dispersão balística (abertura explosiva da vagem), projetadas muitas vezes a mais de 5 m, arrastáveis pelas chuvas e deslizamentos de terra. Quanto mais sementes, maior a probabilidade de um evento raro de migração a longa distância e de colonização de um sítio vazio de giestas. Não cabe aqui explorar a argumentação ecológica, mas o efeito de massa permite a persistência em habitats a priori pouco favoráveis para as giestas e suplantar espécies em princípio mais competitivas.
As paisagens de Portugal continental encontram-se num momento perigoso. As giestas estão em franca expansão, há largos trechos de território adequados a estas espécies por colonizar, o regime de fogo atual é-lhes favorável e as giestas agravam os riscos de fogo de elevada intensidade no pino do verão (têm uma baixa ignibilidade e sustentabilidade do fogo na primavera) pondo em risco populações e haveres, com impactes ambientais detrimentais (aqui omitidos).
A montante das causas proximais da expansão das giestas antes elencadas estão o abandono rural (agricultura e pastorícia), a perseguição do fogo pastoril, a decadência de saberes rurais tradicionais, a dificuldade das agências públicas se adaptarem a novas realidades e a aversão ao fogo prescrito que perpassa a sociedade portuguesa.
Mas é como o fogo, façamos o que fizermos, não temos outro remédio senão aprender a coabitar Portugal com elas.
Autores: Carlos Aguiar, Avelino Rego, Duarte Marques, Marco Fernandes e Henrique Mira Godinho

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Apelo à Paz - Mãos na Terra


Hoje escrevi este poema. Precisamos de Paz e de Soluções Baseadas na Natureza. Pedir Paz é um acto revolucionário, de empoderamento e realizável. Quanto ao meio ambiente, a situação é péssima. Há que meter mãos na Terra. Regressar às nossas raízes.
Apelo à Paz - Mãos na Terra
Deita as tuas mãos na terra,
sente o pulsar do coração do mundo.
Em cada grão, um eco suave,
de tempos antigos e futuros profundos.
Semeia paz nas fendas da dor,
onde as guerras deixaram cicatrizes.
Regamos com lágrimas de amor,
para curar todas as raízes.
Escuta o silêncio entre as folhas,
um sussurro que o vento traz.
É a terra que pede calma,
é o apelo sereno da paz.
Que cada mão toque o solo,
com o carinho de um irmão.
A paz floresce no coração do povo,
que cuida da terra com devoção.
Deita as tuas mãos na terra,
onde a vida começa e recomeça.
No toque suave, renasce a esperança,
e a paz é a colheita que o mundo não cessa.

João Soares

domingo, 13 de outubro de 2024

Crise de dispersão de sementes pode afetar futuro das plantas na Europa


A dispersão de sementes é crucial para a persistência dos ecossistemas, mas as ameaças de extinção e alterações populacionais entre os animais que a realizam poderão impedir a recuperação das populações de plantas em declínio no continente europeu.

Um estudo da Universidade de Coimbra publicado na revista Science indica que 30% das espécies de plantas têm a maioria dos seus dispersores na categoria de elevada preocupação, noticiou na quinta-feira a agência Efe.

Os investigadores focaram-se na forma como a perda de espécies animais na região poderá afetar o processo de dispersão das sementes, uma vez que pouco se sabe sobre a forma como estas duplas dispersores-plantas são interrompidas pela perda de espécies.

A equipa, liderada pela investigadora Sara Beatriz Mendes, reviu a literatura sobre duplas de dispersão entre animais e plantas para reconstruir a primeira rede europeia de dispersão de sementes.

Um terço destas interações cruciais são altamente preocupantes, o que significa que as espécies nelas envolvidas estão listadas como quase ameaçadas, em perigo ou com populações em declínio, de acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Os dados indicam que cada espécie animal dispersou em média 13 espécies de plantas, enquanto cada espécie de planta teve em média nove dispersores, resume a revista.

O estudo "revela uma crise de dispersão de sementes em desenvolvimento na Europa" e destaca grandes lacunas de conhecimento em relação aos dispersores e ao estado de conservação das plantas cujas sementes são dispersas por animais, "o que exige um maior escrutínio e ação para conservar o serviço de dispersão de sementes", referiu a equipa.

Os investigadores reconhecem que existem lacunas significativas nos dados sobre as relações de dispersão, mas acreditam que as suas descobertas podem ser utilizadas para orientar os esforços de conservação para preservar as relações de dispersores de grande preocupação.

Este é o primeiro estudo abrangente sobre a vulnerabilidade das espécies dispersoras de sementes, realçou o investigador Daniel Montoya, do Centro Basco para as Alterações Climáticas (BC3), citado pelo Science Media Centre, uma plataforma de recursos científicos para jornalistas.

Os autores compilaram uma extensa base de dados de 11.414 interações entre 1.902 espécies de plantas e 455 espécies de animais dispersores de sementes, incluindo 283 aves, 85 artrópodes, 69 mamíferos, 11 répteis, 4 moluscos, 2 peixes e um verme anelídeo.

A perda da função de dispersão "reduz a capacidade de recuperação dos ecossistemas, um fator chave face à recente aprovação da Lei Europeia de Restauração", acrescentou Montoya.

O investigador salientou que os resultados do estudo podem subestimar a vulnerabilidade de algumas espécies dispersoras, para as quais não existe informação sobre as suas tendências populacionais e vulnerabilidade.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

"Temos cinco anos" para salvar o planeta. E "é preciso mudar o sistema alimentar mundial, que é intrinsecamente ilógico"



A organização ambientalista World Wide Fund for Nature (WWF) avisou que o que acontecer nos próximos cinco anos em termos de sustentabilidade determinará o futuro da vida na Terra.

“Temos cinco anos para colocar o mundo numa trajetória sustentável antes que as reações negativas da degradação da natureza e das alterações climáticas combinadas nos coloquem na encosta descendente de pontos de rutura descontrolados”, alerta a associação na edição deste ano do relatório “Índice Planeta Vivo”.

O relatório anual é compilado pela WWF há 15 anos e faz uma análise das tendências da biodiversidade global. A cada edição “assistimos a um maior declínio do estado da natureza e a uma desestabilização do clima e isto não pode continuar”, afirma a WWF no documento.

No documento deste ano a organização internacional salienta que há um risco real de fracasso, com “consequências quase impensáveis”, e que para manter um planeta vivo são precisas ações e mais esforços de conservação. É necessária, resume, uma transformação dos sistemas alimentares, energéticos e financeiros.

Lembrando que apesar do declínio da natureza houve populações que ou estabilizaram ou aumentaram em resultado de esforços de conservação, o documento salienta a importância das áreas protegidas (atualmente 16% das terras e 08% dos oceanos a nível global) e diz que os países precisam de alargar, melhorar, ligar e financiar adequadamente os seus sistemas de áreas protegidas, respeitando simultaneamente os direitos e as necessidades das pessoas afetadas.