quinta-feira, 24 de abril de 2025

Scolimus hispanicus


A exuberância das suas belas flores amarelas era o que dava nas vistas. As suas sépalas e pétalas, atrás e à frente, davam volume e magnitude ao deleite de quem olhava e via, quando a primavera estava de abalada e o verão teimava em impor-se, ocupando o seu lugar, entrando de mansinho, com os dias a estenderem-se, nas horas de que se fazem, na luz que os ilumina, intensa e límpida e o calor que prolongava as tardes, entrando pela noite, com passagem serena pelo ocaso.
Claro está que era o que doirava o cardo, numa simbiose perfeita de luz ou novo brilho do astro, temperatura e cor. E, pois então, florescia o cardo dourado, abrindo botões de par em par ao longo do caule ascendente ou dos muitos que se bifurcavam, enlaçavam, até dar nós. Nenhum destes detalhes escapou às gentes do povo, mestres da observação, lá, onde frequentemente se encontravam, na labuta, no fazer e no desfazer dos dias que, assim, assertivamente o batizou.
Cardo de oiro, ainda, quando o vivo e quase incandescente scolimus, para a ciência, marcava a paisagem, sobressaindo nela, quando tudo à sua volta completava o ciclo vegetativo, empardecendo. De frutos e sementes retardados era assim que assegurava a sua presença anual, regressando no início de cada primavera. Protegiam-se entre os restos que continuariam de picos afiados, atirando-se dolorosamente a quem, distraidamente, por eles passasse.
Então, embora na sua perenidade, já só compunham. E eram a confirmação de uma apanha sábia, movida pela necessidade, mas caprichosa na sustentabilidade. Sabia-se que só a mão humana os controlava sem dizimar. Outros tempos... sem mondas químicas que tudo barbeiam e fazem desaparecer lentamente.
Ainda em março, mas mais em abril, ia-se aos cardos ou tengarrilhas, como se dizia por onde andámos, como se ia aos espargos. Só os picos, logo à nascença nos demoviam. Uma meia, calçada nas mãos, de pouco servia. E ripá-los não era para todos. Requeria agilidade e perícia.
Mas a necessidade é mestra de engenhos e o gostinho especial que conferiam aos cozinhados onde entravam, compensava. E ali à mão, qual dádiva da natureza, com o seu incomparável sabor silvestre (diz quem já provou os criados em estufa).
Eram estes os cardos de uns bons grãos no tarro dos afamados cozinheiros de Herdade.
Ao alcance da mão eram a melhor "mistura" da época, dispensando o que havia na horta.
Com os grãos de molho da noite anterior e os molhinhos de cardos ripados, a que se dava uma diversidade de nomes, bem cedo se chegavam as enormes panelas de ferro ao incandescente braseiro da ampla chaminé da cozinha do Monte.
A ganharia e outro pessoal da lavoura bem precisavam de um jantar (já que à noite se ceava), para repor energias da dura jornada.
Lá chegava o jumento (ou os jumentos), pachorrentamente, com avantajados tarros, nas cangalhas, não fosse o manjar entornar, enquanto tomava o "sabor" do tarro.
Todos comiam do mesmo (ou dos mesmos). À falta de colher, que cada um se encarregava de ter consigo, servia uma côdea de marrocate - que até tornava a iguaria mais apetitosa!
(Hoje sinto mesmo o cheiro, o calor - principalmente humano e solidário - deste ambiente).

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