
«Há uma coisa em que nunca me enganei: quem é Donald Trump e ao que vinha. Embora nenhuma personagem-tipo da Commedia dell’Arte seja perfeita para caracterizar Trump, ele é um misto de Il Capitano, o mais célebre dos quais é Scaramuccia, com um dos Vecchi, Pantalone, e é neste sinistro Carnaval que estamos metidos.
Escrevi há algum tempo sobre as suas “vantagens” – hesitei e hesito em dizer qualidades –, mas isso não é muito relevante, e como elas revelam aspectos da erosão interior das democracias. Referi que tinha “carisma”, qualificação que só pode surpreender aqueles que estão habituados ao uso vulgar da palavra para designar pequeninos políticos nacionais com alguma fama mediática mais extravagante. “Carisma” é outra coisa e aplica-se inteiramente a Trump, e não é por estar todos os dias metade do tempo a fazer o seu show televisivo e três dias da semana a jogar golfe e, obviamente, a ganhar tudo. Ainda me lembro de quando se ironizava com Fidel Castro porque jogava com uma equipa de basquetebol constituída pelos seus seguranças e ganhava tudo.
Na verdade, Trump usou e usa em todo o seu esplendor as suas capacidades mediáticas, mostrando o que é, no limite, a completa subjugação do Logos e do Ethos ao Pathos característica do contínuo político-mediático actual. E ninguém como ele vai mais longe em tornar os tempos actuais “interessantes”, o que é, como se sabe, uma maldição. E caracterizei o que se estava a passar nos EUA sob a sua presidência como uma “revolução”, o que, de novo, só pode surpreender quem acha que a palavra só pode ser usada para casos como os da Rússia de 1917, ou da China, ou de Cuba.
Classifiquei-o de, com Putin, ser o par mais perigoso do nosso tempo, com todas as vantagens para Putin, que o domina pela exploração da sua motivação única, a vaidade. Disse que, em toda esta questão da guerra contra a Ucrânia, ele se está literalmente “marimbando para todos”, russos e ucranianos, e que quer apenas poder um dia, num tweet na sua rede social Truth Social, dizer que fez a “paz” pela sua força e pelo seu génio.
Acresce que eu penso mesmo que ele não é bom da cabeça, signifique isso o que significar, e que o seu narcisismo é patológico. Não é muito relevante esta minha convicção, a não ser para achar patética a tentativa de encontrar racionalidade no que ele faz, com as habituais justificações que a imaginação académica encontra, desde o “transaccionável”, à “art of the deal”, ao estertor do capitalismo americano. Uma coisa, no entanto, ele está a fazer: a transformar os EUA numa oligarquia autoritária, a caminho para um regime sem lei, de violência, perseguição, censura e exclusão, e isso basta-me para fazer, com os meus frágeis meios, resistência. Uma forma é esta: como o modo como se lida com ele, mesmo à distância portuguesa, é relevante, fica aqui uma dupla de dois quadros contrários para que se louve a coragem e a espinha direita, e se punam os covardes e os sicofantas que são a sua força. Será periodicamente renovado.
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