quarta-feira, 26 de abril de 2023

A Batalha pela Água Intensifica-se em Espanha


Em Espanha, o parlamento da Andaluzia aprovou recentemente um projeto de lei que prevê legalizar cerca de mil hectares de regadio ilegal na zona envolvente do Parque Nacional de Doñana, uma das zonas húmidas protegidas mais notáveis da península ibérica, situada na margem direita do rio Guadalquivir. A atual iniciativa legislativa, liderada pelo PP e com o apoio do Vox, implicará a expansão do regadio e a regularização de centenas de poços ilegais, os quais retiram a água que é essencial à sobrevivência de Doñana. Legalizam-se assim as culturas nas imediações do parque, que vive já uma situação crítica devido à sobre-exploração dos aquíferos e à falta de chuva. A iniciativa política ignorou as recomendações contrárias da comunidade científica e dos ambientalistas, que não se têm cansado de alertar para o estado crítico de Doñana. A esperança reside agora na atuação das entidades europeias e internacionais: a UNESCO manifestou o seu desacordo e a Comissão Europeia avisou que, se a proposta de lei for bem-sucedida, não hesitará em tomar todas as medidas necessárias, incluindo a apresentação de um novo recurso no Tribunal de Justiça, e a imposição de sanções. O momento é dramático para o Parque Nacional de Doñana; cerca de 60% das maiores lagoas temporárias não são inundadas desde 2013, o que já provocou perda de biodiversidade. A preocupação é maior porque a seca é grave em Espanha, com as reservas de água abaixo de metade da média dos últimos 10 anos, especialmente no sul. Os dados disponíveis são claros e impõem uma redução do número de hectares que são irrigados legalmente e a preparação de uma alternativa ecológica para os agricultores e território. No entanto, a iniciativa promovida pelo parlamento não só foge a este propósito, como promove o contrário, alargando o número de hectares com direito a dotações de água. Aproximam-se as eleições e PP e Vox afirmam-se garante da prosperidade económica na região de Doñana, especialmente nos municípios com maiores áreas de culturas de frutos vermelhos (morango, framboesa), como os da província de Huelva. Estas forças políticas assumem facilmente discursos que contrariam os critérios dos cientistas, do Governo de Espanha, da União Europeia, da Unesco, e a própria realidade, prometendo extensões de rega e, implicitamente, as correspondentes dotações de água. E não se inibem de incentivar o confronto entre os agricultores e o governo central.Num tempo em que é cada vez mais evidente a pressão sobre a água, em que percebemos a insensatez dos que nos querem convencer que nada mudou, não se compreende que não sejamos capazes de nos entender através do diálogo e da razão. Como é que não são os próprios interessados a defender o extraordinário valor ecológico do Parque Nacional de Doñana? Em Espanha, tal como em Portugal, os novos cenários revelam a complacência com que, ao longo de décadas, fechámos os olhos às práticas agrícolas insustentáveis. Vamos ter que encontrar soluções rápidas e justas, e não vai ser fácil. Certo é que não há país em que a destruição ambiental não tenha trazido a ruína económica a longo prazo. Estas culturas intensivas de frutos vermelhos da região de Doñana podem alimentar esta geração, mas não vão alimentar a seguinte.

Helena Freitas, Diário de Coimbra, 25.04.2023

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