segunda-feira, 31 de julho de 2023

O desafio do cobalto - O lado negro da transição energética


Para garantir que a condução continue a ser possível apesar da crise climática, a indústria automóvel aposta nos carros elétricos. Mas muitas de suas baterias usam uma matéria-prima extremamente problemática: o cobalto.

Calor, seca, inundações. A crise climática chegou à Europa. Para garantir que a condução continue sendo possível enquanto a pegada de CO2 é reduzida, a indústria automóvel recorreu a uma solução: a mudança rápida e abrangente para carros elétricos. A Comissão da UE decidiu pela mesma solução. Agora, não apenas a Tesla, mas a Volkswagen, Volvo, Peugeot e Renault estão investindo dezenas de biliões de euros em eletromobilidade. E a eletromobilidade requer baterias.

Mas muitas dessas baterias contêm uma matéria-prima extremamente problemática: o cobalto. Extraído na forma de minério, 65 a 70% da produção global de cobalto está localizada na República Democrática do Congo.

Este filme mostra o lado negro da mineração de cobalto. O trabalho infantil é apenas um dos muitos problemas. Todo o setor está cheio de corrupção. O solo está contaminado e a saúde e a vida das pessoas estão em risco. O domínio de mercado da China está levando a Europa a uma perigosa dependência. Diante dos gigantescos problemas colocados pela cobiçada matéria-prima, a UE busca outras formas de colocar as mãos no cobalto. O filme faz uma pergunta incómoda: as minas na Europa devem ser reabertas?

Já estamos em ebulição global


A partir desta quinta-feira, 27 de julho, o aquecimento global chegou oficialmente ao fim e começou uma nova era: “A ebulição global”. As palavras fortes são de António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, numa conferência de imprensa em que revelou o que julho de 2023 pode muito bem tornar-se no mês mais quente de sempre na história registada.

“As alterações climáticas estão aqui. É assustador e isto é apenas o início”, disse Guterres. “Ainda é possível limitar o aumento da temperatura global para 1,5 graus e evitar o pior. Mas isto apenas funcionará com ações drásticas e imediatas.”

A informação dada pelo secretário-geral surge após cientistas terem confirmado também nesta quinta-feira que as últimas três semanas foram as mais quentes algumas vez registadas. Karsten Haustein, da Universidade de Leipzig, garante que o mundo está 1,5 graus mais quente este mês do que em qualquer outro julho antes da industrialização.

Em causa estão fatores como a poluição humana. “A humanidade está em risco. Para uma vasta parte da América do Norte, Ásia, África e Europa, está a ser um verão cruel. Para o resto do planeta, é um desastre. E para os cientistas, não há dúvidas: a culpa é das pessoas.”

Vários avisos já tinham sido dados pela comunidade científica ao longo dos últimos nos, por isso esta situação não é propriamente um choque. O que surpreende os especialistas é mesmo a forma acelerada como as temperaturas estão a mudar.

Guterres pediu ainda que os políticos não ficassem estáticos e que tomassem medidas rapidamente. “Este ar não é respirável, o calor não se aguenta, e o nível de inação é inaceitável. Líderes devem liderar. Chega de hesitação e desculpa. já não há tempo para isso”.

Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, também deixa um aviso: “A necessidade de reduzir o efeito estufa é mais urgente do que nunca. A ação climática não é um luxo, mas uma necessidade.”

Não esquecer que entre 65% e 80% do CO2 libertado no ar por acção do homem dissolve-se no oceano num período entre 20 a 200 anos. O restante é removido por processos mais lentos que levam centenas de milhares de anos, incluindo a meteorização química e formação de rochas. Isso significa que, uma vez na atmosfera, o dióxido de carbono pode continuar a afectar o clima por milhares de anos [artigo científico]

domingo, 30 de julho de 2023

Nova Rota da Seda da China: o Projeto do Século


O presidente chinês XI Jinping nomeou o "projeto do século". Desde 2013, a China investiu biliões para trazer o "Reino do Meio" para a vanguarda da economia global e da política internacional.

O que a China batizou de 'A Nova Rota da Seda' permite que um par de ténis seja transportado de comboio da China para a França em menos de duas semanas. Mas eles também atuam como um veículo para uma onda de expansionismo chinês em todo o mundo.

Em Gwadar, no Paquistão, a China está a escavar um porto gigante, além de uma espetacular rodovia que atravessa o Himalaia, para abrir as portas para os mares quentes. Nos limites das suas fronteiras russas na Ásia central, ao longo de uma nova linha férrea que serve a Europa, empresários chineses instalaram zonas económicas especiais e cassinos no meio do deserto. Mais longe de Pequim, em Djibuti, no Chifre da África, o Estado chinês estabeleceu recentemente um porto militar, a poucos passos das bases americana e francesa, além de construir uma ferrovia ultramoderna que atende a Etiópia. Na esteira desses movimentos, as empresas chinesas estão investindo nos mercados do leste africano, na esperança de fazer da região uma das novas oficinas do mundo.

Ver também
Campanha da China no Ártico - O que a China quer na região?

sábado, 29 de julho de 2023

Hilda Hist - Obsceno

Aquela 
"Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."


Página oficial

O G20 não chega a acordo sobre um limite para as emissões de gases de efeito estufa até 2025


 Os ministros do meio ambiente do G20 falharam na sexta-feira em chegar a um acordo sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa para combater a mudança climática, uma semana após o fracasso dos combustíveis fósseis.

“Não conseguimos chegar a um acordo sobre um limite para as emissões de gases de efeito estufa até 2025”, disse à AFP o ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, antes de acrescentar: “Estou muito desapontado”.

As negociações com China, Arábia Saudita e Rússia foram "complicadas", disse ele.

Os ministros do G20, cujos membros representam sozinhos mais de 80% do produto interno bruto mundial e das emissões de CO2 do planeta, vão examinar na sexta-feira em Madras, na Índia, vários dossiês cruciais, como o financiamento da adaptação às mudanças climáticas , biodiversidade e os princípios que devem reger as atividades económicas marítimas.

E especialmente aquele que visa limitar as emissões de gases de efeito estufa até 2025, para o qual o ministro francês anunciou um fracasso no final do dia.

Mas nos corredores, dificilmente esperávamos resultados significativos nos outros arquivos também.

No entanto, estava inicialmente previsto que desta reunião dos Ministros do Meio Ambiente do Grupo dos Vinte (as dezenove economias mais desenvolvidas e a União Europeia) resultariam acordos que seriam posteriormente assinados pelos líderes durante a cimeira de setembro em Nova Delhi.

Rússia corrompeu agentes de Kyiv em 2014 e começou a planear invasão


O historiador Mark Hollingsworth afirmou à Lusa que a guerra em curso na Ucrânia está a ser planeada desde a anexação da Crimeia (2014), altura em que os serviços secretos russos conseguiram informações importantes ao corromperam agentes de Kyiv.

A situação é relatada no livro de investigação do historiador britânico "Manipulação - O KGB e as Democracias Ocidentais", recentemente publicado.

"A atual guerra (na Ucrânia) foi planeada desde 2014 [anexação da península da Crimeia] e, nessa altura, o FSB [Serviço Federal de Segurança, o sucessor do soviético KGB] conseguiu muita informação corrompendo os serviços de informações ucranianos e obtendo uma quantidade significativa de material que eu menciono com detalhe neste livro e esses factos são importantes para se perceber a invasão de 2022", disse à agência Lusa Hollingsworth.

"O que ainda é pouco conhecido", frisou o historiador britânico, é que os serviços de informações russos (FSB e SVR, os serviços secretos externos russos) em 2014 "corromperam, subornaram e intimidaram" agentes dos serviços secretos da Ucrânia e conseguiram ter acesso a documentos importantes de Kiev.

No entanto, apontou o historiador, a "fraqueza" dos serviços secretos da Rússia (desde 2014) foi o uso de ideias preconcebidas sobre o que eles próprios entendiam ser a verdade ou a realidade, tendo depois tentado encontrar os factos que podiam encaixar-se nessas mesmas ideias.

"Por outras palavras, em vez de enviarem agentes com a missão de descobrir qual era a verdade e sobre o que estava a acontecer na Ucrânia, limitaram-se a uma ideia preconcebida sobre o que eles pensavam ser a verdade para depois dizerem às chefias o que as chefias queriam escutar. Isto é o que eu penso que está a acontecer na Ucrânia", afirmou Mark Hollingsworth, referindo-se à invasão russa iniciada em fevereiro de 2022.

Segundo a teoria de Hollingsworth, e no que diz respeito à campanha militar em curso há mais de um ano no território ucraniano, a direção do FSB comunica ao chefe de Estado russo, Vladimir Putin, o que ele quer ouvir em vez de investigar os factos.

Para o historiador britânico, geralmente este tipo de situações são "um problema no mundo dos serviços de informações" porque ao deixarem-se controlar pelas ideias políticas - simplesmente para agradarem aos líderes -, "esquecem" os factos que marcam a realidade. 

Por outro lado, o historiador diz que ainda é cedo para relacionar a retirada desordenada das forças internacionais do Afeganistão (concluída no verão de 2021) e a invasão de 2022 da Ucrânia, mas, na sua opinião, "é provável" que Moscovo tenha acompanhado os acontecimentos em Cabul para estudar o comportamento dos outros países e moldar o tipo de operação militar.

Quanto à rebelião contra as altas patentes da Defesa russa chefiada em meados de junho pelo líder do grupo russo de mercenários Wagner, o historiador diz que ainda é difícil perceber o que de facto aconteceu porque Yevgeny Prigozhin ainda está vivo.

"Se a operação tivesse sido uma tentativa de golpe de Estado, o líder seria executado ou preso e pelo que sabemos Prigozhin ainda é um homem livre", frisou.

"Penso que a tentativa de progressão até Moscovo foi uma forma de mostrar poder. É possível que Prigozhin - e isto é pura especulação - tenha informação sobre a fortuna de Putin e talvez por isso Putin não tenha atuado contra ele. É um assunto que ainda tem de ser investigado. Até ao momento é especulação", ressalvou.

No livro agora lançado em Portugal, Hollingsworth evidencia o papel da "desinformação" dos serviços secretos da antiga União Soviética durante a Guerra Fria e analisa igualmente a campanha da Rússia na Ucrânia desde a invasão da Crimeia, assim como os novos sistemas utilizados pelo FSB.

Sobre Putin, a obra refere que o chefe de Estado russo foi um oficial do KGB que inicialmente se dedicava a identificar, ameaçar e prender opositores da União Soviética nos anos 1980 e que mais tarde, na ex-República Democrática da Alemanha, assistiu à "humilhação" da queda do Muro de Berlim.

"Ele nunca esqueceu isso. Nunca esqueceu a humilhação. O que o motiva é restaurar a União Soviética no sentido nacionalista. Ele não é um comunista, ele apoiou a União Soviética mas sem ser um comunista. Apoiava um Estado forte e centralista, muito autoritário e nacionalista sem acreditar no comunismo como o sistema que deveria conduzir a economia", referiu o historiador.    

Mark Hollingsworth é autor, entre outras obras, da investigação "Londongrad" sobre as atividades dos oligarcas no Reino Unido e do livro "Thatcher's Fortunes" sobre a fortuna da antiga chefe de Governo britânica e o papel do filho, Mark Thatcher, em vários conflitos em África.  

À Lusa, e sobre projetos futuros, o historiador admitiu que seria "um desafio" escrever sobre o papel atual dos serviços secretos da República Popular da China, mas adiantou que "talvez escreva um terceiro e difícil livro sobre a Rússia" sobre a fortuna de Vladimir Putin.

"Por outro lado tenho muito interesse em História e estou, por isso, muito interessado também em escrever sobre o Duque de Windsor que chegou a ser o rei Eduardo VIII que abdicou em 1936, no Reino Unido. Ele esteve em Portugal em 1939 e 1940, durante a Segunda Guerra Mundial e era pró-nazi. O que foi fazer a Lisboa? Seja como for, isso é outra História", concluiu.

A obra "Manipulação - O KGB e as Democracias Ocidentais" (Bertrand Editora, 325 páginas) foi publicada este mês em Portugal e inclui uma lista de falsificações do KGB durante a Guerra Fria. 

Capitalismo e Pulsão de Morte


Sinopse

Aquilo a que hoje chamamos crescimento é na verdade uma excrescência, uma proliferação cancerosa que destrói o organismo social. Essas excrescências metastizam-se com uma vitalidade inexplicável. A certa altura, esse crescimento já não é produtivo, mas destrutivo. Há muito que o capitalismo ultrapassou este ponto crítico. As suas forças destrutivas produzem não apenas catástrofes ecológicas ou sociais, mas também mentais. Os efeitos devastadores do capitalismo sugerem a existência de um instinto de morte.
Depois de inicialmente Sigmund Freud ter introduzido o conceito de instinto de morte de forma hesitante, confessou que «não poderia pensar de outra forma», porque a ideia ganhara poder sobre ele.
Pensar hoje no capitalismo é impossível sem considerar o instinto de morte.

" Aquilo a que hoje chamamos crescimento é, na realidade, uma proliferação carcinomatosa, desprovida de objectivo. Atualmente assistimos a uma euforia de produção e de crescimento que faz lembrar um delírio de morte. Simula uma vitalidade que oculta a aproximação de uma catástrofe mortal. A produção assemelha-se cada vez mais a uma destruição. É possível que a autoalienação da humanidade tenha atingido aquele grau que lhe permite experimentar o seu próprio aniquilamento como uma fruição estética. O que Walter Benjamim disse outrora sobre o fascismo pode hoje aplicar-se ao capitalismo."

Música do BioTerra: We Are Altered - Things


Site: Jamie Meredith

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Música do BioTerra: James Blake - I Never Learnt To Share

Original
  
Remix

My brother and my sister don't speak to me
But I don't blame them
But I don't blame them
My brother and my sister don't speak to me
But I don't blame them
But I don't blame them

Biografia
Página Oficial
Youtube

Moçambique perde 267 mil hectares de florestas todos os anos

Moçambique perde todos os anos 267 mil hectares de florestas, segundo dados avançados em Maputo pelo diretor nacional de Florestas, Cláudio Afonso.

“Temos estado a registar algumas preocupações porque anualmente perdem-se cerca de 267 mil hectares de florestas”, afirmou o responsável à margem da primeira reunião do Comité Técnico para a Operacionalização da Declaração de Maputo sobre a Gestão Sustentável e Integrada da Floresta de Miombo, evento de dois dias que arrancou na quinta-feira.

As atividades madeireiras são apontadas como responsáveis por este cenário.

A iniciativa da Declaração de Miombo foi lançada pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, e durante estes dois dias de reunião está a ser discutido o regulamento do funcionamento dos comités (técnico e ministerial) e o plano de ação bienal dos onze países da região austral de África que adotaram a declaração.

Para a implementação destas ações, Moçambique já garantiu cerca de 17 milhões de dólares, para necessidades totais avaliadas em 30 milhões de dólares identificadas para a implementação do plano de ação traçado e que deve vigorar por um período de dois anos.

Neste evento, foi anunciado que o Fundo Global vai disponibilizar a Moçambique cerca de 12 milhões de dólares para revitalização das reservas florestais, restauro, apoio institucional e implementação do sistema de monitoramento florestal do país. Outros cinco milhões de dólares serão disponibilizados pela Agência de Cooperação Italiana, anunciou ainda a secretária permanente do Ministério da Terra e Ambiente de Moçambique, Emília Fumo.

A Floresta do Miombo é responsável pela manutenção da bacia hidrográfica do Zambeze, ao longo da qual vivem mais de 40 milhões pessoas dos oito países atravessados por este curso de água.

Em Moçambique, a Floresta de Miombo alarga-se da parte norte de Inhambane às províncias de Manica, Tete, Sofala e Zambézia, zona centro, e Nampula, Niassa e Cabo Delgado, na região norte do país.

A pressão sobre os recursos da floresta de Miombo, segundo o diretor nacional de Florestas, Cláudio Afonso, são mais intensos nas províncias da Zambézia, Nampula e Niassa.

A Declaração de Miombo foi adotada em agosto de 2022 e estabelece a necessidade de união de esforços dos países da África austral para o incremento de opções de proteção e conservação da Floresta de Miombo e desenvolvimento da região do grande Zambeze.

Tudo ao contrário e atrasado do que foi proposto em 2016 na conferência da Rede do Miombo

Saber mais:

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Time flies


Luta contra o verdadeiro Inimigo! Quando Sinead O'Connor rasgou a foto do Papa no 'SNL'

Em 3 de outubro de 1992, Sinéad O'Connor rasgou uma foto do Papa João Paulo II no Saturday Night Live, numa denúncia muito pública da pedofilia na Igreja Católica.
Ela estava à frente da época.


A cantora Sinead O'Connor provocou indignação em 3 de outubro de 1992, quando rasgou uma foto do Papa durante a sua apresentação musical no Saturday Night Live.

Na preparação para o episódio, o criador do programa, Lorne Michaels, concentrou toda a sua atenção no apresentador Tim Robbins. O ator politicamente ativo lançou um ataque violento contra a controladora da NBC e os infames poluidores General Electric, que Michaels rejeitou para o programa, alegando que a peça era mais direta do que engraçada. (Robbins, talvez antecipando esse resultado, incluiu uma cena na sua astuta sátira política de 1992, Bob Roberts, na qual o anfitrião convidado - interpretado pelo amigo de Robbins, John Cusack - é igualmente fechado por uma automitificação "nervosa" ao vivo no show de skectchs chamado Cutting Edge Live.) Robbins, com a então esposa e colega provocadora Susan Sarandon na plateia, eventualmente apareceu nas boas noites para o show ostentando uma T-Shirt anti-GE. Ainda assim, ninguém estava pensando nele, na General Electric ou em qualquer outra coisa além do convidado musical daquela noite.

Depois de apresentar o seu primeiro número, uma interpretação tipicamente impressionante da canção da Loretta Lynn "Success Has Made a Failure of Our Home", O'Connor voltou ao palco do Studio 8H tendo feito alguns pedidos de última hora. Em vez de cantar o planejado uma música a cappella "Scarlet Ribbons", o empresário de O'Connor informou ao coordenador musical do SNL, John Zonars, que O'Connor, em vez disso, apresentaria uma versão a cappella de "War", de Bob Marley.

E, como a cantora irlandesa pretendia que a música chamasse a atenção para a questão do abuso infantil, ela pediu que a performance fosse filmada com uma única câmera, em close-up, para que o seu gesto final (de ela segurando um imagem de uma criança faminta), seria o foco duradouro. Zonars, na história oral do SNL, Live From New York, afirma que todos ficaram comovidos com a música e o gesto de O'Connor no ensaio geral quando ela ergueu a foto planeada e fez um apelo sincero para proteger as crianças vulneráveis do mundo.

Então a cantora de 26 anos entrou no palco do SNL para seu segundo número da noite no show ao vivo. Ela cantou “War”, a voz inimitável de O'Connor aumentando o poder da paixão até que, depois de transmitir a mensagem final da música, “E sabemos que venceremos/Pois estamos confiantes na vitória/Do bem sobre o mal”, levantou uma fotografia de O Papa João Paulo II para a câmera e, olhando diretamente para o cano da câmera ao vivo, rasgou-o. “Lute contra o verdadeiro inimigo”, exortou O'Connor, depois soprou as velas que haviam sido seu único acompanhamento e saiu do palco.

Foi quando todo o inferno desabou.

A NBC foi imediatamente, e por dias depois, inundada de ligações, condenando de forma esmagadora o convidado musical do SNL por insultar o chefe da Igreja Católica. Como a própria O'Connor relembrou no seu livro de memórias de 2021, Rememberings, ela foi recebida com um silêncio sinistro não apenas no palco (o diretor Davey Wilson ordenou que o tradicional sinal de "aplausos" não fosse aceso), mas também nos bastidores, onde os atordoados e chocados elenco e equipa quase desapareceram.

“Quando andei nos bastidores, literalmente não havia um ser humano à vista”, lembrou O’Connor no livro. “Todas as portas se fecharam. Todo mundo desapareceu. Incluindo o meu próprio empresário, que se trancou no seu quarto por três dias e desligava-me o telefone.”

A própria O'Connor apareceria mais uma vez naquela noite, ao lado de Robbins e a sua agora esquecida camiseta nas boas-noites, enquanto as centrais telefónicas da NBC se iluminavam com católicos indignados e outros condenando o que consideravam um ataque não provocado a um líder religioso mundial. Várias semanas depois, quando a cantora subiu ao palco de Nova York no concerto de homenagem no Madison Square Garden para comemorar o 30º aniversário de Bob Dylan na música, O'Connor mais uma vez abandonou seu planeado número de Dylan ("I Believe in You", do álbum de Dylan de 1979). Slow Train Coming, uma vez que ela foi recebida com uma enxurrada confusa e contínua de vaias e aplausos da enorme multidão. Com o colega concertista Kris Kristofferson (que havia apresentado O'Connor brilhantemente ao elogiar a sua coragem) emergindo dos bastidores para dizer à cantora: "Não deixe os bastardos te derrubarem", ela lançou uma a cappella "Guerra" mais uma vez, enquanto o público incessante tentava abafá-la.

De volta ao Saturday Night Live, a reação foi decididamente mista. O membro do elenco Phil Hartman foi ao The Late Show With David Letterman naquela semana para expressar descontentamento por O'Connor ter surpreendido todos no programa, o que ela certamente fez. (É impossível não sentir pena dos artistas Tim Robbins, Ellen Cleghorne, Melanie Hutsell e Rob Schneider, que tiveram que seguir a façanha de matar multidões de O'Connor num esboço chamado "Sweet Jimmy: The World's Nicest Pimp".) No entanto, Michaels ele mesmo não apenas permitiu que ela voltasse ao palco para acenar boa noite para a multidão ainda atordoada, mas também depois chamou a ação de O'Connor de "a coisa mais corajosa possível que ela poderia fazer", citando sua conturbada história pessoal com abuso infantil e o encobrimento sistémico pela igreja de abuso sexual por seu clero, algo que o católico criado O'Connor sabia sobre tudo muito intimamente.

Ainda assim, o Saturday Night Live também permitiu uma refutação particularmente feia às ações de O'Connor no programa seguinte, quando o apresentador e colega católico Joe Pesci não apenas remontou as peças reunidas da foto ofensiva (justo), mas prometeu que, se ele tivesse sido na assistência na semana anterior, ele teria dado à jovem “uma tal bofetada”. Então, vários meses depois, a convidada musical Madonna (que condenou publicamente O'Connor, até zombando da aparência da cantora de cabeça raspada), repetiu a façanha citando o apelo de O'Connor para "lutar contra o verdadeiro inimigo", enquanto rasgava um foto do notório adúltero de Long Island e futuro cameo-maker de Saturday Night Joey Buttafuoco.

Nos anos seguintes, a estrela do SNL, Jan Hooks, usava intermitentemente um boné careca e sotaque irlandês para representar O'Connor no programa, embora esses esboços se concentrassem mais na reputação da cantora como uma mulher franca - embora ocasionalmente sem humor e estridente - do que no SNL. 

Enquanto isso, protestos, ameaças de morte e shows cancelados seguiram o rasto da cantora, com um golpe publicitário anti-O'Connor no Times Square vendo uma escavadeira achatando uma pilha dos seus discos. A outrora cantora no topo das paradas nunca recuperou verdadeiramente uma posição nas músicas de  sucesso norte-americanas.

Ainda gravando hoje aos 55 anos, O'Connor encontrou sucesso contínuo noutros países, mesmo com sua longa e histórica história de problemas pessoais e mentais atormentando a estrela problemática, incluindo a chocante morte por suicídio de seu filho Shane em janeiro de 2022. Quanto a  alegação de O'Connor de que a Igreja Católica e o Papa João Paulo II foram responsáveis por permitir incontáveis ofensas contra crianças na Irlanda e em todo o mundo, bem, a história justificou pelo menos as acusações então tabus que a jovem cantora fez ao vivo na TV norte-americana, mesmo se o dano à sua carreira ainda persiste.

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Grandes marcas destroem roupa que tinham prometido reciclar – investigação


Um par de calças doado à C&A foi queimado num forno de cimento e uma saia doada à H&M viajou 24.800 quilómetros, de Londres até um terreno baldio no Mali.

A maior parte das roupas doadas a grandes marcas, que prometem reutilizá-las ou reciclá-las, é na verdade destruída, deixada em armazéns ou enviada para África, segundo uma investigação divulgada esta segunda-feira.

A investigação, da responsabilidade da organização “Changing Markets Foundation”, com sede nos Países Baixos, indica que várias cadeias internacionais “deitam fora roupas que prometeram salvar”. E trata-se de roupa, diz a organização, em perfeitas condições.

A organização não-governamental (ONG) explica num comunicado que usou “air tags” da Apple (dispositivos que enviam a localização) e assim conseguiu rastrear 21 peças de roupa usada, em perfeitas condições. Os artigos foram doados às lojas H&M, Zara, C&A, Primark, Nike, The North Face, Uniqlo e M&S na Bélgica, França, Alemanha e Reino Unido, e outros doados a uma grande cadeia de vendas online.

Grandes marcas comprometem-se a reciclar, produzir menos resíduos, acabar com produtos químicos perigosos, e fazem ofertas para quem entregar roupa em segunda mão, que dizem será para reciclar ou reutilizar.

Segundo a organização, apesar das promessas, três quartos dos artigos (16 em 21) foram destruídos, deixados em armazéns ou exportados para África, onde cerca de metade da roupa usada é retalhada para outras utilizações ou abandonada.

A “Changing Markets Foundation” dá exemplos: um par de calças doado à M&S foi destruído numa semana, outro par doado à C&A foi queimado num forno de cimento, uma saia doada à H&M viajou 24.800 quilómetros, de Londres até um terreno baldio no Mali, onde parece ter sido despejada. Três artigos acabaram na Ucrânia, onde as regras de importação foram flexibilizadas devido à guerra. Apenas cinco artigos dos 21 foram reutilizados na Europa ou acabaram numa loja de revenda.

“A maior parte dos programas promete explicitamente não deitar fora a roupa utilizável. Mas nenhuma das marcas mencionadas mantém registos públicos sobre o destino das roupas que lhes são doadas. Em vez disso, entregam-nas a empresas especializadas em reutilização, reciclagem e eliminação final” diz a ONG no comunicado.

Urska Trunk, da ONG, diz citada no documento que as promessas das lojas são mais um truque de “lavagem ecológica” (greenwashing), porque os artigos doados em perfeitas condições são na sua maioria destruídos, deixados em armazéns ou enviados para o outro lado do mundo.

A “Changing Markets” lembra que a União Europeia está a reforçar as regras em matéria de resíduos e pede uma lei forte, que contemple objetivos obrigatórios de reutilização e de reciclagem.

O “greenwashing” é uma estratégia de publicidade através da qual uma empresa poluidora pretende fazer passar uma imagem de responsabilidade ambiental, que na verdade não tem.

Encontros Improváveis - Victor Hugo e Emmy Lou Packard

Emmy Lou Packard - "California morning", 1984

"É triste pensar que a natureza fala e que o género humano não a ouve." ~ Victor Hugo.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Mais de 50ºC no Vale da Morte, 45,3ºC na Catalunha: ondas de calor serão "mais frequentes" no futuro (e este verão "pode ser considerado fresco" para o que aí vem)


Os cientistas indicam que as ondas de calor "já não são acontecimentos excecionais" e as que ocorrerem "serão ainda mais intensas e mais frequentes"

Um estudo, divulgado esta terça-feira, concluiu que, sem as alterações climáticas, as atuais vagas de calor na Europa e nos Estados Unidos teriam sido "praticamente impossíveis".

Mais de 50 graus no Vale da Morte, nos Estados Unidos, um recorde histórico de 45,3°C na Catalunha [Espanha], mais de 43°C em Phoenix [EUA] nos últimos 24 dias: sem as alterações climáticas, estas vagas de calor teriam sido "praticamente impossíveis" na Europa e nos Estados Unidos, indicou a rede científica World Weather Attribution (WWA).

A WWA, que avalia a relação entre os fenómenos meteorológicos extremos e as alterações climáticas, considerou igualmente que as alterações climáticas tornaram a vaga de calor na China "pelo menos 50 vezes mais provável".

Estas ondas de calor "já não são acontecimentos excecionais" e as que ocorrerem "serão ainda mais intensas e mais frequentes se as emissões [de gases com efeito de estufa] não forem reduzidas rapidamente", concluíram os investigadores.

Embora fenómenos naturais, como os anticiclones e o 'El Niño', possam contribuir para desencadear estas ondas de calor, a subida "das temperaturas globais devido à queima de combustíveis fósseis é a principal razão pela qual são tão graves", sublinhou a WWA.

Para chegar a estas conclusões, os autores do estudo - sete cientistas dos Países Baixos, do Reino Unido e dos Estados Unidos - utilizaram dados meteorológicos históricos e modelos climáticos para comparar o clima atual e o aquecimento global de 1,2 graus com o que era no passado.

Estes resultados foram publicados sem passar pelo longo processo de uma revisão por pares, mas combinam métodos já aprovados pelos pares.

Os cientistas prestaram especial atenção aos períodos em que o calor foi "mais perigoso", ou seja, de 12 a 18 de julho no sul da Europa, de 1 a 18 de julho no oeste dos Estados Unidos, Texas e norte do México, e de 5 a 18 de julho no centro e leste da China.

Os responsáveis salientaram que o aquecimento global está a agravar a intensidade das temperaturas: com o aquecimento global, as ondas de calor na Europa são 2,5°C mais quentes, as da América do Norte são 2°C mais quentes e as da China são 1°C mais quentes, indicou a WWA.

Este mês pode ser "o julho mais quente de que há registo"

De acordo com a NASA e o observatório europeu Copernicus, este mês "deverá tornar-se no julho mais quente de que há registo".

"No passado, estes acontecimentos teriam sido aberrantes. Mas, no clima atual, podem ocorrer aproximadamente de 15 em 15 anos na América do Norte, de 10 em 10 anos no sul da Europa e de cinco em cinco anos na China", explicou Mariam Zachariah, cientista do Imperial College de Londres, que contribuiu para o estudo, num briefing telefónico.

Estas ondas de calor "tornar-se-ão ainda mais frequentes e ocorrerão de dois em dois ou de cinco em cinco anos" se o aquecimento global atingir os 2ºC, "o que poderá acontecer dentro de cerca de 30 anos, a menos que todos os países signatários do Acordo de Paris implementem plenamente os atuais compromissos para reduzir rapidamente as emissões", acrescentou.

Este início de verão "pode tornar-se a norma (...) e até ser considerado fresco se não atingirmos a neutralidade carbónica", sublinhou a climatologista britânica Friederike Otto.

Na opinião de Otto, "os resultados deste estudo de atribuição não são uma surpresa. (...) De um ponto de vista científico, é até irritante, porque apenas confirma o que previmos. Mas o que não prevíamos era o quão vulneráveis somos aos efeitos do aquecimento global. Porque ele mata pessoas", insistiu.

No entanto, "estas ondas de calor não são a prova de um 'aquecimento global descontrolado' ou de um 'colapso climático'. Ainda temos tempo" para inverter a situação, disse a cientista.

"Precisamos urgentemente de parar de queimar combustíveis fósseis e trabalhar para reduzir as nossas vulnerabilidades. Se não o fizermos, dezenas de milhares de pessoas continuarão a morrer", afirmou Otto, que considera "absolutamente essencial" que a legislação internacional sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis seja adotada na 28.ª Conferência da ONU sobre o Clima (COP), no Dubai, em novembro.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Amor de mãe elefante - Elephant mother love


Há fotografias que nos marcam. Como é possível abater elefantes? O tráfico de marfim? Em circos?

Os elefantes africanos são os maiores mamíferos terrestres do mundo, com os machos, em média, atingindo até 3m de altura e pesando até 6 toneladas.

Após o declínio populacional ao longo de várias décadas devido à caça ilegal de marfim e perda de habitat, o elefante africano da floresta está agora listado como criticamente ameaçado. O elefante africano da savana também está listado como ameaçado de extinção na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da UICN.

O número de elefantes africanos da floresta caiu mais de 86% num período de 31 anos, enquanto a população de elefantes africanos da savana diminuiu pelo menos 60% nos últimos 50 anos, de acordo com as avaliações. Ambas as espécies sofreram declínios acentuados desde 2008 devido a um aumento significativo da caça furtiva, que atingiu o pico em 2011, mas continua a ameaçar as populações. Atualmente, existem cerca de 415.000 elefantes africanos em estado selvagem.

Outras grandes ameaças para ambas as espécies de elefantes africanos incluem a conversão contínua dos seus habitats naturais para agricultura e outros usos da terra.

Estamos a fazer o tudo o que podemos para ajudar, desde a monitorização de rebanhos até o treino de guardas florestais comunitários e a proteção do habitat. Ao proteger os elefantes, também estamos a ajudar a apoiar as comunidades locais por meio de medidas para reduzir o conflito entre humanos e elefantes e iniciativas para apoiar os meios de subsistência locais. Precisamos da sua ajuda para protegê-los.

Poque é que os elefantes africanos são tão importantes
Os elefantes desempenham um papel essencial no seu ambiente. Eles são “arquitetos paisagistas” – por exemplo, enquanto se movem e se alimentam, eles criam clareiras em áreas arborizadas, o que permite que novas plantas cresçam e as florestas se regenerem naturalmente.

E depois há a dispersão de sementes. Quando os elefantes comem plantas e frutas com sementes, as sementes muitas vezes ressurgem sem serem digeridas. É assim que muitas plantas se espalham. E os elefantes podem comer sementes grandes que animais pequenos não podem.

Sem os elefantes, a estrutura natural e o funcionamento das suas paisagens seriam muito diferentes, o que teria impactos na restante vida selvagem e nas pessoas que partilham aquele espaço.

A população local depende dos recursos naturais encontrados nos habitats dos elefantes, por exemplo, para alimentação, combustível e rendimento. Como um dos “cinco grandes” da vida selvagem de África, os elefantes são populares entre os turistas, o que pode ser uma importante fonte de rendimento para as comunidades.

Ao ajudar a proteger os elefantes, também ajudamos a garantir que seu ambiente e seus recursos naturais estejam disponíveis para as próximas gerações.

Música do BioTerra: Wire - Ahead


Lips growing for service
Eyes steady for peeling
Bring on the special guest
A monkey caught stealing
Standard rewards in corners
Is full-board in new quarters
Kneeling for pleasure
Ensures a good time

I remember, I remember
Making the body search
I remember, I remember
Making the body search

Someone is taking you
Someone has taken me
TV doesn't understand
A word that matters

Scattering desires to
Smouldering fires
Someone has taken you
Someone is taking me

I remember
Making the body search
That is was nothing
But enough for ahead

domingo, 23 de julho de 2023

Música do BioTerra : Slow Pup - Slugs


Quiet, c'mon and give me a kiss
I guess that I wasn't over it
Perfect, all the ways I know we
Fit together, I think I want back in
Oh, when it, it all ends again
What if I tell you that
You'll be playing in my head

'Cause you're a summer hit
I'm singing it
You're a summer hit
I'm singing it

Listen, I wanna tell you how I've been
That I want you despite my defense
Trust in all the things I never said
I'm sorry I haven't been honest
But when it, it all ends again
What if I tell you that
You'll keep playing in my head

Bibiografia e Discografia

Página Ofial

Caos climático marca o mês de Julho na Terra. Os avisos da NASA e de outros cientistas

Gavin Schmidt, cientista da NASA, avisa que Julho será provavelmente o mês mais quente da Terra. Outros investigadores notam que o actual caos climático vai deixar marcas na terra e no mar.


Vários especialistas climáticos da agência espacial norte-americana (NASA) reuniram-se esta semana em Washington. "Estamos a assistir a mudanças sem precedentes em todo o mundo", constatou Gavin Schmidt, director do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, que deixou o alerta sobre o que ainda está por vir. Julho de 2023 será provavelmente o mês mais quente do mundo em "centenas, se não milhares, de anos", afirmou o climatologista, citado pela agência AFP.

O caos que se instalou um pouco por toda a parte neste mês de Julho colocou a crise climática bem à vista de todos. Incêndios alimentados por dias consecutivos de calor excessivo, vagas de altas temperaturas que se arrastam por semanas com recordes a ser quebrados em muitos países afectando sobretudo os continentes da Europa, América e Ásia, inundações de grandes proporções que causam vítimas mortais.

As ondas de calor deverão persistir em grande parte do mundo durante o mês de Agosto, disse esta sexta-feira um especialista da Organização Meteorológica Mundial (OMM), na sequência das temperaturas recorde registadas nas últimas semanas.

A OMM disse no início desta semana que esperava que as temperaturas na América do Norte, Ásia, Norte de África e Mediterrâneo fossem superiores a 40 graus Celsius "durante um número prolongado de dias desta semana, à medida que a onda de calor se intensifica". "Devemos esperar, ou pelo menos planear, que estas ondas de calor extremas continuem até Agosto", disse à Reuters John Nairn, conselheiro sénior para o calor extremo da OMM.

Este mês de Julho já conta com algumas quebras de recordes diários, de acordo com ferramentas geridas pela União Europeia e pela Universidade do Maine, nos EUA, que combinam dados terrestres e de satélite em modelos para gerar estimativas. Os dados divulgados não são ainda os dados finais, mas “a tendência para o calor extremo é inconfundível e irá provavelmente reflectir-se nos relatórios mensais mais robustos emitidos mais tarde pelas agências norte-americanas”, referiu esta semana Gavin Schmidt durante uma conferência de imprensa da NASA, citado pelas agências internacionais.

Ler notícia completa aqui

sábado, 22 de julho de 2023

Rita Matias disse que ia distribuir estudo do IPCC que afinal não existe com conclusão que também não existe

Não seja mentirosa, Rita Matias. Primeiro não existe um relatório IPCC em 1989. Depois, há de facto aquecimento global e o lóbi da indústria petrolífera faz todos os possíveis para o contestar. A Ciência desdiz o que disse.


"A senhora deputada vai sempre encontrar uma referência qualquer científica, mas eu queria-lhe explicar o que é o painel do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas): tem 195 membros, países. É um contributo internacional alargadíssimo. Existe desde 1988, faz parte das Nações Unidas. Não é um contributo de uma pessoa, como a senhora deputada cita, são 195 membros. Não é uma coisa que se rebate com um cientista, é um consenso generalizado do ponto de vista científico que tem um trabalho de décadas e que nos diz quais são as consequências do impacto das alterações climáticas. Ignorar isto é muito arriscado", desafiou o ministro do Ambiente.

Pouco depois, Rita Matias alertava o presidente daquela Comissão Parlamentar, Tiago Brandão Rodrigues, deputado do PS, de que o seu partido iria fazer chegar aos serviços um "relatório do IPCC de 1989 que dizia que algumas nações poderiam estar submergidas nos anos 2000. Pasmem-se, chegamos a 2023 e nenhuma das nações foi submersa (sic). Este relatório foi feito pelos 195 membros, pelo orgão enaltecido pelo ministro. Às vezes as predições falham".

Na terceira e última parte daquela audição, Tiago Brandão Rodrigues avisou que o documento já tinha sido distribuído, mas fez questão de confrontar Rita Matias com a natureza do suposto "relatório": "Senhora deputada, quero dizer-lhe uma coisa, na dialética parlamentar não serve tudo. A senhora deputada disse que ia distribuir um relatório do IPCC, que era importante para entender um conjunto de questões sobre a posição do IPCC em relação às alterações climáticas, mas fez-nos distribuir uma notícia, sem fonte ou data, praticamente não se consegue ler. Não pode dizer que vai distribuir uma coisa e distribuir outra completamente diferente. Parecia que trazia um livro que era quase uma obra mundial e depois traz um livro do 'Tio Patinhas'. Só queria saber onde está o relatório do IPCC."

O relatório de 1989 não existe e Matias acaba por confirmá-lo já no fim da audição ao ministro do Ambiente: "A referência que eu fiz era à UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). A notícia que divulguei tinha aquilo que referi, a questão de estar predito que algumas zonas estariam inundadas à data de hoje, que é uma questão que não existe."


"The Oshkosh Northwestern". É este o nome do jornal onde consta a peça partilhada por Rita Matias, na sua edição de 30 de junho de 1989. A notícia, distribuída pela Associated Press (AP) um dia antes, tem por base uma entrevista o diretor da sede de Nova York do UNEP. O primeiro parágrafo dizia: "Alto funcionário ambiental da ONU diz que nações inteiras podem ser apagadas da face da Terra por causa do aumento do nível do mar se a tendência do aquecimento global não for revertida até ao ano 2000."

Este funcionário da ONU era Noel Brown, na altura diretor regional do UNEP, que, alerta-se, não era cientista. Embora reconhecidamente alarmistas, as declarações deste alto funcionário da ONU foram muitas vezes distorcidas, nomeadamente por Rita Matias, que sugeriu que a declaração de Brown significava que as nações estariam submersas no ano 2000. Na verdade, Brown empurrava a consequência para um futuro mais distante. Isto, "se a tendência do aquecimento global não for revertida até 2000." Os cenários nos artigos citados pela AP descreveram projeções que mencionavam inclusivamente o ano 2100.

No final da década de 1980, mais precisamente em novembro de 1988, o UNEP e a Organização Meteorológica Mundial criaram o IPCC e "direcionaram-no para avaliar a ciência, os impactos e as possíveis respostas às alterações climáticas globais". Como parte dessa criação, foi realizada uma conferência em Miami que se prolongou de 27 de novembro a 1º de dezembro de 1989  e que "focou nas implicações do aumento do nível do mar para a África Ocidental, as Américas, a Bacia do Mediterrâneo e o resto da Europa".

Brown, o funcionário do UNEP, parece ter feito referência a declarações feitas em artigos preparados para esta conferência, como um relatório da EPA publicado em maio de 1990 e intitulado "Mudança do Clima e da Costa: Respostas Adaptativas e as suas Implicações Económicas, Ambientais e Institucionais". Este artigo incluía projeções futuras para inundações em países de baixa elevação. Apesar disso, nenhum destes artigos científicos assegurou que isso aconteceria até 2000.

Gráfico mostrando a elevação exponencial das emissões globais de carbono entre 1800 e 2007 dos setores do petróleo, gás natural, carvão, produção de cimento e desperdício. A escala é na ordem de biliões de toneladas anuais. Em 2007  aproximou-se dos dez biliões.

Fonte: aqui e aqui

Decrescimento: uma resposta a Branko Milanovic


No final de 2017, Branko Milanovic escreveu uma postagem no blog intitulada “A ilusão do decrescimento num mundo pobre e desigual ”. Ele o escreveu, diz ele, após uma conversa que teve com um defensor do decrescimento, que era eu. Escrevi uma resposta, que atualizei aqui para maior clareza e para dar conta de novos dados.

Para recapitular o argumento de Milanovic: ele imagina um cenário em que limitamos o PIB global aos níveis atuais. Os países pobres então aumentam seu PIB per capita para a média global, enquanto os países ricos diminuem seu PIB per capita de acordo. Ele diz que isso implicaria uma redução da produção e do consumo no Ocidente, com a atividade econômica reduzida a um terço de seu tamanho atual.

Para Milanovic, isso é distópico: “Fábricas, comboios, aeroportos, escolas funcionariam um terço do horário normal; eletricidade, aquecimento e água quente estariam disponíveis 8 horas por dia; os carros podem ser conduzidos um dia em cada três; trabalharíamos apenas 13 horas por semana, etc. - tudo para produzir apenas um terço dos bens e serviços que o Ocidente está produzindo agora. Milanovic chama isso de “o empobrecimento do Ocidente” e o descarta como “nem mesmo vagamente provável de encontrar qualquer apoio político em qualquer lugar”. Esqueça isso, ele diz; precisamos de crescimento. Em vez disso, vamos nos concentrar em reduzir nosso consumo de bens e serviços intensivos em emissões, tributando-os, e “pensar em como as novas tecnologias podem ser aproveitadas para tornar o mundo mais ecológico”.

A visão de Milanovic aqui sofre de uma série de falhas empíricas e analíticas. Deixe-me tentar explicar alguns deles:

1. O PIB médio mundial não é distópico; é mal distribuído e mal utilizado
Primeiro, um pequeno ponto para corrigir o registro. O PIB médio mundial per capita é de US$ 17.600 (PPC). Isso não é distópico. Pelo contrário, é mais ou menos consistente com o limite do Banco Mundial para “alto rendimento”.

Isso é bem superior ao que está associado a níveis muito elevados de desenvolvimento humano. De acordo com o PNUD, algumas nações pontuam “muito alto” (0,8 ou mais) no índice de expectativa de vida com apenas US$ 3.300 per capita (e acima de 0,9 com apenas US$ 8.000) e “muito alto” no índice de educação com apenas US$ 8.700 per capita. Na verdade, as nações podem ter sucesso em todos os principais indicadores sociais representados pelos ODS – não apenas saúde e educação, mas também emprego, nutrição, apoio social, satisfação com a vida etc. – com apenas US$ 10.000 per capita.

Noutras palavras, em teoria poderíamos alcançar todos os nossos objetivos sociais, para cada pessoa no mundo, com muito menos PIB do que temos atualmente, simplesmente investindo em bens públicos e distribuindo renda e oportunidade de forma mais justa (agora os 5% mais ricos capturam quase metade do PIB global), mesmo dentro da lógica dos quadros económicos realmente existentes.

Mas tudo isso é irrelevante para a questão em questão, porque:

2. Decrescimento não é redução do PIB; é sobre recursos e energia
Este é o primeiro erro de Milanovic. Decrescimento não é redução do PIB. Em vez disso, trata-se de reduzir o excesso de recursos e produção de energia, ao mesmo tempo em que melhora o bem-estar humano e os resultados sociais; a literatura é bastante clara sobre isso. Do ponto de vista da ecologia, isso é o que importa.

Neste momento, o uso global de recursos é de cerca de 100 biliões de toneladas por ano; aproximadamente o dobro do que os cientistas consideram ser um nível sustentável. Este é um dos principais impulsionadores da degradação ecológica e da perda de biodiversidade. O uso global de energia também é muito alto. O IPCC deixa claro que precisamos reduzir significativamente o uso global de energia (de 400 EJ hoje para cerca de 240 EJ até 2050) para permitir a transição para energias renováveis ​​com rapidez suficiente para ficar abaixo de 1,5°C ou 2°C (Grubler et al 2018; IPCC 2018).

Crucialmente, o uso excessivo de recursos e energia está sendo conduzido por nações ricas, não por nações pobres. Assim, as nações ricas precisam reduzir o seu uso de recursos e energia. Aceitamos que a redução do rendimento agregado de recursos e energia provavelmente levará a uma taxa mais lenta de crescimento do PIB, ou talvez até mesmo a uma redução do PIB; tudo depende da taxa de eficiência. Mas mesmo que o PIB acabe caindo, tudo bem, como veremos. E isso me leva ao próximo ponto:

3. Quando se trata de bem-estar humano, contar o PIB é irrelevante
O segundo erro de Milanovic é que ele assume uma relação de um para um entre o PIB e o bem-estar humano. Quando você parte dessa suposição, é provável que conclua (como faz Milanovic) que estamos numa situação de escassez: claramente não há o suficiente para que todos vivam bem e precisamos de mais (apesar do ponto 1). Mas esse raciocínio é problemático porque o PIB não é, e nunca teve a intenção de ser, uma medida substituta do bem-estar humano. Em vez disso, é uma medida do valor monetário das mercadorias que produzimos e trocamos por dinheiro. Sem surpresa, não há relação causal entre o PIB e os resultados sociais. Usá-lo para esse fim não é científico.

O que realmente importa para o bem-estar humano é o abastecimento – em outras palavras, o acesso das pessoas aos recursos de que precisam para viver vidas longas, saudáveis ​​e prósperas. A razão pela qual o PIB é uma métrica inadequada aqui é porque ele contabiliza apenas uma fatia muito estreita da atividade econômica; especificamente, o que tem a ver com o valor de troca da mercadoria. Não contabiliza todas as formas de aprovisionamento; na verdade, muito do provisionamento do qual dependemos é totalmente ignorado e irrelevante para o PIB. Milanovic sabe disso .

Portanto, é bem possível que o PIB suba enquanto o provisionamento diminui; por exemplo, se o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido fosse privatizado, o PIB aumentaria, mas o acesso das pessoas aos serviços de saúde seria reduzido (o mesmo vale para praticamente todas as formas de privatização ou confinamento). Da mesma forma, o PIB pode cair enquanto o provisionamento melhora; por exemplo, se o governo do Reino Unido impusesse controles de aluguel ou restaurasse a habitação pública, o PIB poderia sofrer um impacto, mas as pessoas teriam acesso mais fácil à habitação. Essa troca é conhecida como Paradoxo de Lauderdale.

Agora, quando pensamos na questão de provisionamento de recursos, o quadro muda um pouco. Fica claro que não há escassez alguma. Pesquisas recentes descobriram que poderíamos acabar com a pobreza global e garantir uma vida próspera para todos no planeta (para 10 bilhões de pessoas em meados do século), incluindo saúde e educação universais, com 60% menos energia do que usamos atualmente (150 EJ, ​​bem dentro do que é considerado compatível com 1,5ºC ) . Quanto ao uso de recursos, sabemos que nações de alto rendimento poderiam atender às necessidades materiais de seus cidadãos em alto padrão, com até 80% menos uso de recursos , trazendo-os de volta ao limiar sustentável.

Deste ângulo, fica claro que o capitalismo é altamente ineficiente quando se trata de atender às necessidades humanas; produz tanto e ainda deixa 60% da população humana sem acesso até mesmo os bens mais básicos. Por quê? Porque uma grande parte da produção de commodities (e toda a energia e materiais necessários) é irrelevante para o bem-estar humano. Considere esta experiência mental: Portugal tem resultados sociais significativamente melhores do que os Estados Unidos, com 65% menos PIB per capita. Isso significa que US$ 38.000 do rendimento per capita dos Estados Unidos são efetivamente "desperdiçados". Isso soma US$ 13 triliões por ano para a economia americana como um todo; US$ 13 triliões em extração, produção e consumo a cada ano, e US$ 13 triliões em pressão ecológica, que nada acrescentam, por si só, ao bem-estar humano. É dano sem ganho.

Isso não deveria ser uma surpresa, porque o objetivo do capitalismo é a extração de excedentes, a acumulação da elite e o reinvestimento para expansão – não atender às necessidades humanas. Na medida em que o sistema atende às necessidades humanas, isso geralmente é resultado de intervenções políticas (ou seja, sindicatos, direitos dos trabalhadores, sector público, etc.).

É irracional esperar que um sistema organizado em torno do aumento da extração e acumulação irá, de alguma forma, melhorar automaticamente os resultados sociais. Se melhorar os resultados sociais é o nosso objetivo, faz muito mais sentido atingi-lo diretamente, organizando a economia primeiro em torno do que sabemos ser necessário para o florescimento humano, em vez de apenas aumentar o PIB indiscriminadamente e esperar que ele satisfaça magicamente as necessidades das pessoas. E quando se trata de bem-estar humano (ou seja, saúde, educação, longevidade, felicidade, satisfação com a vida), os dados são claros: o que importa são os serviços públicos universais, empregos significativos, democracia e uma distribuição justa de renda.

4. Não é o salário em si que conta; é o poder de compra do bem-estar do salário
Os serviços públicos universais são importantes para esta visão por uma série de razões. Primeiro, eles são mais económicos e menos ecologicamente intensivos do que seus equivalentes privados (noutras palavras, você obtém mais provisionamento com menos impacto). Por exemplo, o sistema público de saúde da Espanha gera resultados significativamente melhores do que o sistema dos EUA (a expectativa de vida da Espanha é cinco anos a mais) com menos de um quarto do custo e uma fração das emissões. O transporte público é menos intensivo do que os carros particulares. A água pública é menos intensiva do que a água engarrafada. etc.

Em segundo lugar, os serviços públicos melhoram o "poder de compra do bem-estar" das rendas. Por exemplo: se as pessoas nos Estados Unidos não tivessem que pagar preços exorbitantes por saúde e educação superior, precisariam de muito menos renda para viver bem. Em resumo, a contabilidade de renda de Milanovic não tem sentido porque não é a renda em si que importa; é o que as pessoas podem comprar com essa renda, em termos de bens de que precisam para viver bem. É o poder de compra da renda que conta.

E o poder de compra da renda do bem-estar não é estático; pode ser significativamente melhorado. Na verdade, esse é o objetivo do decrescimento. Pesquisas em economia ecológica deixam claro que desmercantilizar os bens públicos e fechar os bens comuns é uma boa maneira de aliviar a pressão do planeta, porque permite que as pessoas acessem os bens de que precisam para viver bem sem precisar de altas rendas para fazê-lo (o que também significa menos pressão para trabalhar e produzir coisas desnecessárias, o que, por sua vez, significa menos pressão para o consumo em outras partes do sistema). Em outras palavras, inverte o paradoxo de Lauderdale.

5. O decrescimento não busca reduzir todos os setores; apenas desnecessários e destrutivos
Milanovic imagina um cenário em que todos os setores da economia são reduzidos a um terço da sua capacidade atual: fábricas, aeroportos e escolas, em igual medida. Se isso acontecesse, seria realmente desastroso. Mas não é isso que o decrescimento exige; e, novamente, isso é algo que Milanovic saberia se lesse a literatura.

Na economia existente, operamos com base no pressuposto de que todos os setores devem crescer, todos os anos, para sempre, independentemente de realmente precisarmos ou não. Em outras palavras, há uma espécie de lógica totalitária no growthismo. Não é preciso muito para perceber que isto é um absurdo, tanto em termos de necessidades humanas quanto de ecologia. O decrescimento exige uma abordagem mais razoável: vamos conversar sobre quais setores ainda precisam crescer (como energia renovável, serviços públicos, trens, etc.), quais setores já são grandes o suficiente e quais setores são muito grandes e precisam decrescer significativamente (ou seja, combustíveis fósseis, SUVs, publicidade, obsolescência planejada, McMansões, armas, carne bovina industrial, jatos particulares etc. ) .

Num cenário real de decrescimento, o objetivo seria reduzir a produção ecologicamente destrutiva e socialmente menos necessária (o que alguns podem chamar de parte do valor de troca da economia), ao mesmo tempo em que protege e até melhora partes da economia organizadas em torno do bem-estar humano e da regeneração ecológica (a parte do valor de uso da economia). Por outras palavras, é o oposto do cenário de miserabilidade de Milanovic.

6. O crescimento verde não é uma coisa
Milanovic acredita que a tecnologia virá em nosso socorro e tornará o crescimento “verde”. Infelizmente, há um forte consenso contra essa suposição. Revimos as evidências empíricas relevantes aqui (“ É possível o crescimento verde? ”), examinando as emissões de CO2 e o uso de recursos.

Resumidamente, sobre o CO2, a questão não é se o PIB pode ser dissociado das emissões (sabemos que pode ser), a questão é se isso pode ser feito com rapidez suficiente para permanecer dentro de orçamentos de carbono seguros e, ao mesmo tempo, aumentar o PIB. E a resposta para isso é não. Mais crescimento implica em mais uso de energia, e mais uso de energia torna ainda mais difícil atender a essa demanda com energias renováveis. Os únicos cenários que conseguem reduzir as emissões com rapidez suficiente para nos manter abaixo de 1,5 ou 2°C envolvem uma redução no uso de recursos e energia (em outras palavras, decrescimento). Eu discuto isso com mais profundidade aqui . Esta revisão de 2020 examina 835 estudos empíricos e conclui que a dissociação por si só não é adequada para atingir as metas climáticas; requer o que os próprios autores chamam de cenários de “decrescimento”.Este artigo na Nature Sustainability chega a conclusões semelhantes.

Quanto aos recursos: o uso de recursos continua a aumentar junto com o PIB (apesar de melhorias significativas de eficiência e uma mudança significativa para serviços e conhecimento como parcela do PIB) e, de fato, todos os modelos existentes indicam que é improvável que ocorra dissociação absoluta, mesmo sob fortes condições políticas. Veja aqui e aqui para mais.

Ward et al (2016) descobrem que mesmo as projeções mais otimistas de melhorias de eficiência não produzem dissociação absoluta no médio e longo prazo. Os autores afirmam: “este resultado é uma refutação robusta à alegação de dissociação absoluta”; “a dissociação do crescimento do PIB do uso de recursos, seja relativo ou absoluto, é, na melhor das hipóteses, apenas temporária. O desacoplamento permanente (absoluto ou relativo) é impossível… porque os ganhos de eficiência são, em última instância, regidos por limites físicos.” Schandl et al (2016) encontram a mesma coisa. Mesmo em sua projeção de melhor cenário, o consumo global de materiais ainda cresce de forma constante. Os autores concluem: “Nossa pesquisa mostra que, embora algum desacoplamento relativo possa ser alcançado em alguns cenários, nenhum levaria a uma redução absoluta na pegada de energia ou materiais”.

Nossa revisão foi publicada em 2019 e a literatura sobre isso cresceu desde então: ou seja, aqui e aqui o último artigo revê 179 estudos sobre dissociação publicados desde 1990 e não encontra “nenhuma evidência de dissociação absoluta de recursos em toda a economia, nacional ou internacional, e nenhuma evidência do tipo de dissociação necessária para a sustentabilidade ecológica”. Aqui está uma meta-análise de 2020 de todos os dados disponíveis sobre PIB e uso de recursos, que chega à mesma conclusão.

Em suma, é irracional esperar, contra as evidências, que o nosso sistema económico atual proporcione os resultados de desenvolvimento que desejamos e, ao mesmo tempo, reverta o colapso ecológico. Precisamos ser mais espertos do que isso. O decrescimento fornece uma alternativa empiricamente informada: um caminho para reduzir o excesso de recursos e uso de energia e, ao mesmo tempo, garantir uma vida próspera para todos. Dados os riscos da crise que enfrentamos, devemos estar abertos a novos pensamentos.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Capitalismo anal


A discussão em torno do texto que publiquei no semanário Sol, intitulado "A Questão do Cocó: Um estudo de caso" (14 de Julho de 2023), justifica algumas linhas de reflexão.
A primeira é que o ânus é um tema que importa desmistificar e tirar do seu lugar de vergonha. Falar do ânus não devia ser visto como uma coisa obscena, ilegítima, escandalosa. Nem os leitores se deveriam sentir atingidos ou violentamente perturbados na sua normalidade sexual (por exemplo, quando se utiliza o cocó como uma representação substitutiva do pénis).
O ânus não é um sujeito impuro, nem representa um perigo social, pode e deve ter lugar no espaço público. Se provoca riso e desprezo é porque também fascina e possui a atracção da vertigem (e a vertigem, segundo Freud, é sexual...).
Como se sabe (ou devia saber-se), o ânus foi o primeiro órgão do corpo humano a ser expulso do espaço público: "As nossas sociedades modernas procederam a uma vasta privatização dos órgãos, que corresponde à descodificação dos fluxos que se tornaram abstractos. O primeiro órgão a ser privatizado, colocado fora do campo social, foi o ânus, que se tornou o modelo da privatização enquanto o dinheiro passou a exprimir o novo estado de abstracção dos fluxos. Daqui a relativa verdade das observações psicanalíticas sobre o carácter anal da economia monetária. Mas a ordem 'lógica' é a seguinte: substituição dos fluxos codificados pela quantidade abstracta; desinvestimento colectivo dos órgãos que se faz segundo o modelo do ânus" (Gilles Deleuze & Felix Guattari, O Anti-Édipo (1972). É este o verdadeiro processo histórico que tem de ser tido em conta.
De acordo com Néstor Perlongher, a privatização do ânus e a sua exclusão do campo social (e dos circuitos de produção de prazer) serviram para construir o corpo heterossexual masculino, mas também para instaurar o poder da racionalidade sobre o corpo e a sedução dos prazeres.
Assim, falar de construção biopolítica do corpo, como fez Michel Foucault, é falar do processo de racionalização que conduziu à diferenciação dos órgãos do corpo humano e que atribuiu, para cada um deles, funções associadas estritamente ou à masculinidade ou à feminilidade. Ao mesmo tempo, definiram-se as fronteiras entre as práticas consideradas normais e as práticas consideradas patológicas.
Ao longo do tempo e da história, verificou-se, segundo Deleuze & Guattari, um desinvestimento colectivo no ânus: "Não é o anal que se propõe à sublimação, é a sublimação que é completamente anal; assim, a crítica mais simples que podemos fazer à sublimação é dizer que ela não nos faz sair da merda (só o espírito é que é capaz de cagar). A analidade é tanto maior quanto mais desinvestido estiver o ânus". Ou, como disse o filósofo Paul B. Preciado, "foi necessário fechar o ânus para sublimar o desejo".
O ânus pode até não estar presente no campo social, mas isso não quer dizer que a sua presença não actue e não produza os seus efeitos (tanto mais fortes quanto nós os deliberadamente reprimirmos).
Dito de outra maneira, a castração colectiva do ânus levou a um sobre-investimento individual nesse órgão, como compensação. Quanto mais repelimos o ânus, mais nos sentimos atraídos por ele, pois a ideia do que está ausente excita-nos mais do que aquilo que está presente.
Durante muito tempo, o ânus esteve submetido a um apagamento sistemático, foi uma barreira intransponível, permanecendo invisível, quer como sujeito, quer enquanto objecto.
Portanto, a questão do ânus não é apenas uma, mas várias: pode o ânus falar? O ânus pode ou não falar? Que ocorre quando o ânus fala? Como tornar o ânus público? Ou, utilizando a sugestão de Paul B. Preciado, em "Terror Anal" (2009), como é que o ânus pode ser uma forma superior de fazer filosofia? Como é possível fazer filosofia mostrando o ânus? Como é possível pensar a partir do ânus, ou através do ânus?
A meu ver, falar do ânus é elevá-lo à visibilidade e ao enunciado, transformando-o numa potência que afirma e que se afirma (Deleuze). É atribuir-lhe agência social e dignidade filosófica, contribuindo para aquilo a que muitos chamam "a revolução do ânus".
O que é a revolução do ânus? É, nada mais simples, dar voz ao ânus, fazendo dele uma arena da acção política contra os saberes hegemónicos que silenciam as narrativas não-hegemónicas.
É olhar para ele como arma de luta política e como tecnologia contracultural, como uma estratégia de constituição de novas possibilidades de existência, de novos estilos de vida, como em Michel Foucault, que era gay e frequentador assíduo, em São Francisco, de backrooms sadomasoquistas; ou em Guillaume Dustan (1965-2005), na sua trilogia auto-pornográfica, onde o autor francês exibe cruamente a sua sexualidade quotidiana na Paris das décadas de 1980 e 1990 (Dans ma chambre, romance de 1996), a noite gay parisiense marginal (Je sors ce soir, 1997) e o sadomasoquismo (Plus fort que moi, diário íntimo de 1998).
Para autores como Paul Preciado, Guy Hocquenghem, Paco Vidarte, Valesca Popuzuda, Javier Sáenz ou Sejo Carrascosa, o simples facto de se mencionar o ânus constitui, em si mesmo, um desafio aos aparelhos ideológicos do Estado e do mercado.
Nesse sentido, é preciso pensar no ânus como uma ferramenta de emancipação, como uma forma de violar um lugar destinado a tabus, enfiando um dedo no cu do capitalismo (Linn da Quebrada e Mulher Pepita).
Como Foucault não se cansou de demonstrar, impor limites ao corpo, delimitando as suas zonas perigosas, que não podem ser ultrapassadas, foi uma das mais poderosas armas de ingerência dos Estados na subjetividade e nos modos de vida dos indivíduos.
Foi no domínio do ânus que se começou por estabelecer uma separação entre o que é vergonhoso e o que é conveniente, que se operou uma distinção entre o que é honroso e o que é desonroso, numa tentativa de anular a certeza das zonas indecisas.
Sem dúvida, a partir dos séculos XVI-XVII, o ânus tornou-se um lugar de medo, de desprezo e de nojo. E, consequentemente, um tema indelicado, inapropriado, transgressor.
Por conseguinte, nomear o ânus é nomear uma coisa silenciada, não-citada, incessantemente remetida ao esquecimento e ao não-questionamento. É desafiar a territorialização do ânus como espaço de interdito nos discursos, como lugar de não-fala, afrontando a moral dominante e as políticas de vigilância de tudo aquilo que tenha que ver com o ânus.
Por outro lado, o que diria Michel Foucault desta mercantilização neoliberal do ânus, na actual moda literária, constituída por obras de autores como Ottessa Moshfegh, Karl Ove Knausgaard, Gary Shteyngart, Michael Ondaatje, Anatole Broyard, Robert Stone ou Sheila Heti?
É verdade que podemos e devemos falar livremente dos verdadeiros temas do nosso tempo, aqueles que são profundamente reveladores do mundo social. Mas a questão, aqui, está no modo algo esquemático como se abordam tais assuntos, a começar por uma excessiva e não menos entorpecente textura psicanalítica sem atenção ao social como processo histórico.
A minha segunda observação refere-se às ligações entre ânus, sexualidade e política.
No final do século XVIII, já o Marquês de Sade, em Filosofia na Alcova, questionava o modelo clássico da cópula pénis-vagina, defendendo que o lugar natural do pénis é no ânus. Segundo esta leitura política do prazer anal, "levar no cu" é uma prática que liberta a mulher da pesada carga da procriação, por não se tratar de uma técnica reprodutiva.
No século XX, Georges Bataille via no ânus um dispositivo de construção de algo palpável, que acrescenta materialidade ao ser humano: é real tudo o que pesa, é real tudo o que pode ser avaliado pelo peso que carregamos no nosso interior. Para ele, a matéria fecal é aquilo que permite um regresso orgânico à nossa animalidade, porque a merda é real em nós.
Dentro da mesma ordem de ideias, Antonin Artaud dizia: "Onde cheirar a merda, cheira a ser. O homem podia muito bem deixar de cagar, deixar de abrir a bolsa anal, mas preferiu cagar como poderia ter preferido viver em vez de consentir em viver morto. É que para não fazer cocó teria de aceder a não ser, mas ele é que não foi capaz de se resolver a perder o ser, isto é, a morrer vivo. Existe no ser algo particularmente tentador para o homem, algo que vem a ser justamente O COCÓ" (excerto de "A Procura da Fecalidade", incluído em Para Acabar de Vez com o Juízo de Deus, seguido de O Teatro da Crueldade", tradução de Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes, edições VS).
O ânus como elemento do prazer sexual remete para a produção de um prazer inútil ou estéril, sem função reprodutora. Pois o ânus, como centro de produção de prazer, não possui género exclusivo, não é masculino nem feminino, não é cisgénero nem não-binário, é um orgão comum a todos.
Privilegiar o ânus sobre o pénis e sobre a vagina tende a eliminar as fronteiras de género, a produzir um curto-circuito na hierarquia da sexualidade heteronormativa e a questionar a dicotomia "heterossexuais e homossexuais", já que tanto uns como outros se penetram no ânus. Daí que este não nos remeta necessariamente para as formas de desejo homossexual.
O gesto de valorizar o ânus como objecto teórico, filosófico e político, justamente, visa confrontar a linguagem hegemónica, o silêncio construído dentro das instituições culturais e da produção do saber.
Mas o ânus não é apenas um lugar que se presta a ser furado, não serve apenas para ser penetrado. Contrariamente à ideia de que se trata de um órgão passivo, penetrado, receptor do pénis (ou de um dildo, um dedo, etc.), o ânus pode desempenhar também um papel activo e penetrador: fazer merda é uma forma de foder o mundo exterior, reporta-nos à sensação de penetrar o real, de fornicar a realidade envolvente.
A complacente voluptuosidade com que se faz merda serve igualmente para anular a oposição "voyeurismo e exibicionismo". Porque, enfim, nem o exibicionismo puro nem o voyeurismo puro existem. Todo o exibicionista é um voyeurista e todo o voyeurista é um exibicionista (o exibicionismo nunca é primário, é um voyeurismo virado contra si, e vice-versa).
Contra os que defendem a reprivatização e a castração do ânus, impondo o pénis e a vagina como significantes despóticos; contra os que acham que o ânus deve permanecer completamente fechado, privatizado, codificado e domesticado; e contra os que pretendem vigiar os fluxos do corpo humano, temos de falar abertamente do ânus, legitimando a sua presença no espaço público.
Termino com Paul B. Preciado: "É necessário filosofar não a golpes de martelo [referência à frase "A filosofia a golpes de martelo", subtítulo da obra de Nietzsche O Crepúsculo dos Ídolos], mas sim de dildos. Já não se trata de romper os tímpanos, mas de abrir o ânus". Ou, como sugere Javier Sáenz, "abre o teu ânus e a tua mente abrir-se-á".
 João Pedro George