segunda-feira, 30 de novembro de 2020

As vacinas contra a Covid-19 poderiam salvar milhões de vidas -- mas há um problema.


Elas pertencem às gigantes da indústria farmacêutica, que não são capazes de produzir o suficiente para todo mundo com rapidez. Os países mais ricos já compraram a maior parte das doses, deixando os países mais pobres para trás.

Mas esse cenário pode mudar. Dentro de poucos dias, os governos votarão um plano global para suspender todas as patentes das vacinas contra a Covid-19, permitindo que a produção seja extremamente ampliada. Até mesmo os países mais pobres poderiam ter acesso! 

Vamos fazer isso acontecer! Adicione seu nome para exigir vacinas para todos, começando com a suspensão das patentes. Depois, compartilhe a petição -- quando atingirmos 1 milhão de assinaturas, a Avaaz entregará nosso apelo a essa cúpula de governos:


As gigantes farmacêuticas argumentam que precisam das patentes e de seus lucros para fazer com que suas pesquisas valham a pena. Mas essas vacinas foram desenvolvidas com bilhões de dólares de dinheiro público -- e um número incontável de vidas está em jogo.

As patentes devem ser suspensas -- e isso já aconteceu antes. Em 2001, após anos de pressão pública, países de todo o mundo concordaram em suspender as patentes dos medicamentos utilizados no tratamento do HIV/Aids, permitindo que versões genéricas e acessíveis fossem desenvolvidas, salvando milhões de vidas. Agora devemos seguir este caminho mais uma vez.

A Índia e a África do Sul, com o apoio de muitas nações em desenvolvimento, acabam de apresentar uma proposta emergencial à Organização Mundial do Comércio pedindo a suspensão temporária das patentes de vacinas e tratamentos relacionados à Covid, até que a pandemia tenha acabado.

Os governos votarão em poucos dias - vamos criar uma enorme onda de apoio público para ajudar a aprovar a proposta emergencial e tornar os tratamentos contra a Covid disponíveis para todos! Adicione seu nome e compartilhe com seus amigos e amigas:

Durante toda a pandemia, nosso movimento lutou por aqueles que foram mais atingidos. Promovemos a cooperação global, apoiamos o alívio de dívidas e doamos milhões para ajudar os mais vulneráveis. Agora, com as vacinas chegando em tempo recorde, vamos nos unir mais uma vez para garantir que ninguém seja deixado para trás. Temos uma oportunidade única de ver o mundo se unir para lutar por um objetivo comum. Vamos agarrá-la com todas as nossas forças!

Com esperança e determinação,

Spyro, Risalat, Ana Paula, Andrea, Marie, Anneke, Patricia, Muriel, Marta, Luis e toda a equipe da Avaaz

Mais Informações:




Petição - Carta aberta por um investimento urgente em Ciência em Portugal


Exmo. Sr. Presidente da República Portuguesa,
Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República,
Dr. Eduardo Ferro Rodrigues

Exmo. Sr. Primeiro-Ministro,
Dr. António Costa

Exmo. Sr. Ministro da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior,
Professor Doutor Manuel Heitor

Na abertura do encontro Ciência 2020, o Sr. Primeiro-Ministro Dr. António Costa afirmou que “Graças à Ciência, vamos conseguir vencer seguramente esta crise”, referindo-se à difícil situação pandémica que vivemos. Em Portugal, inúmeros institutos de investigação congregaram recursos técnicos e humanos no intuito de expandir a capacidade nacional de diagnóstico da COVID-19 e iniciarem projetos de investigação sobre o SARS-CoV-2 dando uma contribuição sem precedentes para a sociedade civil. Em plena pandemia os investigadores portugueses colocaram-se ao serviço da comunidade, voluntariam-se a realizar colheitas, cederam equipamento, cederam mão-de-obra e conhecimento de técnicas de biologia molecular avançadas, desenvolveram os testes fabricados em Portugal e continuam a contribuir para resolver estes e outros problemas do nosso dia-a-dia. É importante, neste contexto, reconhecer que a celeridade da resposta portuguesa é fruto de muitos anos de treino e de considerável investimento, muitas vezes com avanços quase impercetíveis na sociedade, mas que constituem um alicerce sólido para a implementação rápida de projetos de ciência aplicada nesta crise pandémica. Em 2020 a sociedade civil consciencializou-se como nunca da importância da Ciência e da Comunidade Científica.

É, no entanto, com enorme preocupação que assistimos à subvalorização grave da Ciência e da Comunidade Científica no nosso País. Enquanto em 2017 o investimento em Ciência em Portugal foi de 1,33% do PIB, Israel investiu 4,5%, a Suécia 3,4% e a Áustria 3,2% (dados OCDE). No ano passado (2019) o investimento foi de apenas 1,41% do PIB. Desde a crise do subprime em 2007 que as dificuldades financeiras da Ciência em Portugal não têm sido superadas. Na última década verificou-se um desinvestimento grave que hoje culmina no subfinanciamento crónico bem visível.
A evidência mais recente são as taxas de aprovação baixíssimas verificadas no Concurso Estímulo ao Emprego Científico Individual (CEEC) 3ª Edição e nos Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (IC&DT) em Todos os Domínios Científicos. Os resultados destes concursos foram de tal modo insuficientes e desanimadores que a própria Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) teve necessidade de esconder as reais taxas de aprovação (situação já identificada, discutida e explicada). Objetivamente, no CEEC foram validadas pela FCT e sujeitas a avaliação pelos pares 3648 candidaturas, mas apenas 300 (8.2%) foram financiadas; nos Projetos IC&DT foram validadas e avaliadas 5847 candidaturas e destas, financiadas apenas 312 (5.3%).

Os Projetos IC&DT deveriam ser o principal motor da investigação nacional. No entanto, no último concurso realizado há 3 anos (2017) foram financiados 1618 projetos (35.2%) enquanto este ano, 2020, apenas 312 (5.3%) foram aprovados. É urgente compreender que com taxas de 95% de reprovação será impossível manter linhas de investigação plurais e diversificadas, com a asfixia de centenas de grupos de investigação. Sem este financiamento, os grupos de investigação não conseguirão concretizar os seus trabalhos, assegurar recursos humanos e contribuir para a sociedade através de publicações, inovação e transferência de conhecimento. Contextualizando com a realidade europeia, os planos nacionais de outros países europeus possuem taxas de aprovação na ordem dos 15-25% e os financiamentos europeus extremamente competitivos (ex. ERC grants) rondam os 10-12%.

O pleno emprego científico está longe de ser atingido. Se por um lado a abertura de concursos para a carreira de investigação é inexistente, o CEEC que permite a contratação de investigadores por períodos de 6 anos evidencia a falta de integração de investigadores no sistema científico e tecnológico nacional. Veja-se o número de candidatos às 3 edições deste concurso: 4065 na 1ª Edição, 3493 na 2ª Edição, 3648 3ª Edição. Estes dados antagonizam o investimento realizado nas Bolsas de Doutoramento (1350 bolsas financiadas este ano). É de louvar a formação avançada de jovens investigadores (num país ainda abaixo dos índices europeus de número de doutorados), no entanto num País sem investimento nas carreiras de investigação e sem estímulos nem tecido empresarial capaz de absorver doutorados, antevemos o defraudar das expectativas dos que agora iniciam o seu Doutoramento e o aumento enorme do desemprego científico.

A FCT tem de ser a primeira e mais acérrima defensora de uma Ciência transparente e com princípios éticos, pautar a sua ação pela excelência científica e clareza na comunicação. No entanto verifica-se a falta de critérios claros e de grelhas de avaliação nos vários concursos, que resultam em avaliações injustas, incoerentes e desmotivantes para a comunidade científica. A imprevisibilidade do sistema de financiamento implementado pela FCT, ou seja, o incumprimento de um calendário regular de concursos e a alteração frequente dos seus regulamentos é absolutamente nefasta. Apesar da FCT ter investido em áreas específicas (Modernização Digital, Go Portugal, COVID) muito desse investimento foi desproporcional. Nos EUA, a NIH (a agência equivalente a` FCT) abre concursos três vezes por ano, sempre nas mesmas datas – 5 de Fevereiro, 5 de Junho e 5 de Outubro –, independentemente do orçamento anual para a ciência. No caso das equipas mais estabelecidas que ficaram agora sem financiamento, cada uma delas captou entre 300 mil a 1,5 milhões de euros (dependendo da área) para Portugal em concursos competitivos, publicaram em média 20 artigos científicos e formaram em média 3 estudantes de doutoramento só nos últimos anos (Dados Movimento 8%), o que evidencia o enorme mérito, produtividade e retorno económico destes investigadores.

Portugal, atualmente, não oferece condições para uma carreira científica estável. Os investigadores vão concorrendo a programas variados, a prazo, que mudam de tipologia conforme os governos, e só uma pequena percentagem consegue integrar-se na carreira docente das universidades. Sem carreira estável, muitos diretores de unidades de investigação com prestígio internacional, que lecionam, que participam na formação de alunos de mestrado e doutoramento e que captam prémios e financiamento internacional, têm contratos a prazo há mais de dez anos. Neste momento, muitos deles encontram-se até sem contrato ou com o futuro muito incerto, devido à pouca regularidade e à grande morosidade dos concursos lançaados pela tutela. Também não se estranha que esta realidade seja pouco atrativa para investigadores estrangeiros. Será inevitável a perda das gerações mais bem preparadas que este País educou e em que investiu. Sem pessoal e sem projetos financiados, será expectável uma queda acentuada da produtividade e qualidade científica nacional, da geração de valor associado à investigação, uma diminuição da relevância internacional e uma queda nos rankings universitários. Este retrocesso refletir-se-á nos índices competitivos internacionais tornando a economia pouco atrativa para investimentos no sector científico-tecnológico, numa altura em que o País tanto precisa.

Posto isto, pedimos às autoridades visadas um reforço urgente do investimento na Ciência e na Comunidade Científica em Portugal sob a forma de:
1. De imediato, aumentar o pacote financeiro para os concursos que ainda se encontram a decorrer e corrigir as baixíssimas taxas de aprovação da 3ª Edição do CEEC e do concurso de Projetos de IC&DT em todos os domínios científicos.
2. A curto prazo, aplicar um Limiar Mínimo de Estabilidade da Ciência de 15% de aprovação nos concursos para contratos individuais e projetos IC&DT a abrir brevemente, correspondente ao mínimo indispensável praticado nos países da União Europeia.
3. A médio/longo prazo, estabelecer um pacto de regime para a Ciência que permita definir uma estratégia para a ciência para a próxima década com um reforço de financiamento estrutural regular do OE, complementado com financiamento europeu e empresarial, que garanta o atingimento da meta de 3% do PIB em 2030.

Por um maior investimento em Ciência.

Pelo Movimento 8%,

João Oliveira – ICVS, Universidade do Minho
Ludgero Tavares – CIBB-CNC, Universidade de Coimbra
Mafalda Laranjo – CIBB-iCBR, Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra
Luísa Lopes – iMM, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
Hugo Miranda – CEDOC, NOVA Medical School, Universidade Nova de Lisboa
Federico Herrera – FCUL, Universidade de Lisboa
Teresa Summavielle – i3S, Universidade do Porto
Fábio Teixeira - ICVS, Universidade do Minho
Susete Fernandes – CENIMAT, Universidade Nova de Lisboa
Diogo Trigo – iBiMED, Universidade de Aveiro
Bruno Nunes – CESAM, Universidade de Aveiro
Fabíola Moutinho – i3S, Universidade do Porto
João Ferreira - CEDOC, Universidade Nova de Lisboa
Sílvia Lourenço – MARE, Politécnico de Leiria
Carla Cruz – CICS, Universidade da Beira Interior
Mafalda Rangel – CCMAR, Universidade do Algarve
Andreia Castro - ICVS, Universidade do Minho
Sandra Vaz – iMM, Universidade de Lisboa
Francisca Cardoso – CRIA, Universidade Nova de Lisboa
Cristiana Tejo – IHA, Universidade Nova de Lisboa
Celine Gonçalves - ICVS, Universidade do Minho
Ana Carvalho – CIDEHUS, Universidade de Évora
Ana Santiago – FMUC, Universidade de Coimbra
Andreia Barateiro - iMed.ULisboa, Universidade de Lisboa
Dário Trindade – iBiMED, Universidade de Aveiro
Ana Rodrigues - ICVS, Universidade do Minho


Poema da Semana - «Antes que Seja Tarde» de Manuel da Fonseca


Antes que Seja Tarde
Amigo,
tu que choras uma angústia qualquer
e falas de coisas mansas como o luar
e paradas
como as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa de vez
as margens do regato solitário
onde te miras
como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
desse país inventado
onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
de barco ao deus-dará
e esse ar de renúncia
às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
liberta-te dessa paz podre de milagre
que existe
apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
abre os braços e luta!
Amigo,
antes da morte vir
nasce de vez para a vida.
Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"

domingo, 29 de novembro de 2020

Música do BioTerra - Harold Budd & Robin Guthrie - An hour, a day, no more...


Based on the ambient theme "A minute, a day, no more" from Harold Budd & Robin Guthrie. This is a 1 hour meditative version. Loop crossfade starts at 5:03:000 (12 loops used). Completed in Adobe Audition.    
Harold Budd (youtube)
Robin Guthrie (youtube)

sábado, 28 de novembro de 2020

Covid-19: efeitos de vacina só devem sentir-se no fim de 2021

Fonte: aqui

O impacto da vacinação contra a covid-19 só deverá sentir-se em Portugal e no mundo no fim de 2021, mesmo que as primeiras pessoas sejam imunizadas no princípio do ano, segundo especialistas.

Primeiro é preciso haver vacinas suficientes para inocular cerca de metade da população e conseguir o efeito da imunidade de grupo, observa Joaquim Ferreira, diretor do laboratório de Farmacologia Clínica do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes.

"No melhor cenário, eu diria que tendo os grupos de risco vacinados ao longo dos primeiros três meses do ano e depois todos a seguir até julho/agosto, as coisas só começarão a mudar radicalmente a partir do verão. Em outubro será quando as coisas, idealmente, voltarão a uma maior normalidade”, vaticina o também professor de Neurologia e Farmacologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Para o diretor do Instituto de Bioquímica daquela faculdade, Miguel Castanho, “provavelmente, só se notará se a vacina está a ter efeito sobre os grandes números da pandemia no próximo inverno”.

"Até lá, seria imprudente se as pessoas deixassem de tomar medidas cautelares de um dia para o outro. Na altura em que 50% da população estiver imunizada, esse será o ponto crítico para o vírus e o ponto bom para nós, em que veremos alterações substantivas essenciais”, acrescenta.

Miguel Castanho salientou que “não seria prudente dar a ilusão ou a expectativa de que isto pode ser alcançado antes do final de 2021, até porque se tudo correr como esperado, talvez se passe o verão numa relativa acalmia”, como este ano, o que não permitirá tirar todas as conclusões sobre a eficácia das vacinas.

Para Joaquim Ferreira, as primeiras pessoas que deverão ser vacinadas são “seguramente os grupos de risco: as pessoas mais velhas, com mais de 70 anos, as pessoas institucionalizadas, as que têm doenças de risco”.

Isso resultará, ao cabo de cerca de dois meses, em menos hospitalizações de casos graves de covid-19, que afetam na sua maioria os mais velhos, menos pessoas em cuidados intensivos e menos mortes.

“Vai demorar, mesmo se a vacina funcionar, como esperamos e como os resultados sugerem, e começarmos a diminuir os riscos de infeção e o risco de doença grave se as pessoas se infetarem. Mas isso não vai reduzir os números globais porque a maior parte da população não estará ainda vacinada”, salienta.

A seguir às pessoas mais vulneráveis, deverão seguir-se “os profissionais de saúde, bombeiros, militares, as pessoas vitais para o serviço cívico” e depois “todos os outros adultos saudáveis mas com hipertensão, diabetes, que acabam por ser uma grande franja da população”.

Não será um benefício de um dia para o outro, mas incremental, ao longo de meses", prevê Joaquim Ferreira.

Joaquim Ferreira aponta que “os portugueses são fantásticos a adaptarem-se mas nem sempre a planear, e se isto não for bem planeado, o acesso e a distribuição podem sofrer alguns percalços”, um cenário que se pode multiplicar por mais de duzentos países em todo o mundo.

Trata-se de “produzir milhares de milhões de vacinas num curto prazo de tempo”, um processo que demorará pelo menos todo o ano que vem, mesmo com todos os laboratórios a produzirem intensivamente.

Tudo deverá ser mais rápido do que alguma vez aconteceu na História, mas é importante “não ser ingénuo do ponto de vista do acesso à saúde básica”, considera.

"É fácil perceber que as primeiras populações a serem vacinadas vão ser as dos países dos laboratórios onde a vacina vai ser produzida, porque a distância vai ser um obstáculo na sua distribuição”, afirma Joaquim Ferreira, destacando que apesar dos egoísmos de cada país, “há um interesse de todos”.

“Os europeus têm interesse que quem vive em África ou na Ásia também se vacine, porque isso permite um controlo global. Para que todos voltemos a funcionar com economias saudáveis, é preciso que todo o mundo possa adquirir e produzir coisas, senão continuaremos muito mal”, refere.

Miguel Castanho aponta, ainda, um fator que pode complicar muito.

"Neste momento, é uma incógnita quando tempo vai durar a imunidade conferida pela vacina. Se, quando vacinarmos as últimas pessoas, as primeiras tiverem que ser vacinadas novamente, isto passa a ser uma operação em contínuo e será muito difícil assegurar vacinação global.”

O investigador põe a hipótese de as “consultas do viajante” se alargarem para muitos destinos porque haverá zonas do globo para onde não será aconselhável viajar sem vacinas, como acontece hoje por causa de outras doenças.

“Provavelmente, vamos adicionar o SARS-CoV-2 à lista de vírus perigosos em algumas áreas do globo, mesmo que já estejamos a falar de 2022 ou 2023, isto numa perspetiva otimista”, diz Miguel Castanho.

Refere ainda que as vacinas em fase mais avançada, mesmo com taxas de eficácia acima dos 90%, têm todas “um calcanhar de Aquiles: todas elas se dirigem à mesma estrutura do vírus e se ela mudar de forma significativa, poderão ficar obsoletas”.

Miguel Castanho destaca que “existem outras esperanças para além da vacina” para virar o rumo da pandemia, referindo que existe um “olhar obsessivo” sobre essa ferramenta e que, “no discurso político, a vacina foi logo adotada como uma forma de tentar tranquilizar e transferir do mundo político para o mundo científico a responsabilidade da resolução” do problema.

Entre essas esperanças estão medicamentos para tratar os doentes com covid-19 e os testes diagnósticos, que “podem, por si só, alterar muito a face do combate à pandemia”.

"Se cada um de nós tivesse em casa um teste que se pudesse fazer com a mesma facilidade com que um diabético faz o teste da glicémia, sem necessidade de intervenção de um técnico de saúde a fazer uma zaragatoa, cada um saberia naquela hora se podia sair de casa”, ilustrou.

Joaquim Ferreira reconhece que “o risco de efeitos adversos graves não é zero” e que só se saberá mais sobre o que “a vacina pode induzir quando se começar a administrar a mais gente”, mas considera “pouco provável que tal aconteça”.

"Eu estou entusiasmadíssimo. Temos dados, quer dos que foram partilhados [pelos fabricantes das vacinas mais adiantadas] quer do conhecimento científico que brotou destes meses, que dão segurança. Se as vacinas forem aprovadas pelas agências do medicamento norte-americana e europeia, devemos claramente avançar, de forma consciente, mas disponível para participar neste movimento”, afirma.

Distribuição das vacinas sem dificuldades mas farmácias podem ter problemas

As farmacêuticas responsáveis por duas das mais promissoras vacinas contra a covid-19 não antecipam dificuldades nas operações de distribuição, mas o armazenamento nos locais de vacinação será mais complexo e as farmácias só estão preparadas para receber uma delas.

Na semana passada, as farmacêuticas Moderna e o consórcio Pfizer/BioNTech anunciaram que as suas candidatas têm uma eficácia de cerca de 95%, colocando-se na frente da corrida à vacina contra a covid-19.

Com estes novos dados, e outros também promissores divulgados entretanto por mais empresas, aumentou a expectativa de uma nova vacina em janeiro, ou ainda antes do final do ano, e começaram-se a discutir os desafios logísticos de uma operação de vacinação em massa.

Em Portugal, o plano de vacinação, que inclui questões logísticas desde a distribuição ao armazenamento, está a ser coordenado por uma ‘task-force’ criada pelo Governo e deverá ser conhecido em breve.

A Lusa falou com as farmacêuticas que têm estado a desenvolver duas das vacinas que já foram asseguradas pela União Europeia, da Pfizer e da Moderna, e nenhuma antecipa dificuldades ao nível das operações de distribuição mundial.

Entre as duas, a candidata da Moderna é aquela que, pelas suas características, impõe menos constrangimentos, uma vez que se mantém estável até seis meses a -20° C, o equivalente à temperatura da maioria dos congeladores domésticos ou médicos.

“Usar temperaturas de congelação entre -25° C e -15° C é um método mais fácil e mais convencional de distribuição e armazenamento do que a ultracongelação e a maioria dos operadores de distribuição farmacêutica já tem a capacidade de fazer a distribuição para todo o planeta nestas condições”, explicou a farmacêutica norte-americana.

O processo de ultracongelação que a Moderna refere é, por outro lado, aquele exigido para a conservação da vacina da Pfizer/BioNTech, que tem de ser armazenada a temperaturas muito baixas, entre -70° C e -80° C.

Mas o consórcio não deixou esta dificuldade sem solução e desenvolveu caixas térmicas especiais, com capacidade até 4.865 doses, que permitem conservar a vacina à temperatura necessária durante 15 dias, através do chamado gelo seco (ou seja, dióxido de carbono em estado sólido).

“Depois, a vacina pode ser conservada durante mais cinco dias no frigorífico entre 2° C e 8° C até ser inoculada”, explicou o diretor-geral da Pfizer Portugal, Paulo Teixeira, acrescentando que as caixas térmicas serão utilizadas pela Pfizer durante o processo de distribuição até aos locais de vacinação.

Aí, porém, o armazenamento desta vacina será mais complexo, considerando o curto período durante o qual pode ficar guardada num frigorífico convencional.

Por isso, sem o recurso à ultracongelação nem todos os pontos que, por exemplo, agora administram a vacina da gripe poderão ter também a BNT162b2 da Pfizer. É o caso das farmácias comunitárias.

"Eu diria que não estará previsto que esta vacina possa ser administrada nas farmácias, até porque a informação que nós dispomos é que a maioria das farmácias não terá a capacidade de ter estes frigoríficos que permitam a conservação até -80° C”, disse Paulo Teixeira, que sublinhou que Portugal tem os equipamentos necessários para que a vacina possa ser conservada noutros ambientes.

A mesma dificuldade não se coloca com a candidata da Moderna, que além de se manter estável a -20° C durante seis meses, aguenta temperaturas mais altas entre os 2°C e 8°C durante 30 dias depois de descongelada e mantém-se estável à temperatura ambiente durante 12 horas.

“Isto permite que o armazenamento possa ser feito na maioria das farmácias, hospitais e consultórios médicos”, explicou a farmacêutica, acrescentando que a mRNA-1273 também não vai exigir qualquer manuseamento especial ou diluição no local “o que facilita a vacinação numa maior variedade de ambientes”.

Definir os pontos de vacinação é uma das tarefas do grupo de trabalho criado pelo Governo, responsável também por definir a estratégia de vacinação, que inclui a identificação dos grupos alvo prioritários, administração e seguimento clínico de resultados e reações adversas.

Ghent

Como a cidade de Ghent, Bélgica, mudou de paradigma de um dia para o outro, um ano antes das eleições, com um plano de mobilidade corajoso, que muitos vaticinaram ser suicídio político.
Afinal, não foi suicídio político, foi um sucesso!
A população conquistou as ruas, o comércio floresceu, a qualidade de vida ganhou dimensão, tudo sem grande investimento, sem um período de décadas para construir a infraestrutura que outras cidades usaram para serem modelos de mobilidade ciclável. Um exemplo de como o óptimo pode ser inimigo do bom, ou de como o bom pode ser melhor que o óptimo.

200 anos de Engels: Sobre as contribuições e limites do “Segundo Violino”



Friedrich Engels percebeu, ainda antes do que Karl Marx, a centralidade da crítica da política económica. Quando se conheceram tinha publicado muito mais artigos – apesar de ter sido o seu amigo que se tornou famoso mundialmente nesta área.

Nascido na Alemanha há 200 anos, em 28 de novembro de 1820, em Barmen (hoje um subúrbio de Wuppertal), foi um jovem muito promissor a quem o pai, um industrial do setor têxtil, tinha negado a possibilidade de estudar na universidade, em vez disso mandnado-o para a sua empresa. Assim, Engels aprendeu por si próprio com um apetite voraz pelo conhecimento e assinava os seus artigos com um pseudónimo para evitar conflitos com a sua família conservadora e fortemente religiosa. Tornou-se ateu e os dois anos que passou em Inglaterra – para onde foi mandado com a idade de 22 anos para trabalhar em Manchester, nos escritórios da fiação de algodão Ermen & Engels – foram decisivos para a maturação das suas convicções políticas. Foi então que observou na primeira pessoa os efeitos da exploração capitalista no proletariado, da propriedade privada e da competição entre indivíduos. Contactou com o movimento cartista e apaixonou-se por uma trabalhadora irlandesa, Mary Burns, que desempenhou um papel central no seu desenvolvimento.


Jornalista brilhante, publicou na Alemanha descrições das lutas sociais inglesas e escreveu na imprensa anglófona sobre os avanços sociais em curso no continente. O artigo “Esboços de uma Crítica da Economia Política”, publicado nos Anais Franco-Alemães em 1844, suscitou grande interesse em Marx, que na altura tinha decidido consagrar todas as suas energias ao mesmo tema. Os dois iniciaram então uma colaboração teórica e política que duraria para o resto das suas vidas.

Em 1845, Engels publicou em Alemão o seu primeiro livro, A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra. O subtítulo enfatizava que era baseado “na observação direta e em fontes genuínas” e escreveu no prefácio que o conhecimento real das condições de vida e de trabalho dos proletários era “absolutamente necessário para se conseguir uma base sólida para as teorias socialistas”. O livro haveria de ter sequelas em muitas investigações posteriores. Uma dedicatória de abertura, “à classe trabalhadora da Inglaterra”, salientava ainda mais que o seu trabalho “de campo” lhe tinha dado um “conhecimento das vidas reais dos trabalhadores” direto e não abstrato. Nunca foi discriminado ou “tratado por eles como um estrangeiro” e estava feliz por ver que eles estam libertos da “terrível maldição da estreiteza nacional e da arrogância nacional”.

No mesmo ano, quando o governo francês expulsou Marx devido às suas atividades comunistas, Engels seguiu-o até Bruxelas. Publicaram A Sagrada Família, ou a Crítica do criticismo crítico: Contra Bruno Bauer e Companhia (o seu primeiro livro conjunto com Marx) e os dois produziram um volumoso manuscrito não publicado – A Ideologia Alemã – que foi abandonado à “crítica corrosiva dos ratos”. Neste período, Engels foi para Inglaterra com o seu amigo e isso permitiu mostrar-lhe o que tinha já visto e compreendido sobre o modo capitalista de produção. Marx finalmente abandonou a crítica da filosofia pós-hegeliana e começou a longa jornada que conduziu, vinte anos mais tarde, ao primeiro volume do Capital. Então, os dois amigos escreveram o Manifesto do Partido Comunista (1848) e participaram nas revoluções de 1848.


Em 1849, na sequência da derrota da revolução, Marx foi forçado a ir para Inglaterra e Engels depressa cruzou o canal para se lhe juntar. Marx alojou-se Londres, enquanto que o amigo foi tomar conta do negócio de família em Manchester a uns 300 quilómetros de distância. Tornou-se o “segundo violino”, nas suas palavras, para se sustentar e ajudar o seu amigo (que ficava frequentemente sem rendimento), aceitando gerir a fábrica do seu pai em Manchester até 1870.

Durante estas duas décadas, depois das quais Engels abandonou o negócio e conseguiu finalmente voltar a juntar-se ao seu amigo na capital inglesa, os dois homens viveram o período mais intenso das suas vidas, comparando, várias vezes por semana, notas sobre os principais acontecimentos políticos e económicos da altura. A maior parte das 2.500 cartas que trocaram são datas destas duas décadas, durante as quais também enviaram 1.500 peças de correspondência a ativistas e intelectuais de cerca de vinte países. A este impressionante total devem ser somadas umas boas 10.000 cartas para Engels e Marx de terceiros e outras 6.000, as quais, apesar de se lhes termos perdido o rasto, temos a certeza de terem existido. É um tesouro inestimável, contendo ideias que, em alguns casos, acabaram por não desenvolver cabalmente nos seus escritos.

Poucas correspondências do século XIX conseguem ostentar referências tão eruditas quanto as que fluíram das canetas dos dois revolucionários comunistas. Marx lia nove línguas e Engels dominava doze. As suas cartas são notáveis pelas suas constantes mudanças de línguas e pelo número de citações, incluindo em latim e grego antigo. Os dois humanistas eram também grandes amantes de literatura. Marx conhecia passagens de Shakespeare de cor e nunca se cansava de folhear os seus volumes de Ésquilo, Dante e Balzac. Engels foi durante muito tempo o presidente do Instituto Schiller de Manchester e adorava Aristóteles, Goethe e Lessing. Junto com as constantes discussões sobre acontecimentos internacionais e possibilidades revolucionárias, muitas das suas trocas de correspondência diziam respeito aos avanços mais importantes na tecnologia, geologia, química, física, matemática e antropologia. Marx considerou sempre Engels um interlocutor indispensável, consultando a sua voz crítica sempre que tinha de tomar posição sobre um tema controverso.


A relação entre os dois homens era ainda mais extraordinária em termos humanos do que ao nível intelectual. Marx confidenciava todas as suas dificuldades pessoais a Engels, começando pelas suas terríveis dificuldades materiais e os inúmeros problemas de saúde que o atormentaram durante décadas. Engels mostrou total auto-abnegação ao ajudar Marx e a sua família, fazendo sempre tudo o que podia para assegurar-lhes uma existência digna e facilitar a finalização do Capital. Marx ficou para sempre grato pela sua assistência financeira, como podemos ver no que escreveu numa noite de agosto de 1867, poucos minutos depois de ter acabado de corrigir as provas do Volume Um: “Devo-te apenas a ti que isto tenha sido possível.”

Até durante esses vinte anos, nunca deixou de escrever. Em 1850 publicou A Guerra Camponesa na Alemanha, uma história das revoltas de 1524-25, na qual tentava mostrar o quão similar tinha sido o comportamento da classe média relativamente ao da pequena-burguesia durante a revolução de 1848-49 e quão responsável tinha sido pelas derrotas que se lhe seguiram. De forma a permitir que o seu amigo dedicasse mais tempo à finalização dos seus estudos de economia, entre 1851 e 1862 também escreveu quase metade das cinco centenas de artigos que Marx assinou no New-York Tribune (o jornal com maior circulação nos Estados Unidos). Fez reportagens para o público americano sobre o curso e resultados possíveis de muitas das guerras que ocorriam na Europa. Não raramente provou ser capaz de prever desenvolvimentos e antecipar estratégias militares utilizadas em várias frentes, ganhando a alcunha pela qual era conhecido pelos seus camaradas: “o General”. A sua atividade jornalística continuou durante muito tempo e, em 1870-71, publicou as suas Notas sobre a Guerra Franco-Prussiana, uma série de 60 artigos escritos para o diário anglófono Pall Mall Gazette em que analisava os eventos que precederam a Comuna de Paris. Estas foram bastante apreciadas e testemunharam a sua perspicácia nestas matérias.


Ao longo dos 15 anos seguintes, Engels elaborou as suas contribuições teóricas principais numa série de artigos ocasionais que se opunham às posições de adversários políticos dentro do movimento dos trabalhadores e procuravam clarificar temas controversos. Entre 1872 e 1873 escreveu uma série de três artigos para o Volksstaat que também saíram, como um panfleto, com o título A Questão da Habitação. A intenção de Engels era opor-se à disseminação das ideias de Pierre-Joseph Proudhon na Alemanha e tornar claro para os trabalhadores de que a política de reformas não poderia substituir a revolução proletária. O Anti-Dühring, publicado em 1878, que descreveu como “uma exposição mais ou menos alinhavada do método dialético e das perspetiva comunista do mundo”, tornou-se uma referência crucial para a formação da doutrina marxista. Apesar de termos de distinguir entre os trabalhos de popularização empreendidos por Engels, em polémica aberta contra os atalhos simplistas do seu tempo, e a vulgarização levada a cabo pela geração seguinte da Social-Democracia Alemã, o seu recurso às ciências naturais abriu caminho a uma conceção evolucionária dos fenómenos sociais que diminuía as análises muito mais matizadas de Marx. Socialismo: Utópico e Científico (1880), um retomar de três capítulos do Anti-Dühring para efeitos pedagógicos, teve um impacto ainda maior do que o texto original. Mas, apesar dos seus méritos e do facto de terem circulado quase tão amplamente como o Manifesto do Partido Comunista, as definições de “ciência” e de “socialismo científico” podem ser vistas como um exemplo do autoritarismo epistemológico subsequentemente usado pela vulgata marxista-leninista para eludir qualquer discussão crítica das teses dos “fundadores do comunismo”. A Dialética da Natureza, fragmentos de um projeto no qual Engels trabalhou com muitas interrupções entre 1873 e1883, tem sido objeto de enorme controvérsia. Para alguns era a pedra angular do Marxismo, para outros o principal culpado do nascimento do dogmatismo Soviético. Hoje em dia deve ser lido como um trabalho incompleto, que mostra as limitações de Engels, mas também o potencial contido na sua crítica ecológica. Apesar do seu uso da dialética ter certamente reduzido a complexidade teórica e metodológica de pensamento de Marx, não é correto – como alguns fizeram maldosa e superficialmente no passado – responsabilizá-lo por tudo o que não gostam nos escritos de Marx e culpar apenas Engels pelos erros teóricos ou até pelas derrotas práticas.

Em 1844, Engels publicou as Origens da Família, da Propriedade Privada e do Estado, uma análise dos estudos antropológicos conduzidos pelo americano Lewis Morgan, que tinha descoberto que as relações matriarcais precederam historicamente as relações patriarcais. Para Engels, esta era uma revelação tão importante acerca das origens da humanidade quanto “a teoria de Darwin [foi] para a biologia e a teoria de Marx para a economia política”. A família continha já os antagonismos que mais tarde seriam desenvolvidos na sociedade e no Estado. O primeiro tipo de opressão a surgir na história humana “coincidiu com a opressão do sexo feminino pelo masculino”. No que diz respeito à igualdade de género, tal como no caso das lutas anticoloniais, nunca hesitou em defender – e em expor com convicção – a causa da emancipação. Finamente, em 1886, também lançou um trabalho polémico cujo alvo era o ressurgimento do idealismo nos círculos académicos alemães, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã (1886).


Durante os doze anos em que sobreviveu a Marx, dedicou-se ao legado literário do amigo e à liderança do movimento internacional de trabalhadores. Uma série de peças jornalísticas nos principais jornais socialistas do seu tempo, incluindo a Die Neue Zeit, Le Socialiste e a Critica Sociale, as saudações a congressos partidários, assim como as centenas de cartas que ele escreveu nesse período possibilitam que apreciemos de forma mais profunda a sua contribuição para o crescimento dos partidos operários na Alemanha, França e Grã-Bretanha, numa série de assuntos organizativos e teóricos. Alguns destes dizem respeito ao nascimento da Segunda Internacional, cujo congresso de fundação teve lugar a 14 de julho de 1889, e a muitos dos seus debates. Ainda mais importante, consagrou as suas melhores energias à difusão do marxismo. Sobretudo, assumiu a tarefa extremamente difícil de preparar para publicação os esboços dos Volumes Dois e Três do Capital que Marx não tinha conseguido completar. Também supervisionou as novas edições de trabalhos previamente publicados, uma série de traduções, e escreveu prefácios e posfácios para várias republicações de trabalhos de Marx e seus. Numa delas, uma nova introdução à Luta de Classes em França de Marx (1850), composta alguns meses antes da sua morte, Engels elaborou uma teoria da revolução que se tentava adaptar à nova conjuntura política da Europa. O proletariado tinha-se tornado a maioria, defendia, e a possibilidade de tomada de poder por meios eleitorais, através do sufrágio universal, tornava possível defender a revolução e a legalidade ao mesmo tempo. Isto não significava, contudo – como os Social-Democratas alemães sugeriam, ao manipular o seu texto num sentido reformista e legalista – que a “luta nas ruas” tivesse deixado de ter qualquer função. Significava que a revolução não podia ser concebida sem a participação das massas e que isto requeria “um longo e paciente trabalho”. Ler Engels hoje, com o desabar à nossa vista do capitalismo contemporâneo, alimenta o desejo de continuar a lutar seguindo o seu caminho.
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Marcello Musto é doutorado em Filosofia pela Universidade de Nápoles e pela Universidade de Nice e professor no Departamento de Sociologia da Universidade de York. Especialista no pensamento de Karl Marx, organizou e escreveu vários livros sobre este autor e também sobre a Iª Internacional.

Em português tem publicados Os últimos anos de Marx – uma biografia intelectual e Trabalhadores, uni-vos! – Antologia política da 1ª Internacional.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Microfósseis com 570 milhões de anos podem ajudar a entender origem dos animais

Fonte: aqui

Uma equipa de investigadores encontrou, na Gronelândia, microfósseis semelhantes a embriões com até 570 milhões de anos. Esta descoberta revela que organismos deste tipo estavam dispersos pelo mundo inteiro.

“Acreditamos que esta nossa descoberta melhora o nosso alcance para compreender o período da história da Terra quando os animais apareceram pela primeira vez – e é provável que suscite muitas discussões interessantes”, disse Sebastian Willman, o autor principal do estudo publicado, na semana passada, na revista científica Communications Biology.

A existência de animais na Terra há 540 milhões de anos é bem fundamentada, já que foi a altura em se sucedeu um evento da evolução conhecido como explosão cambriana. No entanto, a comunidade científica parece não conseguir concordar sobre se os fósseis que datavam da era Pré-Cambriana são genuinamente classificáveis como animais.

De acordo com o Phys, os cientistas encontraram microfósseis que podem ser ovos e embriões de animais. Estes podem ajudar a conseguir uma melhor compreensão da origem dos animais. A imensa variabilidade dos microfósseis convenceu os investigadores de que a complexidade da vida naquele período deve ter sido maior do que a que se conhecia até agora.

Os cientistas podem ainda concluir que estes organismos estavam espalhados pelo mundo. Isto porque microfósseis bastante idênticos já tinham sido encontrados no sul da China, há mais de 30 anos. Quando eles eram vivos, a maioria dos continentes ficava ao sul do Equador. A Gronelândia fica onde a extensão do Oceano Antártico, em torno da Antártida, está agora. A China, por sua vez, ficava aproximadamente na mesma latitude daquilo que é agora a Flórida, nos Estados Unidos.

“O vasto leito rochoso, essencialmente inexplorado até agora, do norte da Gronelândia oferece oportunidades para entender a evolução dos primeiros organismos multicelulares, que se desenvolveram nos primeiros animais que, por sua vez, levaram até nós”, diz Sebastian Willman.

A Vida Não é Útil - Ideias para Salvar a Humanidade


"O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo, acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso. O mundo possível que a gente pode compartilhar não tem que ser um inferno, pode ser bom. Eles ficam horrorizados com isso, e dizem que somos preguiçosos, que não quisemos nos civilizar. Como se 'civilizar-se' fosse um destino. Isso é uma religião lá deles: a religião da civilização. Mudam de repertório, mas repetem a dança, e a coreografia é a mesma: um pisar duro sobre a terra. A nossa é pisar leve, bem leve."

Documentário da Semana - Vida como uma "Mulher de Conforto": História de Kim Bok-Dong


Madame Kim faleceu em 28 de janeiro de 2019, fazendo dessa entrevista possivelmente a última entrevista dos seus 92 anos na Terra. Apesar de ter dedicado sua vida à causa de ajudar vítimas de estupro na guerra, ela nunca recebeu um pedido de desculpas oficial do governo japonês. Sua história continuará vivendo através de seu espírito de luta. Por favor, assista e partilhe este vídeo com quantas pessoas forem possíveis para aumentar o conhecimento do caso. Nós acreditamos que qualquer pessoa pode divulgar notícias e documentários verdadeiros. Através de nossas entrevistas originais e profundas de pessoas reais, nós desafiamos vocês - a juventude global - a pensar criticamente e desafiar vários problemas socioculturais. Um obrigado especial a Madame Kim por dividir a sua história. Nós acreditamos que qualquer pessoa pode nos dar notícias e comentários verdadeiros. Por nossas originais e profundas entrevistas com pessoas reais, nós desafiamos vocês - a juventude global- a pensar de forma crítica e desafiar várias culturas e problemas sociais.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres


O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres assinala-se anualmente a 25 de novembro. Esta data foi instituída pela Resolução 52/134 da ONU. O seu propósito é alertar para este grave problema que atinge as mulheres, tanto em sua casa como no local de trabalho, quer a nível psicológico ou físico.

A União Europeia está fortemente comprometida em prevenir e condenar qualquer crime desta natureza, levando a efeito uma mobilização com os seus parceiros a nível institucional, procurando reforçar os quadros jurídicos e o apoio às vítimas.

Uma das iniciativas é o «Plano de Ação da UE em matéria de Igualdade de Género 2021-2025». Este plano visa fomentar a cooperação entre Estados-membros, UE, e organizações da sociedade civil em questões de igualdade de género. Promove também o acesso universal a cuidados de saúde (especialmente em matérias de direitos sexuais e reprodutivos), à educação e ao acesso a cargos de liderança. Destaca-se ainda a inclusão da perspetiva da mulher em novos domínios estratégicos, como a transição ecológica e a transformação digital.

Este ano, a Comissão para a Igualdade de Género (CIG) lançou a campanha nacional #EUSOBREVIVI, com o objetivo de reforçar a vigilância contra a violência doméstica e o impacto negativo que a pandemia COVID-19 trouxe para quem é vítima deste crime.

Documentos

Resolução 52/134 da AG da ONU que institui o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres | ONU [en] DESCARREGAR

Stop violence against women | Comissão Europeia e Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum DESCARREGAR

Plano de Ação em Matéria de Igualdade de Género | Comissão Europeia DESCARREGAR

Let’s put an end to Violence against Women Factsheet | Comissão Europeia DESCARREGAR

E se o Interior explodir?

Os Centros de Inativação de Explosivos e Segurança em Subsolo podem, até ao final do ano, sair de Mirandela, Viseu, Castelo Branco, Leiria e Beja para Lisboa, Porto e Faro. Falamos também de mais um serviço que abandona o Interior e a proximidade com as suas necessidades.

                                  


Os Centros de Inativação de Explosivos e Segurança em Subsolo podem, até ao final do ano, sair de Mirandela, Viseu, Castelo Branco, Leiria e Beja para Lisboa, Porto e Faro. Passados meses desde que esta intenção foi anunciada, permanecem as incertezas quanto ao real futuro dos agentes policiais destacados para estes Centros.

Esta é uma subunidade da Unidade Especial de Polícia criada em 2000 que tem como função a deteção e inativação de engenhos explosivos e de segurança no subsolo, estando treinada e capacitada para atuar em ambientes perigosos e insalubres, nomeadamente contaminados com agentes biológicos, químicos, nucleares ou radioativos, de que são exemplo áreas infectadas com Covid-19.

Outra das funções desta especialidade é a formação de todos os agentes policiais para que estejam preparados para o manuseamento de explosivos e outras matérias perigosas, assim como a prevenção em escolas dos perigos dos explosivos e formação de de quem trabalha em locais de grande afluência como centros comerciais e hipermercados.

Os agentes destes Centros têm ainda um importante papel relacionado com o setor da pirotecnia e com as pedreiras (onde são utilizados explosivos), atividades muito presentes na nossa região. A área de intervenção do grupo de Viseu, por exemplo, é, a nível nacional, a que mais fábricas de pirotecnia abrange.

Estas são especificidades locais do serviço desempenhado por estes polícias que poderão ser colocadas em causa com a concentração dos serviços em Lisboa, Porto e Faro e que não estão, claramente, a ser tidas em conta nessa decisão.

Como não pode estar a ser tida em conta a segurança das pessoas. Como pode um serviço prestado por policiais com formação altamente específica e com uma área de intervenção tão sensível, ser deslocado e centralizado em apenas três pontos do país, mantendo-se as mesmas exigências locais para segurança das populações?

Há ainda o carácter da litoralização de um serviço que vai interferir com a vida de cerca de trinta famílias, que possivelmente se vão ter que deslocar para Lisboa, Porto ou Faro. Falamos também de mais um serviço que abandona o Interior e a proximidade com as suas necessidades.

Tudo isto parece contraditório à existência de um Ministério da Coesão Territorial, que deveria existir, precisamente, para garantir que fenómenos deste género não acontecem, ou à existência dos apoios do programa Programa Trabalhar no Interior.

Por todos estes motivos, o Governo foi questionado em julho sobre o assunto, mas continua sem dar resposta, apesar dos trinta dias de que dispunha para o fazer. Porque a situação não pode ser esquecida nem está resolvida, o Bloco de Esquerda voltará a insistir na obtenção de esclarecimentos por parte do Governo.

No Interior, ao longo dos anos, já encerraram escolas, tribunais, serviços de saúde, balcões de bancos, estações dos correios e até juntas de freguesias entretanto extintas. Encerramentos, extinções e “reorganizações” que apenas foram contribuindo para o despovoamento das nossas aldeias, vilas e cidades e colocando cada vez mais em causa a qualidade de vida das pessoas que as habitam. E agora: e se o interior explodir?

Artigo publicado em Interior do Avesso a 16 de outubro de 2020

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Incêndios causam 200 milhões de euros de prejuízos anuais

Fonte: aqui

Portugal estava ainda assarapantado com a tragédia que matara, em junho, 66 pessoas em Pedrógão Grande, quando, a 15 de outubro de 2017, o fogo levou mais 50 vidas. Na zona Centro, as labaredas consumiram sete manchas de mato com mais de 10.000 hectares (ha) e causaram o maior incêndio de que há memória no País: na Lousã, arderam 45.500 ha de terreno. Entre as 10h do dia 15 e as 4h do dia 16 ocorreu ali a maior tempestade de fogo da Europa e maior do Mundo, em 2017.

A Comissão Técnica Independente haveria de concluir que, apesar da conjungação terrível e nada usual de fatores metereológicos, falhara a capacidade de "previsão e programação" para "minimizar a extensão" do fogo. Estavam reunidas as condições para mais uma discussão sobre as causas e consequências dos incêndios, sobre o modo como fazemos a prevenção dos fogos, enfim, sobre a capacidade do "sistema" para combater tamanhas tragédias. Uma coisa parece certa: uma vez que os fogo consomem, em média e desde 2010, mais de 136.000 ha de terreno por ano, causando prejuízos anuais a rondar os 200 milhões de euros, toda a prevenção é necessária.

Redes que ajudam

Como prevenir melhor os fogos para termos uma floresta mais sutentável é o tema do debate que o JN, DN e TSF promovem esta quarta-feira, numa parceria com a Tabaqueira. No centro da discussão estará o poder das redes sociais como instrumento de sensibilização para alcançar tal objetivo.

Paulo Fernandes, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), não tem dúvidas. "As redes sociais são um instrumento poderoso. Há muitos grupos, com interesses poderosos, que criam páginas nas redes para atirar todas as culpara aos incêndios. Combatê-los nesse mesmo campo, explicando devidamente as causas e consequências dos fogos, é serviço público".

Abílio Pacheco, docente na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), concorda. "Vejo duas ´áreas em que o recurso às redes sociais é decisivo: alteração de comportamentos e capacidade para subsidiar projetos interessantes, como os desenvolvidos pela associação Montis .

Alterar comportamentos

A prevenção, acrescenta o docente da FEUP, "tem duas componentes fundamentais: a gestão do material combustível e a quantidade de ignições. É possível pensar em sistemas de crowdfunding para ajudar as pessoas a gerir melhor o combustível. Mas, sobretudo, as redes podem ser determinantes na alteração de comportamentos. Não podemos esquecer que 98% dos fogos resultam da ação humana".

O Relatório de Atividades de 2019 da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) elenca os meios usados na campanha "Portugal Chama": os meios digitais conseguiram pouco mais de 35 mil visualizações, o que, de acordo com os especialistas ouvidos pelo DN, é "manifestamente pouco". "É fundamental refazer e reforçar as mensagens nos meios digitais", indicam os especialistas

Dia Mundial da Ciência


O Dia Mundial da Ciência tem o seu lugar na agenda mundial a 24 de novembro.

Este dia foi criado na 31ª. Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que ocorreu de 15 de outubro a 3 de novembro de 2001, através da Resolução 20.

O objetivo do Dia Mundial da Ciência é enaltecer o papel da ciência para o desenvolvimento humano, assim como destacar grandes nomes da ciência, colocar desafios para o futuro e instigar o gosto pela ciência nas gerações mais novas.

Neste dia realizam-se várias atividades, sobretudo nas escolas, onde se tenta despertar o interesse na ciência nos alunos, com a realização de experiências, a exibição de filmes sobre cientistas famosos, a realização de trabalhos de grupo, etc.

Em novembro celebra-se ainda o Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento promovida pela UNESCO.

Frases sobre ciência


“Existe uma coisa que uma longa existência me ensinou: toda a nossa ciência, comparada à realidade, é primitiva e inocente; e, portanto, é o que temos de mais valioso." Albert Einstein

“O fim da ciência não é abrir a porta ao saber eterno, mas sim colocar limites ao erro eterno”. Galileu

“A ciência explica a natureza e cria novos mundos que não percebemos com nossos sentidos”. Marcelo Gleiser

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Holanda, o pequeno país que alimenta o mundo

Um batatal perto da fronteira da Holanda com a Bélgica, o agricultor Jacob van den Borne está sentado na cabina de uma ceifeira-debulhadora, diante de um painel de instrumentos digno de uma nave espacial.



Há quase duas décadas, os holandeses assumiram um compromisso nacional, escolhendo como divisa: “Duas vezes mais alimentos, utilizando metade dos recursos”.


A três metros acima do solo, ele controla dois veículos não tripulados que fornecem dados pormenorizados sobre a composição química do solo, o teor de água, nutrientes e crescimento, medindo a evolução de cada planta. Os valores de produção de Jacob van den Borne atestam a capacidade desta “agricultura de precisão”. O rendimento médio das batatas por hectare, a nível mundial, é de cerca de vinte toneladas. Os campos de Van den Borne produzem fiavelmente mais de 47.
Este rendimento abundante ainda se torna mais admirável quando se leva em conta o outro lado da folha de balanço: os recursos aplicados. Há quase duas décadas, os holandeses assumiram um compromisso nacional, escolhendo como divisa: “Duas vezes mais alimentos, utilizando metade dos recursos”. Desde 2000 que Jacob van den Borne e muitos colegas agricultores têm vindo a reduzir a dependência das culturas principais em relação à água até 90%. Eliminaram quase por completo a utilização de pesticidas químicos nas plantas cultivadas em estufas e, desde 2009, os empresários holandeses da avicultura e da pecuária introduziram cortes na utilização de antibióticos até 60%.

Outro motivo para admiração: a Holanda é um país pequeno e densamente povoado, com mais de 500 habitantes por quilómetro quadrado. Carece de quase todos os recursos há muito considerados necessários a uma agricultura de grande escala. E contudo é o segundo exportador mundial de géneros alimentares, superado apenas pelos Estados Unidos, cuja massa terrestre é 270 vezes maior. Como é então possível que os holandeses tenham conseguido este feito?
Vista a partir de um avião, a Holanda não se parece com mais nenhum dos grandes produtores mundiais de géneros alimentares. Forma um mosaico fragmentado de campos de cultura intensiva, a maioria dos quais minúsculos à luz dos padrões da indústria agro-alimentar, entremeados com cidades e subúrbios. Nas principais regiões agrícolas do país, quase não existe batatal, nem estufa, nem suinicultura de onde não se aviste um arranha-céus, uma unidade industrial ou uma urbanização. Mais de metade da superfície terrestre nacional é utilizada para a agricultura e a horticultura.

Extensões a perder de vista daquilo que parecem ser espelhos mastodônticos revestem os campos. São os extraordinários complexos de estufas da Holanda, alguns dos quais com 70 hectares.
Os holandeses são igualmente o maior exportador mundial de batatas e cebolas e o segundo maior exportador mundial de legumes, globalmente e em termos de valor. Mais de um terço da totalidade do comércio mundial de sementes de legumes tem origem na Holanda.
O cérebro responsável por estes números impressionantes está sediado em Wageningen University & Research (WUR), 80 quilómetros a sudeste de Amsterdão. Geralmente considerada a mais importante instituição de investigação agrária a nível mundial, a WUR é o ponto-chave do Vale dos Alimentos (ou Food Valley), um robusto conjunto formado por empresas tecnológicas inovadoras e explorações agrícolas experimentais. Este nome é uma referência propositada ao Silicon Valley da Califórnia, já que a Universidade de Wageningen reproduz o papel desempenhado pela Universidade de Stanford na fusão entre mundo académico e espírito empresarial.

Ernst van den Ende, director-geral do Grupo de Ciências Botânicas da WUR, simboliza esta abordagem conjunta no Vale dos Alimentos.
Ernst é uma autoridade mundial em patologia vegetal, mas, como nos explica, “não sou só o director de um departamento na universidade. Metade de mim dirige as Ciências Botânicas, mas a outra metade ocupa-se da supervisão de nove unidades de negócio empenhadas na pesquisa de contratos comerciais”. Só esse esforço combinado, “o enfoque na ciência e o enfoque no mercado poderá enfrentar os desafios do futuro”, resume.
O planeta precisa de produzir “mais géneros alimentares nas próximas quatro décadas do que todos os agricultores do mundo colheram nos últimos oito mil anos”. Em 2050, a Terra terá 9 a 10 mil milhões de habitantes, ao passo que hoje alberga sete mil e quinhentos milhões de habitantes. Se não se concretizarem aumentos do rendimento agrícola, acompanhados de reduções do consumo de água e de combustíveis fósseis, mil milhões (ou mais) de pessoas poderão morrer de fome.

A fome será o problema mais urgente do século XXI e os visionários que trabalham no Vale dos Alimentos acham que descobriram soluções inovadoras. Os meios para impedir uma crise de carência alimentar catastrófica estão ao nosso alcance, insiste Van den Ende. O seu optimismo baseia-se na informação fornecida por mais de mil projectos desenvolvidos pela WUR em mais de 140 países e nos acordos formais celebrados pela instituição com Estados e universidades em seis continentes para partilha dos progressos realizados e sua implementação.
Uma conversa com Ernst van den Ende é como dar uma volta numa montanha-russa de debate de ideias, estatísticas e previsões. A seca em África? “A água não é o problema essencial. É a pobreza dos solos”, afirma. “A inexistência de nutrientes pode ser compensada pelo cultivo de plantas que funcionem em simbiose com certas bactérias, de maneira a produzirem o seu próprio adubo.” E o custo galopante dos cereais para alimentação animal? “Alimentem os animais com gafanhotos em vez de cereal”, responde.

Acima das expectativasA Holanda tornou-se o segundo maior exportador mundial de alimentos (em valor monetário), superado apenas pelos EUA. Possui uma fracção de solo arável ínfimo. Como alcançou este sucesso? Utilizando as tecnologias agrícolas mais eficientes disponíveis a nível mundial. Gráfico Jason Treat; Kelsey Nowakowski. Fontes: Faostat; Arjen Hoekstra, Universidade de Twente; Gabinete de Estatística da Holanda (CBS).

A conversa precipita-se na direcção do uso de iluminação LED para viabilizar o cultivo em estufas com controlo climático rigoroso 24 horas por dia. De seguida, desvia-se para a percepção errónea de que a agricultura sustentável significa intervenção humana mínima na natureza.
“Basta olhar para a ilha de Bali!” exclama. Há pelo menos mil anos que os agricultores da ilha criam patos e peixe nas mesmas lagoas inundadas onde cultivam o arroz. É um sistema alimentar totalmente auto-suficiente, irrigado por complexos sistemas de canais que percorrem socalcos de montanha esculpidos por mãos humanas.

O futuro da agricultura sustentável está a ganhar forma em todos os cantos da Holanda – não nas salas dos conselhos de administração de empresas gigantes, mas em milhares de explorações agrícolas familiares de pequena dimensão. É possível vê-la, vibrante, no paraíso terrestre de Ted Duijvestijn e dos irmãos Peter, Ronald e Remco. À semelhança dos balineses, os irmãos Duijvestijn construíram um sistema alimentar auto-suficiente.
No complexo de estufas de 14,5 hectares da família Duijvestijn, perto da histórica cidade de Delft, os visitantes passeiam entre tomateiros profundos com seis metros de altura. Deitando raízes não no solo mas em fibras tecidas a partir de basalto e gesso, as plantas apresentam-se carregadas de tomate (num total de 15 variedades) para satisfazerem os palatos mais exigentes. Em 2015, um júri internacional de peritos em horticultura atribuiu aos Duijvestijn o título de cultivadores de tomate mais inovadores do mundo.


Em 2004, após setenta anos de funcionamento, os produtores mudaram a localização da sua velha exploração agrícola e reestruturaram-na. Anunciaram então a sua independência de recursos em todas as frentes. A quinta produz quase toda a energia e adubo necessários e até parte dos materiais de embalagem destinados à distribuição e venda do tomate. O ambiente de cultivo é mantido a temperaturas ideais durante todo o ano através do calor gerado por aquíferos geotérmicos que fervilham no subsolo em pelo menos metade da Holanda.

Cada quilograma de tomate requer menos de 14 litros de água, comparado com os 60 litros exigidos por plantas em campo aberto.

A única fonte de irrigação é a água da chuva, segundo Ted, responsável pelo programa de cultivo. Cada quilograma de tomate requer menos de 14 litros de água, comparado com os 60 litros exigidos por plantas em campo aberto. As poucas pragas que conseguem penetrar nas estufas dos Duijvestijn são recebidas por um exército esfomeado de defensores, entre os quais o feroz Phytoseiulus persimilis, um ácaro predador que não mostra qualquer interesse pelo tomate mas devora sozinho centenas de invasores.
Alguns dias antes, Ted participou numa reunião de agricultores e investigadores em Wageningen. “É desta maneira que encontramos formas inovadoras de progredir”, explicou. “Gente de toda a Holanda reúne-se para discutir perspectivas diferentes e objectivos comuns. Ninguém conhece todas as respostas sozinho.”

A Koppert Biological Systems é actualmente a empresa que marca o ritmo no mercado mundial de controlo de pragas biológicas e doenças, com 1.330 funcionários e 26 subsidiárias internacionais que comercializam os seus produtos em 96 países. A empresa tem capacidade para fornecer sacas de algodão com larvas de joaninhas que, ao atingirem a maturidade, se transformam em consumidores vorazes de afídeos. Também vende os ácaros predadores que caçam insectos invasores nas plantas e sugam-nos até os dessecarem por completo. Outra solução imaginativa é um frasco com 500 milhões de nemátodos que organizam ataques mortíferos contra as larvas de mosca que devoram os cogumelos de produção comercial.
As legiões de Koppert fazem o amor e a guerra, sob o disfarce de abelhões entusiásticos, fertilizando os ovários das plantas. Cada colmeia de Koppert contribui com visitas diárias a meio milhão de flores. Os agricultores que utilizam abelhas costumam normalmente registar aumentos de 20 a 30% nos rendimentos e peso da fruta, com um custo de menos de metade da polinização artificial.
Não há nenhum país do globo que domine tão bem a tecnologia das sementes. E em nenhum outro domínio são mais acesas as polémicas que rodeiam o futuro da agricultura. A maior delas é o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM) para gerar colheitas maiores e mais resistentes às pragas. Para os seus críticos, os OGM representam um cenário carregado de incertezas quanto às consequências da experimentação radical com entidades vivas.

As empresas holandesas encontram-se entre os líderes mundiais do negócio das sementes e o valor das exportações de 2016 rondou os 1.450 milhões de euros. No entanto, não comercializam produtos geneticamente modificados. Uma nova variedade de sementes no altamente regulado sector europeu dos OGM pode custar 86 milhões de euros e exigir 12 a 14 anos de investigação, diz Arjen van Tunen, da KeyGene. Em contrapartida, os mais recentes avanços na ciência da reprodução molecular (sem introdução de genes exógenos) podem proporcionar ganhos consideráveis em 5 a 10 anos, com custos de desenvolvimento habitualmente situados abaixo de 80 mil euros e raramente superiores a 850 mil euros.
A reprodução molecular é descendente directa dos métodos utilizados pelos agricultores do Crescente Fértil há dez mil anos.
O catálogo de vendas de Rijk Zwaan, outro agricultor holandês, inclui sementes de rendimento elevado em mais de 25 grupos de legumes, muitos dos quais capazes de defender-se contra as pragas mais graves. Heleen Bos é responsável pelas secções de sementes biológicas e pelos projectos de desenvolvimento internacionais da empresa. Uma única semente de tomate tecnologicamente avançada, de preço inferior a 40 cêntimos, é capaz de produzir 70 quilogramas de tomate. Heleen Bos, porém, prefere falar sobre as centenas de milhões de pessoas que não dispõem de alimentos em quantidade suficiente no planeta.

À semelhança de muitos empresários do Vale dos Alimentos, Heleen trabalhou nos campos e cidades dos países mais pobres do mundo. Com missões demoradas em Moçambique, Nicarágua e Bangladesh nos últimos 30 anos, ela sabe que a fome e as crises de carência alimentar devastadoras não são ameaças abstractas.
“Não seremos capazes de pôr imediatamente em prática nesses países o tipo de agricultura tecnologicamente avançada que praticamos na Holanda”, diz. “Mas já estamos bastante avançados na introdução de soluções de tecnologia média que podem fazer grande diferença.” Faz referência à proliferação de estufas de plástico relativamente baratas que triplicaram o rendimento de algumas culturas em comparação com os cultivos em campo aberto, onde as culturas se encontram mais vulneráveis a pragas e à seca.
Desde 2008 que Rijk Zwaan dá apoio a um programa de reprodução de sementes na Tanzânia, num campo experimental de 20 hectares à sombra do monte Kilimanjaro. Há projectos de colaboração em curso no Quénia, Peru e Guatemala. “Mantemos um diálogo constante, de enorme importância, com os pequenos agricultores sobre as suas necessidades, as condições climáticas e do solo e os custos”, esclarece.

Espalhar a palavra, alimentar o planeta
A Wageningen University & Research, instalada no Vale dos Alimentos, é um elemento decisivo para o sucesso agrícola da Holanda. A universidade exporta também os seus métodos inovadores para todo o mundo. Gráfico Jason Treat; Kelsey Nowakowski. Fonte: Wageningen University & Research.

CAZAQUISTÃO, Dente-de-leão russo - Um projecto procura desenvolver a borracha natural obtida a partir das raízes de uma espécie de dente-de-leão, travando uma causa da desflorestação; ÍNDIA, Orizicultura inovadora - O cultivo do arroz com mão-de-obra intensiva aumentou os rendimentos nas últimas décadas. Um novo projecto visa fomentar a inovação; BANGLADESH, Qualidade da água - Cheias mais frequentes e intensas disseminam agentes patogénicos transmitidos por via hídrica, contaminando culturas agrícolas; CHINA, Transporte seguro - Uma linha férrea entre Roterdão e Chongqing suporta variações extremas de temperatura na travessia para garantir a segurança alimentar no percurso; AMÉRICA LATINA, Zonas de transição - As florestas tropicais estão ameaçadas pela agricultura e por outros usos do solo: este projecto estabelece estratégias para gerir as zonas de transição entre as explorações agrícolas e a floresta; GANA, Produção de legumes - O projecto GhanaVeg visa um mercado competitivo de legumes para satisfazer a procura crescente de uma classe média cada vez maior; QUÉNIA, Inseminação artificial - Este projecto estuda maneiras de melhorar a segurança alimentar das operações dos pequenos produtores de lacticínios; ETIÓPIA, Melhores batatas - Este projecto melhora a qualidade dos tubérculos-semente e analisa as consequências económicas de uma mudança nas culturas de tubérculos; INDONÉSIA, Recuperar a paisagem - Este projecto promove a colaboração entre interesses públicos e privados para optimizar modelos de negócio na floresta.

A Holanda foi o último país ocidental a sofrer uma crise grave de carência alimentar, quando 10 a 20 mil pessoas morreram durante a ocupação alemã nos últimos meses da Segunda Guerra Mundial.
Décadas mais tarde, Rudy Rabbinge, professor jubilado de Desenvolvimento Sustentável e Segurança Alimentar na WUR, abraçou esta causa ao contribuir para a introdução de alterações profundas no corpo docente, no corpo discente e no currículo da WUR que transformaram a instituição naquilo a que ele chama “uma universidade para o mundo e não apenas para os holandeses”. Actualmente, uma parcela significativa das actividades académicas e científicas da WUR foca-se nos problemas dos países pobres.

Cerca de 45% dos estudantes de pós-graduação, incluindo quase dois terços dos candidatos a doutoramento, são recrutados no estrangeiro e vêm de mais de cem países. Os alunos asiáticos, encabeçados pelos chineses e pelos indonésios, ultrapassam em número quase todos os europeus não-holandeses somados. Antigos alunos da WUR encontram-se em posições de topo em ministérios da Agricultura africanos, asiáticos e latino-americanos.
Numa cafetaria da cidade universitária, sento-me na companhia de três dos mais promissores alunos da WUR. São três mulheres, originárias do Uganda, do Nepal e da Indonésia.
“Travei conhecimento com uma antiga aluna de Wageningen quando frequentava a licenciatura, no Uganda”, conta Leah Nandudu, quando lhe pergunto como veio aqui parar. “Ela era especialista na definição de fenótipos”, a área de estudos avançados que traça o retrato pormenorizado das características e potencial de uma planta. “Foi inspirador descobrir que uma africana poderia fazer este tipo de coisas. Ela era o futuro: era o rumo que eu precisava de tomar.”
O encontro acabou por conduzir Leah até uma bolsa da WUR. O seu pai cultiva um hectare de terra, dividido entre café e bananas. "Enfrentamos os mesmos problemas dos agricultores de hoje em todo o mundo, só que muito piores, sobretudo devido às consequências das alterações climáticas.”

Pragya Shrestha cresceu no meio rural nepalês, parte do qual foi devastado por longos anos de utilização de pesticidas e adubos. Até agora, o recurso a métodos mais fiáveis e sustentáveis fez poucos progressos.


O número de pessoas ameaçadas pela fome em apenas três países africanos e na outra margem do mar Vermelho, no Iémen, é hoje superior a 20 milhões.

“O problema é político”, afirma. Não é possível desenvolver métodos novos de cultivo por falta de financiamento público. “É também um problema populacional, devido à fragmentação da terra em parcelas cada vez mais pequenas, situação que só serve para o uso de trabalho humano ineficiente e gera um rendimento muito baixo.”
Renna Eliana Warjoto viajou de Bandung, a terceira maior cidade da Indonésia. “As pessoas [no meu país] desconfiam das ideias vindas do estrangeiro”, afirma, enquanto Pragya e Leah acenam com a cabeça. “Os agricultores estão tão habituados a vidas e rendimentos marginais que lhes custa acreditar que as coisas podem ser diferentes”, acrescenta.
O número de pessoas ameaçadas pela fome em apenas três países africanos e na outra margem do mar Vermelho, no Iémen, é hoje superior a 20 milhões segundo a ONU e está a aumentar de forma implacável. “Enfrentamos hoje a maior crise humanitária desde a fundação da ONU,” avisou em Março Stephen O’Brien, coordenador para a ajuda de emergência da organização.
“A nossa tarefa mais difícil é mudar as percepções da nossa gente sobre a crise com que nos confrontamos e o que precisamos de fazer para resolvê-la”, afirma Leah Nandudu. “Esse vai ser o meu trabalho quando regressar ao meu país. Não podemos virar as costas à realidade.”

Cerca de 6.600 quilómetros a sul de Wageningen, num feijoal familiar no vale do Rifte Oriental, em África, uma equipa da SoilCares, uma empresa holandesa do sector tecnológico agrícola, explica as funções de um pequeno dispositivo portátil. Juntamente com uma aplicação de telemóvel, o dispositivo analisa o PH, a matéria orgânica e outras propriedades do solo, carregando de seguida os resultados numa base de dados holandesa e enviando de volta um relatório pormenorizado sobre a utilização optimizada de adubos e as necessidades de nutrientes – tudo em menos de dez minutos. Custando poucos euros, o relatório fornece informações que podem ajudar a reduzir perdas nas colheitas em margens enormes a agricultores que nunca tiveram acesso a qualquer tipo de amostragem do solo.

Menos de 5% do total estimado de 570 milhões de explorações agrícolas no planeta têm acesso a um laboratório de solos. É este tipo de números que os holandeses consideram um desafio. “Que impacte terá o nosso trabalho nos países em desenvolvimento? Eis uma pergunta que estamos sempre a colocar”, defende Martin Scholten, responsável pelo Grupo de Ciências Animais da WUR. “Na verdade, faz parte de todas as conversas.”