sábado, 9 de maio de 2020

Chega de racismo mascarado de pseudo isenção educada

Fonte: Com Regras
Este post vai, às tantas, trazer-me dissabores. Apesar dos bons conselhos de quem gosta muito de mim, e de quem eu gosto muito também, vou deixar de fazer coisas urgentes para o escrever. Mas tinha de ser. Já não dava mais ler certas coisas nos comentários ao texto de ontem sobre Quaresma.
Um dos meus textos mais curtos nestes anos neste blogue foi também um dos mais polémicos em comentários. E desisti de ser pedagógico e de ir respondendo.
Houve várias linhas de contestação: insultos, ameaças, etiqueta de ignorante na minha área de estudo. De tudo. A dada altura a sensação foi de ser atacado por uma matilha.

A maioria dos comentários: “este é um blogue de educação, não de política”

Em suma, cala-te….Se algum dos venturosos defensores de ideias diversas quiser escrever aqui, eu próprio lhe colocarei o post no blogue, com a minha password, que uso como autor dele. Tem é de respeitar a Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). E aceitar ser contraditado. Que é o que acontece a quem escreve neste blogue (e, por isso, escreve o que muito bem entende, mas ouve o que tiver de ouvir).

Educação é Política (com maiúscula).

Não o ilusionismo de feira que alguns fazem no Parlamento, a esbracejar para as câmaras.
Nós, professores, educamos cidadãos. E um cidadão não pode achar que ser anti racista é uma “politiquice”. Ou que ser racista é matéria de opinião. Ser anti racista é um dos elementos da matriz constitucional portuguesa, que acolhe a DUDH como parte integrante. Logo, este blogue pode e deve falar de racismo. E pode ter uma posição editorial (e o texto era isso, um editorial) sobre um debate acesso na sociedade portuguesa.
Os alunos ciganos são dos mais excluídos. Dos que têm maiores níveis de insucesso e daqueles com quem o sistema de ensino mais falha, apesar do esforço de professores e educadores.
Na manhã de ontem, andei a tentar arranjar apoio para um aluno cigano que não tem computador nem internet. Um miúdo 5 estrelas, mas que, por muito que nos esforcemos, corre risco sério de ficar para trás. Aos 10 anos.

Outra ideia: a intervenção de Quaresma nada tem a ver com este Blogue

Tem tudo a ver. Um dos aspetos do discurso de Quaresma é o nível educativo elevado e como diria alguém, que me é muito querida, a elegância.
Se todos os cidadãos ciganos portugueses tivessem as ferramentas educativas que Quaresma mostra naquele texto, a sua comunidade seria vista de outra forma e não teríamos gente desalmada a desvalorizar os seus Direitos Humanos.
Recentemente, apareceram uns arremedos de caudilho que o fazem de forma histriónica e sedutora. Quaresma mostrou a força da Educação que é uma arma.
Todos os meus alunos ciganos, que ficaram perdidos para o insucesso e abandono, apesar da luta dos professores e de muitos pais, soubessem e pudessem usar as palavras com aquela força!
Não haveria tantos a serem contra eles, fortes com os fracos, e usar como bandeira política o ataque reles aos Direitos Humanos.

Um blogue é feito de palavras….

Quaresma mostrou aos meus alunos ciganos a força das palavras e da resposta pensada e ponderada. Fez mais pela educação de crianças ciganas naquelas linhas que uns iluminados bacocos que andam para aí a dizer que “há um problema com a comunidade cigana”.
Convido esses cultores da retórica baixa a virem conhecer o acampamento onde trabalhei como professor uns anos. Quem lá for, vê e sabe dos problemas: a pobreza, a discriminação, a falta de oportunidades, a doença, a exclusão, a falta de acesso à saúde e à educação. (Reportagem de Ana Cristina Pereira aqui no Público, com belas mas tristes fotos de Adriano Miranda)
A culpa da pobreza não é do pobre. A culpa da exclusão não é do excluído. O COVID19 vai trazer muitos pobres e excluídos.
E os que falam de gente “que não cumpre as regras” talvez se devessem por no lugar do outro. Talvez descobrissem muito sobre o privilégio das suas vidas.

O texto tem a ver com Educação

Com a minha, como pessoa e profissional, que aprendi muito com os meus alunos ciganos em décadas. Mesmo quando são rebeldes e até inconvenientes.
Este blogue não tem a ver com religião. Nem eu sou religioso. Há quem seja e se deixe filmar a rezar antes de atos políticos de candidatura e associe práticas religiosas e ação política.
Li bem o meu Evangelho na juventude e aos que argumentam com os condenados que são ciganos e os seus crimes, para virem, com essa lembrança, condenar todas as pessoas ciganas, eu só consigo falar do episódio bíblico do “quem nunca pecou que atire a primeira pedra” ou lembrar que os crimes individuais não condenam uma família ou uma comunidade. Isso era na Idade Média, em que um filho podia ser desterrado e preso com ferros por ter pai condenado.

Nazi?! Sim, Nazi.

E para os que usaram a tática de dizer que o autor não sabe o que diz ao qualificar de nazi a proposta em discussão, estou totalmente disponível para debater o assunto.
Mas já que este blogue é de educação e sou professor de História, deixem-me recomendar bibliografia.
2 livros. Um de Ron Rosenbaum. Explaining Hitler. The search for the origins of his evil. (Recensão aqui)
Não o melhor livro de História sobre o período do nazismo, mas que foi pessoalmente o mais marcante. Centra-se na origem de Hitler como fenómeno político e na luta de jornalistas de um jornal de Munique (Munich Post) para, muito cedo, revelarem aos distraídos alemães o que ele era. Poucos lhes ligaram e o autor do livro lança-se em algumas reflexões de história alternativa: e se tivessem reagido a tempo e não fossem em balelas de que as suas ideias mais loucas eram meras opiniões?
O outro livro é mais conhecido e chama-se A lente de aumento: os ciganos no holocausto. (Otto Rosenberg e Ulrich Enzensberger, página de Facebook da editora ). Já tem uns anos e foi lançado antes de se vulgarizar o uso da palavra Porajmos para referir o genocídio de ciganos que os nazis realizaram em Auschwitz e outros campos.
Com estas 2 fontes credíveis já chega para se fazer, com segurança, um juízo sobre o nazismo explícito de certas propostas.
E repito. Sim, a proposta que deu origem à polémica é nazi e indigna de um estado civilizado.
E para os docentes que vieram dizer ao blogue que ficam incomodados com o risco de se estar a fazer política ao dizer-se isto, só recordo o que diz o Estatuto da Carreira Docente (artigo 10º, 2, b), sublinhado meu. É dever dos professores:

b) Reconhecer e respeitar as diferenças culturais e pessoais dos alunos e demais membros da comunidade educativa, valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo processos de exclusão e discriminação.

Se um blogue de educação não é o sítio para exercer esse dever de combate, então mais vale ocupar os tempos livres na jardinagem.
E agora sim, posso ir arrumar a minha casa, em paz com a minha consciência. Deixo-vos com uma homónima de quem me aconselharia a não escrever tudo isto. Mas não dava mesmo para ficar calado. Talvez seja perdoado do tempo retirado a outros assuntos.
Vale a pena ouvir a ted talk de Djiana Pavlovic sobre isto de que estamos a falar.
Lamento profundamente ver tanto professor a comentar e a dizer que acha que ser racista é um problema meramente de opinião política. Já fui discriminado, como se fosse cigano, num país de louros, em que “ser moreno é ser cigano”. Sei o que se senti. E foram só uns minutos, não é a vida toda.
PS: agradeço ao Alexandre a solidariedade de defender um texto que não leu previamente e a integridade de valorizar este blogue como espaço livre. Agradeço aos que comentaram e defenderam o que escrevi.

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