terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Poesia da Semana: "Estão podres, as palavras" de Jorge de Sena

Yves Tanguy - The Hand in the Clouds. La Main dans les nuages, 1927

Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.

E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.

Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?

Estão podres: e com elas apodrece a mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.

Poema incluído na antologia Poesia-III, Moraes Editores, Lisboa. O poema "Estão podres as palavras" foi publicado pela primeira vez no livro "Conheço o sal... e outros poemas" em 1974.
Jorge de Sena, (1919-1978) ficcionista, poeta, dramaturgo, crítico e ensaísta português, nasceu em Lisboa e faleceu em Santa Barbara, Califórnia, nos EUA.

2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

Jorge de Sena faleceu em Santa Barbara, na Califórnia, a 4 de junho de 1978.

João Soares disse...

Bom dia, Manuel
Corrigido. Obrigado. Um abraço.