quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Entrevista a Jorge Paiva: “Não há educação ambiental em Portugal”


Jorge Paiva diz-se “desiludido” com o comportamento das pessoas – mais ainda “com a hipocrisia dos decisores políticos nas questões ambientais”. Fala abertamente, dir-se-ia que praticamente sem filtros, como homem livre e cidadão crítico face às contradições que observa nos comportamentos e nas (in)decisões dos líderes governamentais, e não se refere apenas a Portugal.

Com a afabilidade que lhe é própria, o cientista cuja história de vida está intimamente ligada às plantas e aos seus segredos, embora avesso às exibições políticas e ao “show off” ambiental, recebe-nos no gabinete que ainda mantém no Departamento de Ciências da Vida, na Universidade de Coimbra.

Como taxonomista (que define os grupos de organismos biológicos com base nas suas características comuns), percorreu meio mundo em missões científicas: África, Austrália, América do Sul e, claro, Península Ibérica.

Distinguido com o estatuto de sócio de honra da Sociedade Portuguesa de Ecologia, a juntar às muitas provas de reconhecimento público e académico, é curioso o facto de, em 2020, a autarquia de Tomar ter aprovado, por unanimidade, atribuir o nome de Jorge Paiva ao carvalho-português centenário que se encontra no jardim da Biblioteca Municipal António Cartaxo da Fonseca. A ideia foi proposta pela Associação Sociocultural e Ambiental “30Por1Linha”, em parceria com a Escola Secundária de Santa Maria do Olival, que apresentou um requerimento ao município, aliando o botânico a esse exemplar da espécie classificada Quercus faginea.

Foram, então, marcantes as suas lições sobre a biodiversidade e, particularmente, o desafio que o botânico ali apresentou em relação aos sabores das comidas mais prováveis nos povos da antiga Lusitânia, coordenando um jantar que permitiu à comunidade escolar nabantina “saber como se alimentavam” esses caçadores e guerreiros lusitanos contemporâneos de Viriato: plantas como o dente-de-leão (para a salada), o saramago (para a sopa) e outros produtos selvagens que acompanhavam o javali e a lebre, com pão de bolota ou de castanha, a par de uma bebida alcoólica feita de frutos silvestres (a sidra, recordada pelo grego Estrabão), entre outros velhos pitéus.

Ao salientar a importância do património biológico para a sobrevivência humana, Jorge Paiva surpreende-se com o alheamento da sociedade consumista, que privilegia o património material. Quando este pedagogo costuma contar a história da floresta lusitana aos mais novos, o teixo (planta extremamente tóxica e letal até para o gado, entretanto desaparecida da serra da Lousã) parece que assume o papel de bruxa malvada, que ninguém quer ter próximo e que, por isso, corre o risco de se extinguir. Todavia, como nos apercebemos ao longo da entrevista, os maus na narrativa ambiental são outros.

sinalAberto (sA) – É uma preocupação mundial evitar os impactos do aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e respectivas trajectórias de emissão de gases de efeito estufa, como expressa o relatório especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. O que pensa disto?

Jorge Paiva (JP) – Eu não acredito em nenhuma das atitudes que os políticos têm tido, desde há mais de trinta anos, reunindo-se internacionalmente e resolvendo que vão actuar. Porém, na reunião seguinte, chegam à conclusão de que não fizeram nada. De maneira que andamos nisto, porque os políticos mundiais ainda não se consciencializaram, não têm consciência da realidade. É por isso que eu insisto na educação ambiental, sobretudo nas escolas. Mas, neste momento, estou desiludido porque, quando esses jovens chegam a adultos, a sociedade consumista já os tem manipulados. Até agora, praticamente, ainda não se fez nada de concreto. Ao menos, tomem uma atitude mais frontal, como o fez Donald Trump, declarando que não queria colaborar. Dizer que colaboram e, depois, não fazerem nada é uma farsa!

sA – A obra pedagógica Litoral – Um Espaço de Descoberta, de que é co-autor (com Cristina Fernandes e José Alho, entre outros), chama a atenção das novas gerações para um ambiente de transição que voga ao sabor das marés. Um quarto de século depois de ter sido escrito, o que foi feito na defesa da diversidade biológica? A lição que o livro transporta foi bem apreendida pelos jovens a que se destinava?

JP – Não, a lição não foi bem compreendida por esses jovens, porque as pessoas esquecem. Inclusivamente, a nossa comunicação social não actua de uma forma pedagógica, antes pelo contrário. Isto está tudo interligado. Nesta sociedade consumista, também interessa que os órgãos da comunicação social, particularmente as televisões e as rádios, entrem neste processo. Estes assuntos são pouco mostrados nas televisões. E, quando é mostrada qualquer coisa, acontece fora de horas!

Quanto à diversidade biológica, também pouco tem sido feito. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), neste momento, é uma entidade burocrática. Não tem capacidade para actuar, porque não tem pessoal suficiente para as respostas. Apenas dá respostas burocráticas!

Degradação das zonas litorais

sA – É sabido que o litoral constitui uma unidade paisagística de extrema complexidade e sensibilidade, pelo seu valor biológico e ambiental. No entanto, assistimos à destruição das dunas, à degradação das lagoas costeiras e a uma acentuada urbanização e industrialização, com aumentados índices de poluição. O que se espera que as pessoas façam, confrontadas com as suas comodidades e as grandes pressões turísticas?

JP – Há entidades turísticas e hotéis que gostam de construir em cima da duna, mas a culpa é das autarquias que autorizam. Aí, o responsável já não é o governo central. E há muitas construções feitas sobre o património marítimo. Na faixa litoral, há inclusivamente um hospital [neste caso, o Centro Clínico Champalimaud, que está localizado na zona ribeirinha de Belém, em Lisboa]. Eu nunca entraria nesse hospital construído num local expressamente proibido!

E as pessoas também gostam de fazer a casa o mais próximo possível da praia, esquecendo-se das consequências. Quando começaram a ver o avanço do mar, construíram paredões que seguravam de um lado, mas tiveram de fazer outros no outro lado… Assim, a anterior linha da nossa costa, vista do ar, parece um pente!

sA – Pelo que afirma, as autarquias e demais entidades não estarão motivadas para evitar a construção sobre as dunas e junto das praias, nem para condicionarem o licenciamento de extracção de areia no litoral?

JP – Não, não estão! Começam por dizer que não autorizam, mas, depois de darem as voltas que querem, nós continuamos a assistir aos disparates.

sA – Que espécies da vegetação e da fauna costeira estão em risco de desaparecer devido às agressões ambientais, a exemplo da deposição de lixos e entulhos nas dunas e da poluição das águas?

JP – Há várias espécies em risco… Refiro, por exemplo, uma planta que a gente já não vê há mais de cem anos e que existia na zona litoral de Odemira, particularmente da espécie endémica Armeria. No entanto, o município de Almada cultiva armérias nos jardins junto das praias. Essa planta – que, no Mundo, só existia em Odemira – desapareceu porque o terreno foi arroteado para a agricultura. Por acaso, há um exemplar em Coimbra [no Instituto Botânico] e outro exemplar seco em Lisboa. Não existem sementes porque, naquela altura, não havia esse tipo de preocupações.

sA – A árvore mais alta que existe no país – como menciona na brochura Relíquias Vegetais de Portugal — é um eucalipto, o “Karri” australiano que se encontra na Mata de Vale de Canas, em Coimbra, com cerca de 75 metros de altura (o mais alto na Europa). Por outro lado, como também observa, o maior exemplar do eucalipto “Mountain Ash” do qual se conhecem exemplares tão altos como as sequóias (120 metros de altura), encontra-se na Mata do Buçaco, no início do Vale dos Fetos. Sabendo que as plantas são determinantes dos diferentes habitats e substratos e, igualmente, que o declínio da diversidade pode ter efeitos catastróficos na vitalidade dos ecossistemas, porque se aposta tanto na plantação de eucaliptais?

JP – Isto é próprio da sociedade em que vivemos. Uma sociedade consumista pensa no grande lucro e o mais rápido possível. E o eucalipto tem um crescimento rápido… Antigamente, os agricultores diziam: “Se eu plantar um castanheiro ou um souto, isso não é para mim, mas para os meus netos.” Hoje, não se pensa assim, porque importa o lucro rápido. O que é próprio da sociedade consumista em que estamos integrados.

sA – Admitindo que o uso generalizado das novas tecnologias faça diminuir o consumo de papel e que o que existe de forma excedentária no Mundo seja devidamente reciclado, o denominado “ouro verde” da indústria vai ter, proximamente, menor cotação nos mercados e menos procura? Isso será suficiente para influenciar os programas de produção contínua da pasta de celulose, com repercussões favoráveis no ambiente, a exemplo da diminuição das descargas nos rios Zêzere e Tejo?

JP – Não acredito muito nisso. Mesmo que se proibisse o papel, não resolveríamos os problemas ambientais. Embora o papel molhado acabe por se desfazer, temos o caso complicado do plástico. Sobretudo quando não é reciclável, as pessoas deitam-no no chão, sendo arrastado pelas chuvas para as linhas de água, passando pelos rios e acumulando-se nos oceanos. Actualmente, com fotografias por satélite, verificamos que se formaram cinco ilhas de materiais plásticos, devido às correntes oceânicas. Duas no Pacífico, duas no Atlântico e outra no Índico. A do Pacífico Norte tem, agora, uma superfície de cerca de quarenta vezes a área de Portugal. Isso é diabólico e está a aumentar, porque as pessoas não deixam de atirar lixo… Até as máscaras descartáveis deitam para o chão! Houve um presidente de câmara municipal que foi logo vacinar-se, mas esqueceu-se que deveriam ser prioritariamente vacinados os que andam a apanhar o lixo. Há pouco tempo, vi uma senhora a varrer várias máscaras que as pessoas deitaram para o chão. Isto é uma falta de consciência e de civismo, porque também não se investe na qualidade do discurso da própria comunicação social.

Quando o Governo português anunciou que iria proibir as garrafas e os garrafões de plástico, eu disse a muita gente que não acreditava nisso. De facto, até hoje, continuamos com o vasilhame de plástico. Fui, uma vez, atrás de uma “corrida pelo meio ambiente” – eu não participo em manifestações dessas! – e vi que as pessoas, ao beberem água, arremessavam as garrafas para o chão. E era uma corrida para o ambiente!

A propósito daquela grande poluição provocada pelas descargas ilícitas nos rios, que eu considero inconcebível, pergunto porque foi o Estado a pagar a limpeza e não a empresa que poluiu. Além da obrigação de pagar milhões de euros nas operações de limpeza, a empresa poluidora deveria ser multada em outros milhões. Mas foi com o dinheiro dos contribuintes que se fez a limpeza. Isso não pode continuar!

A monocultura e a extinção das espécies

sA – Na silvicultura, são plantadas vastas áreas de uma única espécie de árvores (a exemplo dos pinhais, dos choupais, dos soutos e dos olivais intensivos), sendo usadas estirpes geneticamente uniformes da mesma espécie, como sucede com os eucaliptais (especificamente de Eucalyptus globulus). Que consequências antevê, na perspectiva da biodiversidade e da sobrevivência humana, quando sabe que se criou em Portugal a maior área de eucaliptal contínuo da Europa? Que estratégias aconselharia, principalmente a nível nacional, a fim de diminuir o ritmo das extinções biológicas?

JP – Isso é um risco brutal, não só na arborização como também nas outras monoculturas, porque fica tudo igual e porque há ainda a possibilidade de uma pandemia, tal como sucede agora connosco. Mas não somos todos iguais, felizmente! Caso contrário, já estaríamos todos infectados. Quando é tudo igual, pode haver uma pandemia dessas e, de um ano para o outro, em menos de dois anos, extingue-se… Por exemplo, actualmente, dependemos de oito cereais. Se forem todos iguais, com uma pandemia dessas, desaparecem rapidamente. As pandemias não são só para a espécie humana. Os esquilos desapareceram de Portugal devido a uma pandemia com vírus, que os limpou daqui. Por acaso, houve uns resistentes em Espanha que se foram reproduzindo e também cá chegaram.

sA – Quantas árvores nativas já plantou? De que espécies e com que intenção? Plantar árvores é uma atitude política ou, simplesmente, uma forma barata e consciente de reduzir o dióxido de carbono e a salinização dos solos?

JP – Não sou dessa área… Já plantei algumas coisas com os alunos, mas não gosto muito desse tipo de “show off”. É, de facto, uma atitude política. Habitualmente, vemos os políticos a plantar no Dia da Árvore. Os dias comemorativos são todos uma farsa! Sobretudo, porque se subordinam a uma sociedade consumista: “É o Dia da Árvore, não se esqueça de comprar uma para plantar! É o Dia do Pai, não se esqueça de lhe comprar uma prenda! É o Dia dos Namorados, não se esqueça…” Os meus filhos, no Dia do Pai, não me telefonam nem me compram nada, porque sabem que não gosto disso.

Actualmente, vemos autarquias a fazerem coisas em condições e a plantarem muitas árvores nativas. Há autarquias que têm “pensamento verde” e que preservam boas áreas verdes, independentemente da cor política delas. Digo bem do município de Almada, que tem o melhor parque urbano. Não tem um edifício lá dentro! O Parque da Paz não tem um restaurante, nem sequer um café, para se estar em paz no meio da Natureza, com muitos animais que, na maioria, foram lá parar. E com vigilância constante, para que as pessoas não possam poluir. Aqui não! Em Coimbra, já foi anunciado que vai haver um restaurante na praia fluvial. É a lógica do consumismo. A autarquia de Coimbra não tem pensamento verde, mas pensamento negro. Já Ponte de Lima é um espectáculo! A autarquia de Valongo planta muitas árvores e tem também o cuidado de optar por espécies nativas.

sA – Na sua experiência de botânico, considera que sem as plantas selvagens não é possível uma agricultura próspera. Porém, com os processos de monocultura e de cultivo intensivo e industrializado, apenas se explora 1% das espécies de plantas que ocorrem na Natureza. Actualmente, a alimentação básica diária da população mundial depende, como diz, fundamentalmente, de oito cereais. A superprodução destes cereais e de algumas outras poucas plantas altamente seleccionadas, sob o ponto de vista genético, pode, em situações adversas, causar a fome na Humanidade?

JP – Claro que, quando se descobriu isso, acautelou-se imediatamente, porque se encontrou um processo de preservar sementes com vitalidade durante muitos anos. São os chamados “bancos de sementes”. Há um grande banco de sementes mundial na zona árctica [com essa “caixa-forte” no Árctico visa-se preservar as espécies vegetais, na eventualidade de acontecer alguma catástrofe]. E nós temos um belíssimo banco de sementes para plantas agrícolas [Banco Português de Germoplasma Vegetal], em Merelim, próximo de Braga.

sA – Tem uma horta em casa ou um jardim para cuidar?

JP – Não tenho. Mas tenho um jardim em frente do prédio para o qual aconselhei, quando me perguntaram sobre o que haviam de fazer, que plantassem agapantos. É um jardim mais ou menos homogéneo que dá pouco trabalho, está sempre verde e não é preciso regar.

sA – Preocupa-se em adquirir produtos locais? Procura saber como são cultivados?

JP – Normalmente, compro nos mercados municipais, evitando as grandes superfícies. Sei que há alguns agricultores que usam químicos para determinados produtos que vendem, enquanto a alface para ser comida em casa está num outro canto da horta onde não utilizam agroquímicos. Conheci casos desses.

sA – O que pensa da patenteabilidade de plantas e de animais?

JP – Eu não gosto das patentes, porque são o resultado do sistema consumista. São restritivas porque visam o lucro e não pensam nos outros. Eu sou contra as patentes.

sA – Como também salienta, a utilização de determinadas espécies botânicas em vias de extinção, na agricultura, na floricultura, na fitoterapia ou na farmacologia, bem como na indústria alimentar, garante a respectiva preservação. Além da erva-de-santa-maria (ou mastruço), que dá um sabor muito próprio ao queijo do Rabaçal, que outras plantas tradicionalmente valiosas ou relíquias biológicas correm o risco de desaparecer em Portugal?

JP – Há várias plantas em risco. Felizmente, um grupo grande de jovens [botânicos] fez um “livro vermelho” das plantas em risco em Portugal [Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, coordenada pela Sociedade Portuguesa de Botânica e pela Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação – PHYTOS, em parceria com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. A versão digital da publicação final do projecto está acessível para consulta e descarregamento em formato PDF]. Há também o “livro vermelho” para os animais [assinale-se o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, editado pelo Instituto da Conservação da Natureza; e também o projecto do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental].

Ao saber-se que determinada planta está em risco, há pessoas que têm tendência a lá irem. E não há punição efectiva! Numa sociedade destas, só punindo é que se resolvem estes problemas, porque não há nenhuma educação ambiental. Nós [Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra], há mais de 30 anos, soubemos por um colega que havia um pequeno nicho de uma planta aromática do grupo da erva-de-santa-maria, nas zonas calcárias, a lavender (ou lavândula). Através de uma associação broteriana, comprámos o terreno e vedámo-lo. Passados alguns anos – como é uma planta muito rara e os vendedores, às vezes, contratam pessoas do campo –, foi completamente devastado, não ficou lá nada. Não restou um exemplar!

Também há alguns anos, fiz uma outra coisa. Como eu andava muito no campo, verifiquei que estavam a devastar uma planta bastante comum, a cebola-albarrã, com um bolbo de que retiravam um produto químico para medicamentos, através de um laboratório italiano. Essa empresa farmacêutica tinha, aqui, duas ou três pessoas que contratavam os camponeses que iam colher. E pensámos: “Isto vai desaparecer!” Então, entrámos em contacto com os responsáveis desse laboratório e convencemo-los a que cultivássemos cá a planta, em vez de andarem a colhê-la no campo. Eles investiram nisso e, mais tarde, verifiquei que já não se colhia essa planta em Portugal. Numa revista deles, que me enviavam, soube que passaram a cultivar a cebola-albarrã na Índia. Se não fosse assim, apesar de ser uma planta comum, era capaz de se extinguir.

Preservação dos endemismos e dos ecossistemas

sA – Que medidas urgentes devem ser tomadas para a conservação desses endemismos (grupos taxonómicos que se desenvolveram numa região restrita) e dos seus ecossistemas?

JP – Há medidas, mas o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF] não tem capacidade, está transformado numa instituição burocrática, porque tem pouco pessoal. Por isso, dá pareceres e mais nada! A competência é do ICNF, mas deveria ter capacidade para isso. Normalmente, o próprio Ministério do Ambiente [e Transição Energética] também não tem capacidade. Este ministério foi sempre pobre, no âmbito dos governos que temos tido. Está tudo dito!

sA – Uma outra planta lenhosa em risco de extinção é o teixo, que já existiu na serra da Lousã. O azevinho é, igualmente, uma planta muito rara e em risco, devido ao interesse que desperta na época natalícia. Estando proibida a colheita de ramagens selvagens desta árvore usada como ornamental, apercebe-se da eficácia da legislação que a quer proteger?

JP – A lei não tem seguimento. Por exemplo, há uns anos, quando ainda dava aulas, um aluno – José Romão, que depois fez o seu doutoramento nos Estados Unidos –, veio ter comigo para me informar de pessoas que apanhavam uma planta aquática no Ribatejo e que a traziam numa lona, em furgonetas. Esses exemplares em flor eram, então, vendidos. Fotocopiámos um diploma, um decreto que proibia a venda e a apanha dessa planta. Na altura, não existia o ICNF e fomos à Guarda Nacional Republicana [GNR]. Disseram-nos que não podiam fazer nada, porque não tinham autoridade para uma coisa dessas. A única solução que nos ocorreu foi – com a colaboração de um grupo de alunos, que se revezavam no mercado – falarmos directamente com os potenciais compradores dissuadindo-os: “A planta é bonita mas não compre, porque a senhora pode ser presa. É proibido apanhá-la, bem como vendê-la e comprá-la!” E foi a única solução que tivemos para parar, ali, o negócio dessa infestante. No entanto, a planta acabou por ser espalhada. Estou a falar do jacinto-de-água, bastante disperso no país, apesar de proibido há dezenas de anos.

sA – O que há ainda a fazer para se conhecer razoavelmente a diversidade biológica, no nosso país, antes que seja tarde?

JP – O levantamento da parte botânica está todo feito. Pode ser que ainda apareça uma ou outra espécie desconhecida, mas o país conhece bem a flora que tem. Nos animais é que não, porque na classe dos insectos há muito por conhecer. Há maior diversidade animal do que vegetal.

sA – Nas suas acções de educação ambiental, recorda-nos que a devastação da pluvisilva (floresta tropical de chuva) do Perú, numa simples crista montanhosa, fez desaparecer 90 espécies de plantas com flor (Angiospérmicas). Sente que o seu trabalho científico e de pedagogo é inútil perante a rápida destruição, pelo abate de árvores e pelos incêndios, da selva amazónica e das restantes florestas tropicais?

JP – Há algum tempo, em conversa com uma professora e minha antiga aluna, observei que, ao estar no limiar da vida ou quando se chega ao fim, qualquer pessoa pensa se fez alguma coisa com utilidade. E eu tenho uma desilusão brutal! Pelo facto de ter feito mais de 2.500 palestras em escolas, incentivando os alunos, os quais percebem o que está a acontecer, mas quando são adultos, a ocuparem determinados cargos, vejo que esqueceram tudo! Foram todos manipulados por esta sociedade consumista.

sA – Nas páginas finais de uma outra sua obra, A relevância do património natural, observa que, a partir de 1975, aumentaram “espectacularmente” os fogos florestais no país, constituindo, na sua opinião, um verdadeiro escândalo nacional a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como de algumas relíquias florestais e até de zonas agrícolas. A que atribui esta situação tão datada e generalizada?

JP – Além de, a partir de então, se ter criado uma maior área mono-específica com eucaliptos, que são muito inflamáveis – assim como os pinheiros –, acabaram com os Serviços Florestais, deixando de haver pessoas a vigiar a floresta, designadamente os guardas-florestais que sabiam quem aí passava e quais eram os incendiários. [Numa pesquisa na Internet, observámos a abertura de um procedimento concursal, pelo Ministério da Administração Interna, para a constituição de reserva de recrutamento para a admissão ao Curso de Formação de Guardas da GNR, em 2021, indicando as condições de ingresso na carreira e categoria de guarda-florestal.] Felizmente, parece que vão fazer isso com drones!
Floresta lusitana

sA – Costuma contar frequentemente a história da floresta lusitana aos mais novos?

JP – Sim, sim…Este era um país florestal que até serviu para nos acoitarmos nas guerras. O Viriato não era mais do que um terrorista. E vivia da floresta. Quero mostrar aos jovens que, dos três patrimónios que existem – o material, o cultural e o biológico –, o que é importante para a nossa sobrevivência é o que a gente menos liga. Sem património material pode-se viver? Os índios, na Amazónia, praticamente não têm património material, andam quase nus. Mas vivem porque têm os frutos, as plantas e os animais que lá estão, do património biológico. E sem cultura? Eu julgo que eles não são cultos e continuam a sobreviver. Por isso, costumo dizer aos alunos: “Eu não como pedras!”

sA – A devastação pelos fogos comprova que há narrativas oficiais que se contradizem a respeito das políticas de prevenção contra incêndios. As investigações sobre a repetida calamidade dos fogos não são sérias?

JP – Já se está a investir na investigação sobre os fogos, mas, para mim, a prevenção ainda não é eficaz. E tem-se visto! Não é com aviões, é com a presença humana no meio rural. Quando acabaram com os Serviços Florestais, acabou-se isso. Talvez agora, com os drones, resolvam um pouco a vigilância.

sA – Em Agosto de 2020, escreveu no jornal Público que é fundamental acabar com os “pirotelejornais”, criticando determinadas práticas jornalísticas que entende serem absurdas e de uma tremenda falta de ética. Há relação directa entre tais formas de noticiar e o aumento do número de fogos? Os pirómanos são, assim, mais sugestionados?

JP – Quem são os pirómanos? Todos nós temos tendência a sermos pirómanos. Todos gostamos de mexer no lume. Assim, se um indivíduo está a ver um noticiário na televisão em que, durante toda essa emissão, está constantemente a ver as imagens do incêndio, isso é diabólico. É incentivar um pirómano. Porque é que não mostram os suicídios, com os indivíduos pendurados e enforcados? Então, porque se faz isto com os fogos? Deveria ser, expressamente, proibido, já que os jornalistas da televisão não têm ética nenhuma.

sA – Quando começou a preocupar-se com o declínio da biodiversidade? O que o fez ser biólogo e dedicar-se ao estudo das plantas?

JP – Desde o início da minha carreira… Em miúdo, eu já gostava destas coisas, apesar de então não haver nenhum biólogo na família. Mas também não influenciei os meus filhos nas suas opções académicas.

Estudo e dedico-me mais às plantas, porque foi neste domínio que me especializei, mas gosto bastante e fotografo muito os animais.

Acerca do equilíbrio dos ecossistemas, recordo que um meu sobrinho (Fernando Jorge Paiva), dinamizador do movimento [cívico ambientalista] “Não Lixes”, se entretém a apanhar o lixo do chão. Uma vez, foi atrás dos peregrinos de Fátima com a intenção de recolher as garrafas de plástico, guarda-chuvas e outros objectos, restos de comida e outros desperdícios largados por eles no caminho. O que, na verdade, é diabólico!

Eu não gosto de “show off”. Por exemplo, houve aqui, num sábado, uma manifestação de apoio à menina Greta [a exemplo da iniciativa “Fridays for Future”, em resposta ao apelo de Greta Thunberg, que mobilizou estudantes de todo o Mundo para a urgência de acções contra as alterações climáticas] a que eu não fui. Na segunda-feira imediata a essa manifestação, decorreu o cortejo da Latada, em Coimbra, de que resultaram 40 toneladas de lixo. E muitos desses jovens tinham estado a manifestar-se a favor do clima. Isto é “show off”. Eu não trabalho em “show off”!

sA – Admitindo que nem 10% da diversidade biológica global se conhece, o desinteresse manifestado pelos políticos e demais decisores justifica a falta de inventariação de muitos milhões de espécies?

JP – Sim, há países que investiram nisso, mas a maioria não. Portugal só há poucos anos investiu nesta área científica. Mariano Gago e Veiga Simão foram muito importantes nisso. Vou dar três exemplos.

Em primeiro lugar, o da Inglaterra, porque está a investir com investigadores da Universidade de Nottingham, a ver se encontram um processo de tratamento eficaz e rápido para esse fim. O levantamento da biodiversidade está feito, há muito tempo, no Reino Unido. Por exemplo, a França não tem apostado nessa inventariação. Portugal tem. Tem sido publicada a Flora Ibérica, da qual vai sair agora o último volume. Esta obra demorou mais de vinte anos, tendo eu pertencido à respectiva comissão editorial e redactorial. Ainda sou seu colaborador, bem como da Flora de Cabo Verde e de algumas revistas científicas.

O segundo exemplo é o da ex-União Soviética e da actual Rússia. Quando se instalou o comunismo, os botânicos foram chamados para fazer o levantamento de toda a flora da ex-URSS [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas]. É uma obra monumental, coordenada por [Andrei Aleksándrovich] Fedorov [ou Fiódorov]. São cinquenta e tal volumes sobre a flora de toda a União Soviética, o que é brutal! Mas foi feito.

Houve também uma altura em que o Brasil investiu nesta investigação científica. Agora não! Há poucos anos, eu encontrava muitos jovens brasileiros, no Royal Botanic Gardens (de Kew), a estudarem plantas. Reuniram uma centena de botânicos, na maioria brasileiros, e o governo propôs que fizessem o levantamento, no Brasil, de todas as plantas que já eram conhecidas pela ciência. É também uma obra monumental, mas trata-se de uma “checklist” [Brazilian Flora Checklist – Lista de Espécies da Flora do Brasil]. Em Portugal, também isso já está feito. É, pois, preciso saber o que existe no país e catalogar.

sA – Quando defende uma radical modificação nas políticas agrícola e agroflorestal do nosso país, o que propõe para evitar a desertificação dos territórios?

JP – Isso aconteceu no final da Monarquia, ao descobrirem que as montanhas estavam nuas, quando antes não estavam. Inclusivamente, o escritor Aquilino Ribeiro recorda que, de acordo com os historiadores, o país estava coberto de florestas. Mas as gentes foram cortando e incendiando… E com as montanhas desarborizadas, as populações passaram a viver do pastoreio. Entretanto, como solução, foram plantadas vastas áreas de uma única espécie.

Onde está pedra, é possível existirem árvores. É uma questão de investimento. Portugal não tinha terra à mostra, nem tem clima para ter terra à mostra… Até porque as árvores seguram o solo. Ao deixar de haver árvores, é claro que, com as chuvadas, a água vem por ali fora, sem solo para ensopar. E vamos continuar a ter inundações, embora já não sejam tão devastadoras, porque temos barragens.

Com a erosão das montanhas e os solos arrastados, verifica-se que, por exemplo, o rio Mondego tem 30 a 40 metros de altura de areia. Ou seja, com o assoreamento, os alicerces da Ponte de Santa Clara têm 30 metros de altura, até encontrarem uma base rochosa. As primeiras plantas do Jardim Botânico de Coimbra [estabelecido pela reforma pombalina em 1772], estávamos no século XVIII, saíram do Jardim da Ajuda, com um jardineiro-chefe, entraram na Figueira da Foz e vieram de barco até Coimbra. Isto hoje seria impossível!

sA – Depois de uma “Revolução Verde”, iniciada em meados do século XX, através dos processos de monocultura e de cultivo intensivo, utilizando agroquímicos e muitos pesticidas, vê na actual “Revolução Biotecnológica” a possibilidade de acabar com a fome no Mundo?

JP – As grandes companhias, quando investem nisso, não pensam em resolver a fome do Mundo, mas nos lucros mais rápidos que possam ter.

sA — O que o preocupa neste tipo de produção alimentar e no presente sistema de vida?

JP — O problema consiste em que tudo é geneticamente igual. O que é um risco muito grande perante uma eventual pandemia. As pandemias não se manifestam só na espécie humana. Há-as também para os outros seres vivos.

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