sábado, 21 de junho de 2025

Entrevista. Drauzio Varella em Lisboa: 30 anos de histórias reais da Amazónia no lançamento de “O Sentido das Águas”


A travessia entre mundos
Ao longe, uma figura alta e esguia atravessa a Rua da Escola Politécnica, no Príncipe Real, em Lisboa. Movimenta-se com uma elegância contida, passos seguros, gestos serenos. Dr. Drauzio Varella parece imune ao calor daquele fim de tarde, à azáfama urbana, ao próprio ruído do tempo. Comunicador reconhecido, já teve lugar no horário nobre do maior canal televisivo da América Latina, a TV Globo. Oncologista renomado, foi pioneiro no estudo da biotecnologia para o tratamento do cancro e da SIDA no Brasil. Octogenário irrequieto, começou a correr aos 50 anos e com 82 pretende participar da maratona de Berlim, em setembro. Escritor singular, com o best-seller Estação Carandiru, retratou um ambiente tão conhecido como temeroso, a Casa de Detenção de São Paulo. Como se não bastasse, viajante. Chegara à Lisboa há poucos dias vindo do Brasil.

Conhece bem a cidade. Aqui tem casa, refúgio, silêncio — o necessário para escrever, ler e pensar. Regressou pela tranquilidade que aqui encontra e para lançar o seu vigésimo livro, O Sentido das Águas – histórias do Rio Negro (edição Companhia das Letras), obra que condensa mais de 100 viagens ao coração da floresta Amazónica, entre Manaus e São Gabriel da Cachoeira.

Qualquer conversa com Drauzio — e ele prefere o tratamento informal, com uma simpatia desarmante — por si só, daria um livro. Pessoa que inspira respeito pela voz serena, conversa interessante, informativa e articulada. O seu percurso pessoal e profissional é o testemunho do que de maior um ser humano pode aspirar a ser. 

Mais do que um diário de campo, o livro de Drauzio é um conjunto tocante de retratos humanos — sem moralismos, sem adornos fáceis — com a intenção clara de ouvir o outro. Ambiciona transmitir um maravilhamento que o contato direto com a natureza em estado bruto consegue. Histórias colhidas entre os vapores dos rios e o silêncio das aldeias, entre os doentes esquecidos e os curandeiros, entre os ecos das lendas e os horrores da história. Drauzio aproxima-se como quem escuta, como quem aprende, com a delicadeza de quem sabe que não se pode contar a Amazónia tentando moldá-la aos esquemas europeus ou aos termos vazios como “luxuriante”. Como dizia Euclides da Cunha: “A Amazónia é um excesso de céu por cima de um excesso de águas”. Qualquer adjectivo forçado empalidece perante tamanha vastidão. Reconhecendo isso, Drauzio é claro quando diz que o livro traz histórias “da região do rio Negro”. 62, para ser precisa. Na literatura folclórica brasileira, o boto dor-de-rosa, curupira e boitatá são algumas das figuras que enriquecem o imaginário coletivo. Em O Sentido das Águas, Drauzio comunica diretamente com testemunhas destes mitos ao mesmo tempo que, como bom professor, ensina através da história, relata a inação do Estado com o património humano e ambiental onde crimes do tempo do Império ainda são perpetrados.

A ciência no interior da floresta: da Biotecnologia à Biofilia
Mas porquê, afinal, um oncologista internacionalmente reconhecido — pioneiro no uso de biotecnologia no tratamento do cancro e da SIDA — se embrenharia pelos afluentes escuros do Rio Negro? A investigação científica foi o estopim. Mas, talvez no seu profundo inconsciente, tão escondido como alguns recônditos da floresta que ocupa mais de 60% do território brasileiro, a resposta esteja numa palavra esquecida do vocabulário contemporâneo: biofilia. 

O termo, cunhado por Erich Fromm e popularizado por Edward Wilson, traduz o amor instintivo à vida, à natureza, àquilo que pulsa fora de nós, mas do qual dependemos inteiramente. Drauzio parece movido por essa pulsão ancestral — uma ânsia de reencontro com algo maior, mais essencial, que não cabe nos corredores de hospitais, bancos de universidade, cadeias ou à frente das câmaras. Daí hoje, a leitura de tal obra, escrita por esta personalidade é essencial.

A sua escrita, neste novo livro, ressoa com essa procura. Sem paternalismo, sem exotismo, ele retrata comunidades indígenas com a dignidade de quem sabe que a verdadeira grandeza está na resistência serena, na sabedoria transmitida pela oralidade, no modo como se vive — e morre — no interior da floresta. À semelhança dos naturalistas do século XVIII, como Alexandre Rodrigues Ferreira, Drauzio recolhe relatos, observa costumes, regista o que vê e sente. Ferreira, que recebera do Marquês de Pombal a missão de sondar as potenciais riquezas da Amazónia, falava do “rio de águas âmbar”. Curiosamente ou não, parte do seu espólio está no Museu de História Natural na mesma rua lisboeta onde encontrámos Drauzio. Ao contrário do mandatário do Marquês, as riquezas que Drauzio procurou no norte do Brasil tinham como objectivo serem estudadas não para enriquecer um império, mas para devolver a saúde de doentes cancerígenos, pessoas que vivem com o VIH, sem que para isso a vida dos povos que mantém a floresta viva fosse explorada. Na verdade, O Sentido das Águas oferece aquilo a que um grande contador de histórias pode aspirar: a humildade de um olhar profundamente humano.

Nascido no bairro fabril de imigrantes do Brás, na megalópole de São Paulo, desde muito jovem interessava-se por ouvir e contar histórias. Terreno fértil não lhe faltava: filho de pai galego e mãe brasileira, foi sobretudo criado pelos avós portugueses: ela do Porto e ele de Trás-os-Montes. Portugal sempre esteve à mesa através do bacalhau servido em casa duas vezes por semana. O menino que adorava jogar à bola na rua encantou-se cedo pela leitura que os “gibis” de Jerônimo, o herói do sertão e O Anjo, pela maneira como este mundo o absorvia e o transportava para outros. “A leitura é uma atividade que trabalha com todos os processos cognitivos.” É certo que estas influências foram formadoras para o futuro Dr. Drauzio Varella, como também o é a tenacidade do seu espírito em manter a curiosidade de menino como um guia para a vida. 

Em conversa exclusiva para a Comunidade Cultura e Arte, Antônio Drauzio Varella, partilhou a génese do projeto, marcada por uma inquietação que começou muito longe da floresta.

A luz que a ignorância acendeu
Entre as décadas de 1980 e 1990, a medicina passava pela pesquisa de tratamento do cancro através da biotecnologia, ao mesmo tempo que um novo vírus era descoberto: o da imunodeficiência adquirida, a SIDA. Nesta altura, entre a prática clínica, pesquisa e docência, Drauzio Varella envolveu-se com os seus pares da Cleveland Clinic, como seu amigo Rolando Bukowski, em pesquisas que estavam a transformar a medicina. Mas o Brasil ainda gatinhava no debate científico. Bukowski alertou para que se não se conseguisse mostrar a utilidade da floresta “como é que ela seria mantida? Fiquei com essa frase na cabeça. Voltei para São Paulo, falei com o João Carlos, dono da UNIP (Universidade Paulista) que tinha o barco Escola da Natureza e sugeri montarmos um projeto de screening.” Naquela época, não havia ninguém no Brasil capacitado para a tarefa. Drauzio imaginou um curso de biotecnologia com nomes de peso da ciência mundial. O plano parecia ambicioso demais, mas a bordo do barco que estava ancorado no Rio Negro, em plena floresta, Robert Gallo — co-descobridor do vírus da SIDA — lhe lançou a pergunta que transformaria tudo: “Quem está a estudar esta diversidade? Quem está a fazer rastreio farmacológico aqui?” A pergunta ficou. E — novamente — transformou-se em acção.

“A rotina consiste em selecionar uma planta, uma árvore de qualquer altura, colher as cascas, as folhas, se tiver flores, frutos; uma amostra é preparada para ir para um herbário; esta parte é moída, dissolvida em água, álcool e, a seguir, liofilizada. Temos 2.500 desses extratos em stock a menos 20 graus, uma extratoteca importante, a maior dessa região do Brasil. Por fim são feitos testes experimentais com esses extratos para saber se é possível combater células tumorais ou bactérias resistentes. Este é o projeto.”, sublinha-nos Drauzio Varella. 

Mas foi a floresta, e não apenas a ciência, que conquistou Drauzio. “Fui-me apaixonando cada vez mais por aquele lugar”, confessa. E assim ano após ano, deixou-se envolver por aquele espaço onde a natureza e a cultura coexistem num equilíbrio ancestral, que escapa às lógicas da acumulação. “Os indígenas vivem nesta região há cerca de 14 mil anos. A floresta é uma construção social destes povos que a mantêm de pé”, refere.

É esse olhar — simultaneamente clínico e afectivo — que se traduz no livro agora publicado. Drauzio escreve como quem viveu, como quem viu de perto os ciclos da mandioca e os rituais dos pajés, os silêncios dos rios e os gritos das injustiças. Relata, por exemplo, o caso do nativo que caça uma paca para sustentar a família e vê o animal confiscado por um fiscal que, sem pudor, acaba por assá-la num churrasco. Ou o episódio em que dois soldados da etnia Hupda são forçados a dormir no chão por colegas Tukano, num quartel onde o preconceito indígena é exposto em toda a sua crueldade.

«O coronel mandou chamar os quatro soldados indígenas que dividiram o alojamento.
— Vou falar uma vez só. No Exército servem brancos, negros, indígenas, filho de japonês, de chinês, de árabe, de judeu. Aqui não admitimos preconceito racial de jeito nenhum, muito menos racismo étnico.» (O Sentido das Águas, p. 163)

Tristão da Cunha - A Utopia que funcionou


Em 1937, como parte de uma missão científica norueguesa, Peter Munch visitou Tristão da Cunha. Ele ficou surpreso ao descobrir que a forma da organização social na ilha era a anarquia... e tem sido há mais de 100 anos.

Não havia governo, nem polícia, nem dinheiro nem líder. Munch escreveu: "Os princípios da liberdade e da anarquia estavam firmemente enraizados na comunidade Tristão como uma classe social baseada no consentimento voluntário de homens e mulheres livres. Nessa comunidade não só o poder, o controlo ou qualquer tipo de governo oficial ou informal é considerado desnecessário e indesejável, mas considerado uma ameaça aos direitos individuais”. (P. Munch, Crise em Utopia, 1971)

Os habitantes de Tristão não eram uma comuna autoeleita que tinha ido lá para estabelecer utopia. Eles eram de todas as etnias e sobreviventes de naufrágios ou de antigas baleias que lá haviam dado há mais de 100 anos. O facto de a anarquia se ter tornado a forma natural da sua organização social e ter persistido contra todas as tentativas do governo britânico de a minar é ainda mais notável.

Ilha Tristão da Cunha - a ilha habitada mais isolada do mundo.
Tristão da Cunha faz parte de um arquipélago localizado no Oceano Atlântico Sul e fica a aproximadamente 2.400 km da ilha de São Vicente.  Aproximadamente o mesmo número de quilómetros o separa da África do Sul, e são mais de 3.200 km até a costa da América do Sul. 
Este apresenta um relevo de origem vulcânica.
Não há aeroporto na ilha, e o acesso só é possível por barco. Os cerca de 300 habitantes são descendentes daqueles que se estabeleceram na ilha no século XIX. A ilha tem uma escola, um hospital, um museu, uma agência de correios, um pub, um café e uma piscina

Histórias que nos inspiram - a descoberta da insulina


Em 1922, um dos maiores milagres da medicina aconteceu em silêncio, dentro de um quarto de hospital infantil em Toronto.

Dezenas de crianças diabéticas jaziam em coma.
Seus corpos, exaustos.
Ao lado delas, pais paralisados pela dor, apenas esperavam o inevitável.
Naquela época, a diabetes era uma sentença.
Sem cura. Sem esperança.
A única defesa era uma cruel dieta de fome, que adiava a morte… mas roubava a infância.

Então, uma equipe de cientistas entrou naquele cenário de desespero.
Em suas mãos, carregavam um frasco com um extrato purificado, um novo nome: insulina.

Eles foram de leito em leito, injetando aquele remédio ainda experimental.
E então, o improvável aconteceu:
Antes mesmo de terminarem, uma das crianças se mexeu.
Depois outra.
Olhos antes fechados, agora se abriam.
Corpos à beira do esquecimento voltavam à vida.

O quarto, que momentos antes era um túmulo de esperança, se transformou num milagre em movimento.

Por trás desta revolução estavam Frederick Banting e Charles Best, guiados por John Macleod, e com a contribuição decisiva de James Collip, que refinou o extrato.

Mas talvez o gesto mais grandioso tenha vindo depois:
Eles venderam a patente da insulina à Universidade de Toronto por apenas um dólar simbólico.
Porque acreditavam que ninguém, absolutamente ninguém, deveria ter o direito de possuir a salvação de uma vida.

Em 1923, Banting e Macleod receberam o Prêmio Nobel.
Mas a verdadeira recompensa estava além de qualquer troféu:
Ela estava em cada vida salva, em cada futuro devolvido, em cada criança que respiraria mais um dia,
livre da sombra do esquecimento.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Seis em dez estudantes universitários sentem-se tristes e deprimidos, recorrendo a psicotrópicos

Fonte: Público
Isso é quase geral por essa Europa fora. Não é exclusivo dos jovens Portugueses. Vão às manifes, etc, empenham-se socialmente e depois de revoltados, segue-se a sensação de impotência pois o mundo quase nada mudou. Ficam anódinos, acham que as suas acções são insignificantes. Os professores também estão esgotados, porque o que ensinam (esperança, exposições, empatia) não se reflecte no que se vê no mundo.
Um tema eloquente para reflectir:


A música original é do dinossauro do techno alemão Westbam em combinação com o cantor Richard Butler, conhecido como a voz do brilhante Psychedelic Furs

Dia Mundial dos Refugiados - cortes brutais na ajuda humanitária estão a sufocar a assistência

UN High Commissioner for Refugees Filippo Grandi greets women and children returning to Syria from Lebanon on a bus at the Jdeidat-Yabous border crossing.

As Nações Unidas criticaram hoje, no Dia Mundial dos Refugiados, os cortes destinados à ajuda humanitária que põem em risco as 122 milhões de pessoas obrigadas a encontrar proteção longe dos locais de residência.

O responsável máximo pelo Alto Comissariado nas Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), Filippo Grandi, lamentou em comunicado a incapacidade que se regista na solução dos conflitos e que provocou um aumento sem precedentes do número de refugiados de guerra em todo o mundo: 122 milhões.

Em concreto, Grandi referiu-se aos conflitos no Sudão, Ucrânia, República Democrática do Congo e Gaza. 

"Para piorar uma situação desesperada, os cortes brutais na ajuda humanitária estão a sufocar a assistência, ameaçando a vida de milhões de pessoas que precisam desesperadamente de ajuda", alertou o responsável pelo ACNUR na mensagem que assinala o Dia Mundial dos Refugiados.

O alto-comissário disse ainda que é importante reafirmar a solidariedade para com os refugiados com ações urgentes.

Por outro lado, demonstrou esperança em exemplos que disse serem inspiradores - que não especificou - de países localizados nos limites de zonas de guerra que continuam a acolher e a proteger refugiados.

"Os inúmeros atos individuais de bondade e compaixão (...) revelam a humanidade comum", afirmou sem detalhar. 

No mesmo documento, Filippo Grandi referiu que se encontra na Síria, onde após 14 anos de "crise e desespero" (guerra civil), dois milhões de pessoas já decidiram regressar.

No caso da Síria, Grandi referiu que existe esperança em relação à situação dos refugiados, tratando-se de uma oportunidade que deve ser aproveitada.  

Segundo Grandi, trata-se de momentos que são apenas possíveis graças à solidariedade demonstrada pelos países vizinhos da Síria, que proporcionam refúgio às pessoas.

O responsável da agência das Nações Unidas elogiou as comunidades sírias que estão a acolher os compatriotas com o apoio de instituições como o ACNUR e "parceiros locais e internacionais".

"Neste Dia Mundial dos Refugiados e todos os dias, os governos, as instituições, as empresas e os indivíduos podem provar que, ao ajudar as pessoas apanhadas em conflitos sem sentido, podem vir a alcançar estabilidade, humanidade e justiça", disse Grandi. 

Marcelo alia-se à ONU e pede solidariedade para com refugiados em Portugal
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou hoje que "este é o momento para demonstrar solidariedade para com os refugiados que procuram Portugal", pedindo ações nesse sentido e rejeitando "visões egoístas da comunidade". 

Numa mensagem publicada no 'site' oficial da Presidência da República, a propósito do dia mundial do refugiado, o chefe de Estado salienta que "a persistência e o agravamento dos conflitos, a crise climática, as complexas e perigosas inter-relações entre estes problemas, bem como os recentes cortes na ajuda humanitária forçam, neste ano de 2025, mais de 122 milhões de pessoas a abandonarem as suas casas em busca de segurança e proteção". 

Realçando que a Organização das Nações Unidas (ONU) pede solidariedade para com os refugiados, o Presidente da República português associa-se a este apelo. 

"Este é o momento para demonstrar solidariedade para com os refugiados que procuram Portugal, honrar as suas histórias e mostrar apoio inabalável à sua situação", lê-se na mensagem. 

O chefe de Estado português avisa que esta solidariedade expressa-se "por ações, entre as quais a criação de condições condignas de acolhimento e a promoção de políticas de proteção".

"Só assim se poderá priorizar um princípio de humanidade compartilhada, em detrimento de visões egoístas da comunidade", acrescenta. 

Ler mais:
«Não é para vocês»: abrigos israelitas excluem palestinianos enquanto as bombas caem

Palavras Que Não Ferem

Bom dia. Sobre as palavras que magoam, dilaceram, discriminam, oprimem, ofendem. Um poema meu e uma foto minha de um sem abrigo, ontem no Porto. Que as palavras que usamos elevem-nos e não o contrário.
Palavras Que Não Ferem
Fala…
mas fala com alma.
Com a intenção de não ferir.
Com o desejo de acalmar.
A palavra, quando nasce no cuidado,
tem perfume de verdade.
Não precisa gritar.
Não precisa vencer.
Quem sabe ouvir antes de dizer,
já começa a curar o mundo.
Palavras não foram feitas para cortar.
Foram feitas para tocar.
Com leveza.
Com presença.
Com compaixão.
Respira…
Há coisas que o silêncio diz melhor.
E há palavras que só valem
se vierem com o coração limpo.
Antes de falar, pergunta a ti mesmo:
— Isso é necessário?
— É verdadeiro?
— É gentil?
Se não for…
deixa passar.
Como folha no rio.
Porque palavra que magoa
volta.
E se aloja,
em quem falou…
e em quem ouviu.
Escolhe ser ponte,
e não pedra.
Escolhe ser abrigo,
e não arma.
O dom da palavra é sagrado.
Usa-o como quem toca
o que é mais frágil no outro:
a alma.

João Paulo Soares, 20.06.2025

José Mujica - Life in a globalized world


O antigo presidente do Uruguai José Alberto “Pepe” Mujica Cordano era um ícone da esquerda. Neste filme, a sua defesa por um mundo mais justo entrelaça-se com as histórias globalizadas dos migrantes africanos e dos trabalhadores espanhóis e japoneses.

O documentário mistura histórias de pessoas de três continentes: migrantes africanos que querem fugir para a Europa, trabalhadores espanhóis que já não se podem dar ao luxo de viver onde estão e funcionários japoneses que se sentem sozinhos no mundo moderno. Embora os continentes, as classes sociais e as etnias nos possam separar, no âmago da nossa existência humana somos todos um só. Todos nós temos desejos, vontades, esperanças e sonhos. É aqui que reside a oportunidade, não apenas para abordar os efeitos negativos da globalização, mas para criar algo novo em conjunto.

No plano global, Mujica foi uma voz que desafiou o cinismo de nosso tempo. Sua crítica ao consumismo, sua defesa radical da liberdade como tempo de vida e seu estilo de vida simples — morando numa chácara, dirigindo um Fusca, doando parte do salário — tornaram-se símbolos de autenticidade num mundo saturado de lideranças performáticas e tecnocráticas. Em entrevistas recentes, insistia na urgência de uma cultura da sobriedade e da responsabilidade ecológica, afirmando que se todos quisessem viver como os europeus, precisaríamos de três planetas.

Essa mensagem, embora muitas vezes vista como utópica, representa um alerta geopolítico de longo alcance. Num momento em que a ascensão da ultradireita desafia as instituições democráticas — inclusive no Brasil e no Cone Sul —, Mujica oferecia uma alternativa: uma esquerda ética, popular, viável e baseada na pedagogia política e no compromisso com o comum.


O antigo presidente do Uruguai, José 'Pepe' Mujica (20 de maio de 1935 - 13 de maio de 2025), guia-nos através deste filme, lembrando-nos repetidamente a nossa humanidade.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

Documentário: Young addictions


Está disponível na RTP Play o documentário Young Addictions, que foi dirigido por Alejandra Andrade e Tomás Ocaña, e escrito por Mónica Palomero. Nele recolhi mais uma contribuição, a somar a outras que disponibilizei aqui e aqui, para ilustrar um problema ético de primeira grandeza e de escala global para o qual continuamos cegos, incluindo aqueles de nós que têm responsabilidades educativas.

Refiro-me às estratégias das grandes empresas tecnológicas para tornar os jovens e, mais recentemente, as crianças dependentes dos ecrãs, ao mesmo tempo que os seus donos e funcionários colocam os seus filhos em escolas onde eles não entram.

Essas escolas, cuja imagem de marca é a pedagogia Waldorf, encaixam na ideia comum de escola tradicional e para pobres: salas de aulas convencionais com as mesas dos alunos viradas para a secretária do professor e para o quadro de giz; livros, papel, lápis e outros recursos que se podem manusear; espaço exterior de terra e verde; experimentação de ofícios e artes manuais.

Mas não é só a escola que veda o acesso a ecrãs, também as amas têm de o fazer.

Mais recentemente, a China limitou dentro de portas, para a sua população o uso de uma rede social que criou, incentivando-a fora.

Passo a palavra a alguns dos intervenientes que participaram no documentário

Pierre Laurent (Diretor da Escola Waldorf - Silicon Valley, Califórnia). Este campus está localizado ao funda da rua da Google (…). O Facebook fica a cerca de 10 minutos de distância, A Microsoft a outros cinco minutos e a Apple a 15 minutos. Estamos no coração das grandes empresas de tecnologia. Cerca de 75% dos nossos alunos vêm de uma família em que pelo menos um dos pais trabalha no setor da alta tecnologia. Até aos onze anos de idade, não usamos ecrãs digitais, telemóveis ou computadores. Os alunos não os trazem, nem estão autorizados a tê-los no campus. Dos 11 aos 14 anos podem ter os aparelhos desligados na mochila mas não os utilizam na escola. A partir dos 14 anos podem utilizar alguns computadores, desde que seja de forma produtiva, embora os telemóveis permaneçam nos cacifos durante todo o dia.

Sohe (Aluno da Escola Waldorf). No 7.º ano, quando recebi o meu primeiro telemóvel, tinha 14 anos e era um flip phone, só para telefonar às pessoas (…). Não vejo qualquer utilidade nas redes sociais. Por vezes parece que ficamos um pouco de fora, mas consigo abstrair-me do meu telemóvel

Maia (Aluna da Escola Waldorf). Bem, primeiro comecei por não ter redes sociais para além do Instagram, porque os meus pais me proibiam de o fazer (…). Até hoje, acho-as praticamente inúteis. Posso ficar sem telemóvel durante várias semanas ou meses, sendo que o único problema seria a comunicação com os meus pais ou ir a algum lado que precisasse de utilizar o GPS

Em 2017 enquanto os gurus da tecnologia admitiram proibir as crianças de usar ecrãs, doaram 300 milhões de dólares à Administração Trump para equipar tecnologicamente as escolas New York Times

Robin LeGrand (Diretora da Nanny Connection). Ganhei protagonismo graças aos trabalhadores tecnológicos de Silicon Valley. Eles tendem a ser muito restritivos relativamente aos dispositivos tecnológicos, tanto que no contrato que fazem com a ama há sempre uma cláusula restritiva (…). Estão mais preocupados porque conhecem as coisas viciantes que acompanham os dispositivos. Têm câmaras em casa para poder vigiar tudo, o que também consta no contrato (…). Considero controverso que os funcionários da indústria tecnológica não permitam que os seus filhos usem os dispositivos que desenvolveram. Se sabem que o uso pode ter consequências para os filhos, porque é que estão a desenvolver estas aplicações e dispositivos?

Martha Domínguez (Cuidadora). Assinámos um contrato. Não querem que as crianças utilizem tablets. Não querem que empreste o meu telemóvel às crianças. Dizem que é proibido para os seus filhos, porque não querem que eles fiquem viciados nos tablets. [Somos] muito vigiadas. Existe mesmo uma aplicação para todos os que vivem aqui, chama-se “Neighbours” (…). Tive uma entrevista com uma família Google. A casa deles estava cheia de câmaras (…) os seus cinco filhos foram proibidos de utilizar tablets. Eu disse: “mas se eles trabalham para a Google, porque não ensinam o mesmo aos seus filhos?”

Senado dos EUA, 5 de Outubro de 2021. Chamo-me Frances Haugen. Trabalhava no Facebook. Acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, dividem as pessoas e enfraquecem a nossa democracia. A liderança da empresa sabe tornar o Facebook e o Instagram mais seguros, mas não fará as mudanças necessárias porque colocou os seus lucros astronómicos à frente das pessoas. Tenho trabalhado em quatro tipos diferentes de redes sociais, compreendo as complexidades e as nuances destes problemas (…). Pelos nossos filhos, pela nossa segurança pública, pela nossa privacidade e pela nossa democracia

Rob Bonta (Procurador-Geral do Estado da Califórnia) (...). A China impõe restrições à utilização que as crianças chinesas fazem do Tiktok mas estas não estão a ser aplicadas no resto do mundo. Interessa-me saber que razões existem para tal.

O Incrível Reino das Plantas


Um documentário essencial para nos fazer perceber a importância e a inteligência desses seres fantásticos que nos acompanham na nossa jornada de vida: as plantas.   Veja "O Incrível Reino das Plantas" na RTP Play

Uma imersão inédita no mundo das plantas para decifrar as suas capacidades surpreendentes.  

Descobertas científicas recentes abalaram as certezas sobre um mundo que pensávamos muito diferente do nosso. Investigadores em França, Bélgica e Alemanha decidiram explorar o mundo vegetal para tentar compreender o funcionamento e a natureza profunda das plantas. 

As plantas possuem sentidos, como a propriocepção (este sentido permite-nos sentir o próprio corpo), mas também o tacto e a gravidade.

Conseguem perceber o ambiente e reagir de acordo. Por exemplo, as árvores podem endireitar-se quando estão inclinadas e podem reduzir o seu crescimento em altura quando expostas a ventos fortes.

"Uma árvore exposta a um vento invulgar reduzirá o seu crescimento em altura e aumentará o seu crescimento em diâmetro, produzindo mais raízes." - Bruno Moulia, investigador da Universidade Blaise Pascal e do INRA em Clermont-Ferrand

Mecanismos de Comunicação
As plantas comunicam através de sinais químicos, mas também podem comunicar através de sinais físicos, como vibrações ou campos elétricos.

Os sinais químicos utilizados pelas plantas podem ser divididos em duas categorias: sinais voláteis, que são libertados para o ar e utilizados para alertar para perigos, atrair polinizadores ou partilhar recursos; e sinais não voláteis, que são libertados no solo ou nos tecidos vegetais e utilizados para a comunicação entre raízes ou para controlar o seu crescimento e desenvolvimento.

"A comunicação consiste principalmente na transmissão de informação entre as diferentes partes do corpo, a nível biológico. Nos animais vertebrados, o sistema nervoso desempenha esse papel primordial. No entanto, mesmo nas plantas, a transmissão de informação por meios químicos, hidráulicos ou mesmo elétricos existe entre as suas diferentes partes, como em qualquer organismo", sublinha o investigador Quentin Herniaux, professor da Universidade Livre de Bruxelas.

Plantas: Uma Sensibilidade a Redescobrir
O documentário questiona os investigadores sobre as formas de inteligência e sensibilidade nas plantas. Os exemplos são abundantes. As plantas conseguem sentir o tato, como quando as folhas da mimosa se dobram quando beliscadas. Mas também podem aprender a evitar pesticidas que as matam ou adaptar-se ao seu ambiente e às alterações climáticas, modificando o seu crescimento ou metabolismo. Podemos, no entanto, dizer que se trata de uma forma de inteligência?

Embora algumas interpretações sejam atualmente objeto de debate, especialistas de diferentes disciplinas concordam que temos de redefinir os nossos conceitos de sensibilidade, comunicação, inteligência e reconhecer que as plantas são dotadas destas capacidades, à sua maneira e de acordo com a sua própria biologia. O mundo das plantas poderá até fornecer-nos soluções saudáveis para o nosso futuro. Está na hora de rever os nossos conceitos sobre as plantas e perceber que temos de as ter mais em consideração.

Título Original: Le Incroyable Royaume des Plantes
Realização: Céline Malèvre
Ano: 2023 

Projecto Invisíveis


"Pronta para o 2º turno?
Depois do expediente, começa o segundo turno.
O que não dá dinheiro, mas dá dores nas costas.
Que não tem horário, mas ocupa tempo.
Que não conta para a reforma,
mas conta e muito na desigualdade.

Em casa, as mulheres trabalham três vezes mais.

Trabalho sem contrato, sem aplausos,
sem fim-de-semana:
cozinhar, limpar a casa,
cuidar dos filhos, tratar dos pais,
organizar tudo e ainda sorrir.

Sim, é trabalho.
Mesmo quando feito com amor, é trabalho.
Mesmo quando é invisível, tem valor.
E é preciso fazer esse tempo aparecer, agora:
porque se o mundo parasse para ver
quem realmente o sustenta…
O Mundo mudava.

Se fosse contabilizado, o trabalho não pago de cuidado e doméstico teria um valor na economia de 78 mil milhões de euros. Mais do triplo do sector do turismo.

Por isso, queremos algo tão simples, mas que parece revolucionário:
justiça.

"Tarefa de mulher” é um conceito antigo e ultrapassado.
Responsabilidade partilhada é justiça e também inteligência.

Homem que “ajuda” em casa não é moderno.
É mal informado.

Queremos horários flexíveis,
redes públicas de creches e lares,
apoios domiciliários
e empresas que percebam que
igualdade é produtividade.

Queremos que cada mulher
possa ser mais dona do seu tempo.
Não para fazer tudo.
Mas para fazer o que quiser.

Cuidar de si, estar com os filhos,
crescer na carreira, respirar com calma,
fazer política ou fazer nada.
Porque tempo livre também é um DIREITO.
E não devia ser um luxo.

Conheça o Projeto Invisíveis, cuidado doméstico e de cuidado não pago.
Estação de Metro do Cais do Sodré, Lisboa.

Visita virtual em www.coracoescomcoroa.org.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Fred again - Cmon


To a place that′s only ours
I will rest my head on your shoulder for a moment
Please make it

Please make it
Come on, come on

Please make it count
Come on, come on

Please make it count
Come on, come on

Qualidade de Brian Eno, mas as nuances electrónicas da voz de Fred Again, emocionam e não nos deixam indiferentes. Há uma linguagem transversal e que denuncia estes tempos de ódio. Diz a grande Clarisse Lispector o seguinte "A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente."

terça-feira, 17 de junho de 2025

HOJE - 17 de Junho é o Dia da Desertificação e da Seca, criado pela ONU em 1994


Para aumentar “a consciencialização e promover soluções para a desertificação, degradação da terra e seca”. Em Portugal a desertificação avança mas o Núcleo Regional de Combate à Desertificação do Centro, coordenado pelo ICNF, está inactivo. 

“Mais de metade do PIB global depende de ecossistemas saudáveis. No entanto, todos os anos, uma área do tamanho do Egipto é degradada, provocando a perda de biodiversidade, aumentando o risco de seca e deslocando as comunidades. Os efeitos colaterais são globais - desde o aumento dos preços dos alimentos à instabilidade e à migração". [Fonte]

Neste ano, o lema das Nações Unidas é “Restaurar a Terra. Desbloquear as Oportunidades”.

Câmara de Loulé viabilizou construção de aparthotel numa recém-criada área protegida - Petição para assinar


A Câmara Municipal de Loulé viabilizou a construção de um aparthotel e de um estacionamento com 377 lugares dentro da Reserva Natural da Foz do Almargem-Quarteira, uma recém-criada área protegida. O aparthotel ficará situado a 600 metros da praia, numa faixa litora odne o mar já engoliu o antigo forte novo e onde três restaurantes se encontram à beira da derrocada.

O projeto foi criado em agosto de 2024, por proposta do município. Três meses depois, a autarquia deu um parecer favorável ao projeto da unidade hoteleira. Segundo o jornal Público, o projeto do aparthotel implica uma área bruta de construção de 21.500 metros dentro de um pinhal centenário.

Movimentos locais e ambientalistas já se mobilizaram numa petição com mais de 3.500 assinaturas para pedir aos municípios que trave as obras. Segundo estes, na discussão pública da aprovação da reserva natural, nada foi mencionado sobre os projetos imobiliários.

O espaço da reserva natural é um ecossistema que faz parte de uma zona húmida com 11 habitats naturais e seminaturais, numa abrangência de 135 hectares. Desde o início do ano que os movimentos locais denunciam a ocupação da reserva natural. Foi nessa altura que a construção de um restaurante levou ao abate de duas dezenas de pinheiros centenários.

Na petição, que pode ser assinada online, denuncia-se o cercamento da área privada, a movimentação de terras em larga escala, a destruição de vegetação nativa e a remoção de árvores não apenas no terreno do projeto, mas também fora dele, “comprometendo ainda mais o ecossistema da reserva”.

É também apontada a falta de um Estudo de Impacte Ambiental (EIA) atualizado que considere o novo estatuto da área protegida. Os movimentos esclarecem que o projeto “ignora espécies protegidas e habitats frágeis, comprometendo o equilíbrio ecológico da reserva”.

As exigências dos cidadãos passam pela suspensão imediata das obras do restaurante e do estacionamento, a realização de um EIA atualizado, a reconsideração da licença do hotel, a responsabilização dos órgãos envolvidos e medidas para assegurar a recuperação da área, porque “a natureza não se defende sozinha”.

A Almargem, associação de defesa do património cultural e ambiental do Algarve, reagiu às obras ainda em Maio, pedindo esclarecimentos às autarquias e solicitando a realização de uma reunião extraordinária da Comissão Diretiva da Reserva Natural Local da Foz do Almargem e do Trafal.

A associação considera "insuficiente" a resposta das autarquias e reafirma que continuará a acompanhar o processo "com firmeza".

Pedrógão Grande? Não esquecemos, nem perdoamos...


Começou precisamente neste dia, há 8 anos, um dos incêndios mais devastadores do nosso País.

O balanço oficial contabilizou 66 mortos (65 civis e 1 bombeiro voluntário de Castanheira de Pera) e 254 feridos (241 civis, 12 bombeiros e 1 militar da Guarda Nacional Republicana), dos quais 7 em estado grave (4 bombeiros, 2 civis e 1 criança). Entre as vítimas mortais, 47 foram encontradas nas estradas do concelho de Pedrógão Grande, tendo 30 morrido nos automóveis e 17 nas suas imediações durante a fuga ao incêndio. Uma outra vítima, morreu na sequência de um atropelamento ao fugir do incêndio. O incêndio também arrasou dezenas de lugares.

Mais de metade da região do Pinhal Interior Norte, que abrange Pedrógão Grande, estava ocupada por plantações de eucaliptos (Eucalyptus), cujo óleo é altamente inflamável, e de pinheiro-bravo (Pinus pinaster). O Jornal de Leiria escreveu: "a ajudar a violência do fogo pode ter estado a natureza do coberto vegetal da região, composto por mais de 90% de eucalipto, o baixo teor de humidade do dia de ontem e as altas temperaturas que, mesmo durante a noite, ainda se mantêm"

Os tempos não

Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se de mais nestes tempos (inclusive cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio
que as cerca e o silêncio que transportam.

É pelo hálito que te conheço....no entanto
o mesmo escultor modelou os teus ouvidos
e a minha voz, agora silenciosa porque nestes tempos
fala-se de mais são tempos de poucas palavras.

Falo contigo de mais assim me calo e porque
te pertence esta gramática assim te falta
e eis por que não temos nada a perder e por que é
cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.

in Todas as palavras - Poesia reunida (2012) - Manuel António Pina

Flor de Murta


Em Junho a murta (Myrtus communis) encontra-se no seu pico de floração. Este é um dos arbustos mais emblemáticos da flora portuguesa, contudo, já foi mais comum na nossa paisagem. Incêndios, secas prolongadas e lavouras reduziram drasticamente a sua ocorrência. 

Ocorre perto de linhas de água e barrancos, bermas de estradas e caminhos, sebes e taludes, preferencialmente em encostas mais frescas e umbrias. Os seus frutos e as suas folhas podem ser utilizados em fitoterapia, como condimento ou na alimentação humana. 

Curiosamente, a flor da murta surge ligada à História de Portugal. Luísa Clara de Portugal (1702-1779), fidalga natural de Lisboa, ficou conhecida pela sua relação extraconjugal com o rei D. João V. Já era casada e mãe de três filhos quando iniciou a sua relação com o rei, de quem teve uma filha, Maria Rita Gertrudes de Portugal, que foi freira no Convento de Santos-o-Novo. Após terminar o caso com D. João V, foi amante do Duque de Lafões, de quem teve uma filha, D. Ana de Bragança. Pela sua beleza, ficou conhecida na Corte como a Flor de Murta, e deu origem a uma canção, cuja autoria alguns atribuem ao próprio rei D. João V:




Oh! flor da murta
Raminho de freixo
Deixar d'amar-te
É que t'eu não deixo.
Morrer sim
Mas deixar-te não
Oh! flor da murta
Amor do meu coração.
Oh! flor da murta
Do meu coração
Deixar d'amar-te
Ai não deixo, não.

Tal como defendeu Jorge de Sena, a sociedade portuguesa não conheceu o puritanismo protestante. O adultério foi tolerado, desde que com discrição e “sem escândalo público”. É assim a arte portuguesa de amar.

O avanço da Intorelância e o Silêncio da Empatia



São cada vez mais evidentes os sinais de uma escalada de intolerância e violência em Portugal, num registo que historicamente não nos era habitual. Os episódios multiplicam-se nas ruas, nas escolas, nas redes sociais, nos discursos públicos,  com uma frequência que percebemos crescente. Por vezes são subtis, outras vezes explícitos, mas todos têm em comum perceção de que algo se está a deteriorar no nosso tecido social. 
Vivemos tempos de frustração acumulada, de insegurança difusa, de um mal-estar que se infiltra lentamente na vida quotidiana. A imprensa nacional destacou recentemente o brutal ataque a um ator à saída do teatro, a agressão de duas voluntárias que levavam ajuda a pessoas sem-abrigo, ou mesmo ameaças e intimidações contra professores que defendem a inclusão nas escolas. Quando esta tensão se transforma em violência contra quem representa a cultura, a solidariedade ou o cuidado, ultrapassamos um limiar perigoso: o da desumanização do outro.
A polarização cresce quando deixamos de reconhecer a dignidade e a legitimidade de quem pensa, vive ou age de forma diferente. Quando o discurso público se transforma numa trincheira onde se dispara em vez de dialogar, quando se normaliza - direta ou indiretamente - a hostilidade como reação aceitável, e quando a raiva passa a ter mais protagonismo do que o respeito, é aí que o tecido social começa a rasgar. A convivência democrática exige mais do que regras institucionais; exige uma ética da relação, sobretudo na diferença e no desacordo.
Portugal tem uma tradição de convivência pacífica e de solidariedade discreta, mas eficaz. São traços que marcaram o nosso percurso coletivo, mesmo em tempos difíceis. Não podemos permitir que essa herança se dilua na banalização do ódio ou na indiferença face à degradação do espaço público. 
Quando quem cuida, quem acolhe, quem ensina, quem cria - em suma, quem constrói comunidade - começa a ser alvo de desconfiança ou hostilidade, estamos a destruir as bases da nossa democracia. Essa erosão abre caminho para o fortalecimento de discursos simplistas e excludentes que, lamentavelmente, têm vindo a ganhar cada vez mais espaço para se afirmar.
A raiz desta tensão é complexa. As crises sucessivas - económica, pandémica, habitacional, ambiental - têm gerado um sentimento de desorientação, de perda de controlo, de uma inquietante ausência de futuro. E onde falta horizonte, facilmente emerge o ressentimento. A indignação pode ser justa, mas quando não é acompanhada de lucidez e de responsabilidade, transforma-se em cinismo ou fúria. 
É muito importante restaurar a confiança mútua. Reabilitar o espaço público como lugar de encontro e não de ameaça. Valorizar a empatia como prática política e cívica; não como ingenuidade, mas como condição fundamental de humanidade. Porque resistir à violência simbólica ou física começa na forma como olhamos, ouvimos e falamos uns com os outros. Porque a democracia, afinal, é também a forma como nos tratamos todos os dias.

Saber mais sobre o Livro "O Poder da Empatia

Linhagens e ramificações do desenvolvimento no pensamento filosófico ocidental



Linhagens e ramificações do desenvolvimento no pensamento filosófico ocidental.
Adaptação baseada a partir do esquema de Ferreira-Santos (1996), através de pontos de intersecção e linhas de conexão (que podem não coincidir historicamente).
Dissertação e design do pesquisador Marcos Beccari: 'Articulação Simbólica: uma abordagem junguiana aplicada à filosofia do design', UFPR, Curitiba, 2012, p. 58.

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Consenso Imigração



A polarização e fratura que o tema da imigração tem provocado na sociedade portuguesa precisa de ser revertido. Precisamos de encontrar o "caminho do meio", uma abordagem equilibrada, capaz de mobilizar um consenso alargado, de uma política de imigração humanista e realista.

É necessário deixarmo-nos de agredir mutuamente e, pior ainda, de usar os imigrantes para o combate politico-partidário. Haverá caminhos para nos unirmos no essencial e para dialogar sobre as diferenças de perspetivas e negociar pontos de convergência. Esta iniciativa que mobiliza várias pessoas, no seu núcleo fundador, entre os quais os últimos 4 Altos-comissários para a Imigração, irá fazer o seu caminho e procurará ser parte da solução.

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Carta de Princípios do “Consenso Imigração”

Num tempo marcado por discursos de medo, de simplificações e generalizações perigosas e de crescente polarização em torno do fenómeno migratório, afirmamos a necessidade urgente de construir um espaço de pensamento, diálogo e propostas que recupere o valor do consenso informado, da dignidade humana e da convivência intercultural.
Portugal, além de ser historicamente um país incontornavelmente ligado a dinâmicas migratórias de entrada e de saída, enfrenta hoje uma crise demográfica com acentuado envelhecimento da população e necessidades de mão de obra cruciais para o contínuo desenvolvimento da nossa economia e desenvolvimento social.

O “Consenso Imigração” nasce como um espaço de reflexão da sociedade civil, enquanto expressão plural e independente, reunindo pessoas e instituições, a partir de uma significativa diversidade política e ideológica, comprometidas com uma visão positiva, realista e humana da imigração em Portugal — uma visão que reconhece os desafios, mas não ignora os contributos, as histórias e o potencial transformador da diversidade para a criação de uma comunidade com futuro.
Esta Carta de Princípios orienta o nosso trabalho coletivo.

1.⁠ ⁠Dignidade Humana como fundamento
Afirmamos o respeito pelo princípio de direitos humanos universais e da dignidade de todas as pessoas, independentemente da sua origem, nacionalidade, religião, nível socioeconómico, características étnico-raciais ou estatuto migratório. Recusamos a instrumentalização da imigração para fins políticos ou eleitorais.

2.⁠ ⁠Conhecimento rigoroso como base para a ação
Defendemos que o debate público sobre imigração deve assentar em dados fiáveis, investigação científica e análise crítica. Combater a desinformação, em todas as esferas, seja nas redes sociais, na comunicação social ou na interação direta com as comunidades é um imperativo ético e democrático.

3.⁠ ⁠Combate à polarização e compromisso com o diálogo e o consenso
Assumimos o compromisso de promover o diálogo construtivo, ouvindo diferentes perspectivas e rejeitando a lógica dos extremos. O consenso não é ausência de debate — é a procura honesta de pontos comuns para soluções sustentadas.

4.⁠ ⁠Valorização da contribuição dos Migrantes
Reconhecemos e tornamos visíveis os contributos sociais, económicos e culturais das pessoas migrantes para o desenvolvimento do país. A imigração legal, se bem gerida nos seus fluxos e devidamente integrada, não é uma ameaça — é uma oportunidade de desenvolvimento para o país, que exige políticas públicas justas, realistas e inclusivas.

5. Encontrar respostas para as preocupações da sociedade de acolhimento
Compreendemos que, em momentos de crescimento rápido do número de imigrantes, podem emergir incertezas e receios. Integramos e respeitamos esse sentimento. Dialogaremos para a procura de soluções que, no quadro do respeito pela lei e pela dignidade humana, promovam um bem-estar comum, gerador de tranquilidade e um sentimento de fraternidade e de diálogo entre todos, autóctones e imigrantes.

6. Recusa da generalização e da culpabilização coletiva
Comportamentos incorretos ou ilegais podem existir em qualquer grupo social - autóctones ou imigrantes, crentes ou não-crentes, caucasianos ou negros, pessoas de direita ou de esquerda, pobres ou ricos. Porém, isso não pode culpabilizar, nem caracterizar todo um grupo por alguma ação de um indivíduo.
Recusamos a estigmatização coletiva. Não se pode confundir a árvore com a floresta.

7. Compromisso com a coesão social e a inclusão, sem discriminação.
Defendemos a convivência baseada no respeito mútuo entre pessoas de diferentes origens e culturas, combatendo todas as formas de racismo, xenofobia, aporofobia e exclusão. A integração é um processo bidirecional que exige responsabilidade individual e coletiva.

8. Responsabilidade partilhada e Governança colaborativa
Entendemos que as questões migratórias são um desafio nacional e europeu, que exigem uma resposta articulada entre o Estado, as autarquias, o setor empresarial, a sociedade civil e as comunidades migrantes. Neste contexto, sublinhamos o papel da sociedade civil organizada, com a participação ativa e ampla dos cidadãos, como contributo relevante e urgente. Ninguém está dispensado desta responsabilidade. Cada tem um papel a desempenhar na construção das soluções necessárias.

9 . Esperança como horizonte político
Recusamos a política do medo e do ressentimento. Escolhemos a esperança como horizonte para pensar e construir um país mais justo, inclusivo e preparado para os desafios do século XXI, em que se constrói, todos os dias, o futuro que desejamos.
Assumimos estes princípios como guia para as nossas intervenções públicas, investigações, propostas e parcerias. O “Consenso Imigração” está aberto à participação de pessoas e entidades que partilhem esta visão e desejem contribuir para um debate mais responsável e construtivo sobre imigração em Portugal.

Lisboa, 16 de Junho de 2025

Catarina Marcelino (ex-Sec. Estado da Igualdade)
Catarina Reis Oliveira (ex-Coordenadora do Observatório das Migrações)
Eugénia Quaresma (Dir. Obra Católica Portuguesa das Migrações)
Francisca Assis Teixeira (ex-Diretora Centro Nacional de Apoio ao Imigrante)
Lucinda Fonseca (Professora universitária, Especialista em Migrações)
Paulo Mendes (ex-Presidente da AIPA – Associação Imigrantes dos Açores)
Pedro Calado (Ex-Alto-Comissário para as Migrações)
Rosário Farmhouse (ex-Alta-Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Rui Marques (ex-Alto-Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Sónia Pereira (ex- Alta Comissária para as Migrações)

Universidade de Coimbra confirma segurança de agente de controlo biológico para combater a acácia


Um estudo liderado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) confirma a segurança ecológica de Trichilogaster acaciaelongifoliae, o primeiro agente de controlo biológico introduzido em Portugal continental para combater a planta invasora acácia-de-espigas (Acacia longifolia).

Este trabalho, liderado por Francisco López-Núñez, investigador do Centro de Ecologia Funcional (CFE) da FCTUC, está publicado na revista Restoration Ecology e representa um marco no rigor do acompanhamento pós-libertação de agentes de controlo biológico.

«A Trichilogaster acaciaelongifoliae é uma pequena vespa nativa da Austrália, que atua depositando ovos nos botões florais e vegetativos da acácia-de-espigas, formando galhas que interrompem a sua capacidade de reprodução e dispersão de sementes e crescimento, respetivamente. Após extensivos testes de especificidade, este agente de controlo biológico foi selecionado e libertado em 2015 em vários locais do litoral português», explica Francisco López-Núñez.

Três anos após a introdução deste agente de controlo biológico, uma equipa de investigadores da FCTUC e do Instituto Politécnico de Coimbra demonstrou, através de análise de redes tróficas complexas, que este inseto altamente especializado não causou impactes negativos, diretos ou indiretos, em espécies não-alvo.

O estudo incluiu a análise e identificação de 154 espécies de plantas, cerca de 45 mil galhas e 11 mil insetos no Litoral Centro de Portugal, além da construção e análise de redes tróficas complexas entre plantas, galhas e parasitoides. Os resultados mostram que, quando devidamente planeado e monitorizado, o controlo biológico pode ser uma estratégia segura e eficaz para ajudar a restaurar ecossistemas invadidos, com impacte mínimo sobre a biodiversidade nativa.

«A ausência de efeitos não desejados sobre outras plantas e insetos nativos é um sinal muito promissor. Este é um passo pioneiro na Península Ibérica, e muito importante para aumentar a confiança no uso sustentável do controlo biológico na conservação da natureza. Este estudo reforça a importância da monitorização a longo prazo e demonstra que é possível avaliar detalhadamente as interações ecológicas geradas por agentes de controlo biológico», conclui Francisco López-Núñez.

O artigo científico “Three-trophic level food webs support the safety of a biocontrol agent 3 years after release” pode ser consultado aqui.

domingo, 15 de junho de 2025

Música do BioTerra : Alvvays - Tom Verlaine



Looking back, I should have known
All the nights that I spent in outer space
If in fact, I had said no
What becomes of this? It's hard to say

I'll feel better with the breeze on my back
And I'll sleep better knowing it's in the past

Looking back, I should have known
All the nights that I spent in outer space
Cigarettes and old regrets
Piled in a stack out in the back of my brain

When you walk away
Better be for good

I put my money on a horse
Who won't be steered on any course or lane
And if I ever see a dime
You'd take that money to divide and separate

When you walk away
It better be for good

I know you'll be there in the rain
Glowing like the first night
Telling me you've changed
I know you'll be there in the rain
Glowing like the first night
Trying to explain

That when you walk away
It's gonna be for good
You were my Tom Verlaine
Just sitting on the hood

sábado, 14 de junho de 2025

José Saramago


Vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e é humanamente inútil. O espetáculo global é uma demonstração clara e óbvia daquilo a que chamo a irracionalidade humana. Vemos o abismo, está mesmo diante dos nossos olhos, mas movemo-nos em direção a ele como uma turba de lemingues suicidas, com a diferença fundamental de que, ao longo do caminho, nos divertimos a enganarmo-nos uns aos outros.
Cadernos de Lanzarote

sexta-feira, 13 de junho de 2025

As mulheres que fizeram museus


Abra quase qualquer pesquisa histórica sobre a coleção e verá um catálogo dos homens que formaram grandes coleções ao longo dos séculos — com Catarina, a Grande, e Peggy Guggenheim entre as poucas exceções, talvez. Mas muitas das grandes colecções que conhecemos hoje foram criadas ou moldadas por mulheres cujo impacto na história do gosto e na evolução das colecções para se tornarem museus acessíveis ao público está finalmente a receber a devida atenção. Esta conversa explora as personagens e as coleções de três mulheres que se rodearam de arte – Alice de Rothschild, Marjorie Merriweather Post e Helene Kröller-Müller – e como os obstáculos e as oportunidades que encontraram podem ter influenciado as coleções que construíram. Explora a forma como os legados destas mulheres se refletem hoje em – respetivamente – Waddesdon Manor (Buckinghamshire), Hillwood Museum (Washington, D.C.) e no Kröller-Müller Museum (Otterlo). 

Moderado por Fatema Ahmed (revista Apollo) 

Palavra de boas-vindas de Hidde van Seggelen Com Tanja de Boer, Kate Markert e Pippa Shirley

Entre os 30 neofascistas que agrediram Adérito Lopes, um escreveu para o Observador - João Augusto Henriques Gomes Martins


Quem é o novo líder nacionalista português: discreto, paciente e metódico
Discreto, paciente, metódico, estudioso, licenciado, com o dom da palavra - são algumas das capacidades que lhe são apontadas por analistas das autoridades que acompanham a evolução da extrema-direita em Portugal.

João Martins, 44 anos, condenado a 17 anos de prisão pelo homicídio de Alcindo Monteiro, é apontado pela Polícia Judiciária (PJ), PSP e Serviço de Informações de Segurança (SIS) como o novo líder em ascensão nos designados "grupos identitários", ou "fascistas do terceiro milénio" - como os caracteriza o investigador José Pedro Zúquete, num livro que escreveu sobre o tema - em crescimento na Europa.

Desde Mário Machado - ex-líder dos cabeças-rapadas hammerskins e atual dirigente do movimento nacionalista que quer ser partido, Nova Ordem Social - que não havia uma figura a concorrer para uma nova liderança dos nacionalistas. "João Martins tem sabido gerir muito bem o seu terreno de apoio, fora dos holofotes mediáticos e, nos últimos anos, sob os radares das autoridades, ao contrário de Machado", sinaliza fonte policial.

Apesar de usar as redes sociais como plataforma de divulgação dos seus ideais, não é fácil encontrar João Martins numa simples pesquisa no Google. O seu perfil só aparece no VK, um equivalente russo ao Facebook, onde partilha fotografias que mostram a sua atividade desde, pelo menos, 2012, data de uma foto de grupo em que está ao lado (e abraçado) de Gianluca Iannone, dirigente do CasaPound, um partido italiano neofascista.

Noutra foto, de dezembro de 2015, destaca-se à frente de um grupo, Misanthropic Division, em que alguns dos elementos fazem saudação nazi. Partilhou também, em outubro de 2016, a foto de um encontro em Portugal com nacionalistas de sete países.

Em 2017, foi o tradutor para português da bíblia dos identitários - Geração Identitária, do austríaco Markus Willinger, que assume a obra como "uma declaração de guerra". Para o autor, "imigração em massa" e uma "propaganda seletiva e vilipendiante" contribuem para "a transformação da Europa numa não entidade".

No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso de Alcindo é descrita a sua participação em diversas agressões a negros nessa mesma noite e, particularmente, na do cabo-verdiano. "Já no final, e com a vítima prostrada no solo em decúbito ventral, inanimada, o arguido João Martins colocou um pé sobre a cabeça da vítima, levantando os braços em atitude de triunfo", é escrito.

O STJ recorda que João Augusto de Henriques Martins, nascido a 23 de novembro de 1974, "não mostrou sinais de arrependimento" no seu depoimento em tribunal. Nesta altura, tinha 21 anos e fazia parte do grupo de Machado - também condenado neste processo - e era já tido como o "ideólogo" dos neonazis. A defesa salientou o seu "gosto pelo estudo da filosofia política" dizendo que era "possuidor de extensa literatura acerca de tal matéria".

A preocupação das autoridades com a extrema-direita é extensível a todos os grupos, mas é no movimento identitário que notam mais adesões: uma faixa etária mais jovem (muitos recrutados nas universidades), intelectualmente elevada, com solidez ideológica e normalmente sem violência - e participam em várias atividades com skins, neonazis e motards. [Diário de Notícias, 10 Fev 2019]

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