sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Miguel Altieri - 2018 Dodge Lecture


Altieri, que passou os últimos 37 anos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, como professor de agroecologia (agora professor emérito), compartilhou suas ideias sobre o que ele acredita que deveria ser nosso sistema agrícola alternativo: uma agroecologia baseada em conceitos socioecológicos e culturais centenários sistemas usados por comunidades indígenas e camponesas. Ele se referiu ao movimento “campesino a camponês” como uma metodologia a ser usada como modelo de distribuição de conhecimento e pediu uma “recampesinatização” dos sistemas alimentares.

domingo, 23 de setembro de 2018

Música do BioTerra: Virgin Prunes - Ulakanakulot / Decline And Fall (1983)


See the children play by
Running try to touch the sky
When one falls you hear a cry
"You're dead, you're dead, you must die"
"Take a dream and fly away, " she will call
They will wait for you not I, see me crawl

And sometimes I feel so old
I never smile nor do cry
Shadows flicker from above
"Seeker save your soul, " she said

She will fly, she will fly
He will wait far away
A golden key to open the door
Behind which the answer lies
You sinned in dreams
Now awake in deeper, deeper dreams
"Take a dream and fly away, " she will call
They won't wait for you not I,
they will wait for you not I
See me crawl, she will fly far away.

Decline and fall
Never return
Die
Die

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Impor o celibato a um monge ou sacerdote é absurdo


Depois de o líder da Igreja Católica ter pedido dez vezes perdão pelos abusos praticados por sacerdotes, o líder da religião budista vem agora assumir ter conhecimento de abusos por parte de alguns monges. Dalai Lama recebeu durante a sua visita à Holanda neste fim de semana seguidores budistas e vítimas de abusos e pediu-lhes que tornassem os seus testemunhos públicos, prometendo que nos próximos voltará a falar sobre o assunto. Porque é que os abusos sexuais e físicos surgem em religiões que impõem o celibato? São situações como estas que desacreditam as religiões? Que futuro poderão ter as religiões que continuam a defender "uma moral antiga?" Moisés Espírito Santo - professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa, sociólogo, etnógrafo e etnólogo, que se destacou pela introdução e pelo desenvolvimento da Sociologia Rural e da Sociologia das Religiões no ensino superior em Portugal -, explicou tudo ao DN. E não tem dúvidas: "A moralidade e a espiritualidade do nosso tempo é outra. Se as religiões dogmatizadas não se adaptarem correrão o risco de ficar para trás", afirmou.

Após a denúncia e os pedidos de perdão por parte do Papa da Igreja Católica, a máxima autoridade viva do budismo, Dalai Lama, vem agora assumir que sabe de abusos sexuais e físicos por parte de alguns monges. O que leva ao abuso em religiões que professam o amor e condutas exemplares?
Tanto o catolicismo como o budismo impõem o celibato. E ao que sei estas questões de abuso só têm acontecido nas igrejas que ainda defendem a obrigação do celibato e o conceito de pureza. Isto, no nosso tempo, é uma anomalia. Impor a não sexualidade a um monge ou a um sacerdote é um absurdo.

Deve ser revisto este conceito ou, se quisermos, esta moral?
Claro. A sexualidade imposta aos clérigos é artificial, porque é imposta pura e simplesmente como um dever. Se formos ver bem, o próprio clero já nem considera o celibato como um ato de purificação. Portanto, a sexualidade faz parte do ser humano, se é reprimida pelo celibato, proibida, sublimada, irá ressaltar por qualquer outro lado. Desculpem-me a comparação, mas é como os sistemas hidráulicos, se se reprime a água ela irá rebentar por algum lado. A sexualidade é um pouco assim.

O fim do celibato tem sido muito discutido nas religiões, nomeadamente na católica, mas não resultou em mudanças. Está a querer dizer que se tivesse sido revisto a situação de abusos poderia ter sido evitada?
É este conceito que tem de mudar. Já devia ter sido revisto há muito e antes desta escandaleira. Por exemplo, estas situações não são vistas nas igrejas protestantes ou ortodoxas, porque aqui há uma harmonia sexual entre os clérigos que não escapa para situações de criminalidade, como é o caso da pedofilia de que agora se fala na Igreja Católica.

O abuso não tem sequer que ver com uma questão de poder sobre o outro, é mesmo só pela contrariedade da natureza humana? Mas isso não acontece com todos?
Não acontece com todos. Falamos de pessoas, do ser humano, uns mais débeis do que outros. E só tem que ver, do meu ponto de vista, com a questão da sexualidade. Se fosse por uma questão de poder poderíamos olhar para os professores que têm poder sobre os alunos, e não há queixas, pelo menos significativas. Tem que ver com a sexualidade reprimida por obrigação, por uma espécie de código, e sendo reprimida acaba por sair por canais um pouco perversos. Por isso, repito, isto é que tem de mudar, até porque a sexualidade já não é vista como uma virtude ou um pecado.

O que está em causa então é sempre o ser humano. O ser pessoa e como se é, e não o sistema...
Claro. Tudo isto tem que ver com a pessoa. Não podemos acusar todos os clérigos da Igreja Católica ou agora todos os monges budistas de serem perversos. São casos marginais, mas volto a chamar a atenção para o facto de não haver casos de pastores protestantes a abusar de crianças ou de jovens. Pode haver um caso ou outro, mas em massa, como se denuncia agora na Igreja Católica, não há conhecimento. E isso é o que nos dá a entender que é a conceção do próprio celibato que está errada.

São estas situações que levam ao descrédito das religiões?
Suponho que não. Estes pecados são sempre personalizados, atribuídos a pessoas e não ao sistema em si. É claro que o sistema tem defeitos - mais uma vez o caso do celibato que, para mim, é um anacronismo do nosso tempo -, mas as situações são atribuídas a alguém e não à própria religião. Não é pelo facto de haver um monge budista que praticou determinados atos que leva ao descrédito da religião, o mesmo digo em relação ao catolicismo. Leva a incómodos, a desconfianças, mas estou convencido de que as igrejas não perdem muito com isto. Tanto mais que elas próprias condenam tais atos. O Papa pediu perdão e o próprio Dalai Lama também já veio condenar. Isso quer dizer que a paz religiosa será instaurada rapidamente. Quando os próprios líderes pedem desculpas pelos desvios que existem na instituição, isso quer dizer que os condenam e tudo se estabiliza.

Dalai Lama assumiu que sabia de algumas situações há várias décadas, o que significa que houve anos de silêncio. Aconteceu o mesmo na Igreja Católica. Como se explica esta atitude de líderes de religiões que professam uma espiritualidade exemplar?
O silêncio tem que ver com o facto de os casos serem marginais, podem ser casos de perversão. O Papa ou o Dalai Lama não são obrigados a estar a apregoar no Vaticano ou no Tibete os casos de que têm conhecimento. Isso tem que ver com o direito de reserva e também de conceção de que são, de facto, casos marginais. Não compete aos líderes denunciar casos, compete-lhes corrigir as situações ou levá-las a julgamento. Nada os obriga a denunciar publicamente os seus companheiros de religião ou os seus súbditos.

Alguns seguidores budistas disseram em entrevistas que já antes Dalai Lama se tinha referido a um dos monges suspeitos de abusos, Sogyal Lakar, como "meu grande amigo que caiu em desgraça", e que isto era como se o tivesse excomungado. Foi a forma de resolver a situação?
Claro. Se o Papa também o tivesse feito em relação aos bispos ou cardeais envolvidos no escândalo da pedofilia o assunto para a Igreja Católica também poderia ficar resolvido. O serem excomungados era a forma de castigar esses clérigos. Nada foi feito neste sentido para corrigir a situação, mas, repito, não são situações destas que põem em causa o bom nome das religiões.

Então o que está a acontecer para que esteja a aumentar a indiferença religiosa nas populações? Há teólogos que defendem que esta indiferença é o grande combate do futuro para as religiões, já não é o ateísmo...

Isso resulta da mudança nas atitudes religiosas. Atualmente as religiões já não são consideradas ou olhadas como instituições tradicionais que regulamentavam todos os comportamentos humanos, que definiam o céu e o inferno. O conceito de religião está a mudar, e muito. As pessoas podem não ser religiosas, mas podem acreditar num ente sobrenatural e achar absurdo os comportamentos teológicos e as doutrinas das igrejas. Podem achar que tudo isto está fora do tempo.

Há então um novo conceito de religião?

Há um novo conceito individualista da religião. As pessoas consideram que cada um tem o seu próprioespírito religioso, que não tem de estar associado a grupos exclusivistas. O caso da Igreja Católica, que diz que quem está fora desta não tem salvação... para muitos isto hoje é incompreensível, daí o crescimento de um tipo de religião individualizada, de crenças individualizadas, que vão buscar conceitos a uma e a outra religião mas que acabam por responder às necessidades dos indivíduos de hoje. Podemos dizer que o que está a desaparecer é o sentido de igreja como salvação. As pessoas já não precisam de uma igreja para sentirem que terão uma vida no além. As igrejas hoje já não têm esse monopólio.


O que têm então de fazer estas religiões para não desaparecerem?
Têm de se adaptar às mudanças. E, no fundo, até são mudanças benignas. Enquanto no passado as igrejas poderiam ser as únicas instituições de solidariedade, de defesa dos pobres e de bem-estar dos indivíduos, etc., agora a própria sociedade desempenha esse papel e reclama-se detentora desses valores. A sociedade já não precisa de uma instituição universal para impor valores de segurança, de solidariedade e de amor, ela própria tem esses valores devido à evolução da mentalidade social e universal. Se as igrejas não percebem isto, se não se adaptarem aos novos valores da sociedade, valores de solidariedade social, em que há os pobres, o amor, o bem-estar dos indivíduos, correm o risco de ficar para trás. Se elas se fixarem nestes valores poderão conseguir mais adeptos, se se fixarem na moral antiga e nos dogmatismos antigos irão perder as suas audiências.

Isso significa que a sociedade de hoje construiu seres que não necessitam tanto de espiritualidade?
Construiu seres que já não precisam que alguém lhes imponha uma espiritualidade. Com o conhecimento de hoje e a capacidade de reflexão, as pessoas já procuram por elas próprias o que devem fazer na vida em relação ao sobrenatural. Antes, eram as igrejas que tinham esse papel tradicional de instituir a coesão social e a imposição de valores. Isto era aceite e era importante no sentido de salvaguarda da ordem moral, mas ao deixar que a sociedade evoluísse, que passasse para um estado superior de valores, as igrejas tradicionais perderam e estão a perder valores. Portanto, têm de se adaptar às mentalidades civilizacionais da modernidade.

Isso acontecerá num futuro próximo?
Quando uma religião está dogmatizada é difícil. Por exemplo, as religiões que se têm desenvolvido no nosso tempo são as evangélicas, há algumas fundamentalistas, mas não é dessas de que falo. De um modo geral, tudo o que é cristão e não se chama católico, dizemos que é protestante ou evangélico. É destas de que falo. E são estas igrejas que se estão a impor cada vez mais no mundo, porque propõem uma espiritualidade baseada na espiritualidade de Jesus Cristo e não numa moral imposta por uma instituição humana ou de poder. No fundo é o que acontece com a Igreja Católica, que é uma instituição de poder, de um poder sobre o lado social, enquanto as igrejas evangélicas são de espiritualidade. É este conceito de religião que a meu ver irá predominar no nosso tempo. Não quer dizer com isto que o cristianismo esteja em decadência. Pelo contrário, ele está a expandir-se, mas fora da Igreja Católica, sem os valores de subserviência aos clérigos, aos moralismos bacocos, como o celibato, que é um anacronismo do nosso tempo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Documentário: A Teia - O Segundo Império Britânico


No fim do império, os interesses financeiros da City de Londres criaram uma teia de jurisdições sigilosas que capturaram riqueza de todo o mundo e escondeu-a numa teia de ilhas "off-shore". Hoje, meteda da riqueza "off-shore" mundial está escondida em jurisdições Britânicas e a Grã-Bretanha e as suas dependências são os maiores intervenientes no mundo das finanças globais.

Quem se interessa em pesquisar as relações entre direito e economia no mundo contemporâneo certamente considerará proveitoso assistir ao documentário The Spider’s Web: Britain’s Second Empire (A Teia da Aranha: O Segundo Império Britânico), lançado em 2017. 

O documentário faz uma exposição do crescimento da influência da City of London (o distrito financeiro de Londres) após o declínio do império britânico e suas relações coloniais. Há uma ênfase no surgimento de jurisdições opacas (secrecy jurisdictions) que se desenvolveram em várias partes do mundo, em especial após a Crise do Canal de Suez, em 1956. A partir daí, segundo o filme indica, uma “teia” de relações financeiras pouco “visíveis” e geridas com ajuda da City espalhou-se pelo mundo. O documentário mostra, também, que a City tem sua própria jurisdição especial, em separado do direito inglês mais geral (common law of the land) e também seus próprios rituais institucionais.

Dada a importância das relações entre a economia real com a economia monetária, que são cruciais para a efetividade dos direitos subjetivos (incluindo os direitos humanos e fundamentais), e considerando ainda que tais relações adquirem um formato institucional conspícuo por meio de contratos e relações intercontratuais, conforme reconhece a Análise Jurídica da Política Económica (AJPE) (ver aqui), o conteúdo do documentário referido será de especial interesse para o(a)s pesquisadore(a)s do GDES.

A Teia foi substancialmente inspirada do livro de Nicholas Shaxson, Ilhas do Tesouro, que pode ler um extrato aqui

Para aqueles interessados em aprender acerca da justiça fiscal e sigilio financeiro, leiam acerca da campanha da Rede de Justiça Fiscal e blogs habituais - tornem-se parte do movimento da mudança e escutem o programa mensal Taxcast de podcast/radio da Rede de Justiça Fiscal.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Burro Anão da Graciosa




O burro anão da Graciosa é raça autóctone, desde julho de 2015, graças aos estudos biométricos e genéticos do Centro de Biotecnologia da Universidade dos Açores, liderado pelo professor Artur Machado. Com origem no norte de África, o burro anão da Graciosa é cinzento, tem riscas nas costas, barriga ou pernas e pouco mais de um metro de altura.

Perfeitamente adequado à estrutura de solos vulcânicos da ilha, o Burro Anão da Graciosa, está intimamente ligado ao nome da ilha” Ilha dos Burros”.

Através de uma seleção feita pela própria população da ilha ao longo do tempo devido às suas necessidades agrícolas, conservaram um grupo de asininos com características fenotípicas muito peculiares e próprias, conhecido como o Burro Anão da Graciosa. A origem deste nome provém do facto de, antigamente, nas ilhas se chamar burro ao cavalo e burro anão ao burro nome que perdura até hoje, mas que poderá induzir em erro uma vez que estes animais não possuem nenhuma alteração genética causadora de nanismo.

O burro carregava ao lombo alfaias agrícolas, comida para o gado, produtos da agricultura, lenha, água e leite, para além de transportar homens, mulheres e crianças. Nas lavouras, era encarregado, muitas vezes, de puxar o sachador) e tinha o arado próprio para cobertura das sementeiras. Ajudado pelo peso do trabalhador que o montava, participava na debulha de algumas sementes. Era também por vezes encarregado de mover a atafona e por vezes era exportado para outras ilhas, principalmente Faial e São Jorge, onde era muito apreciado para o transporte do leite, por ser um animal que caminha regularmente, sem movimentos bruscos (Bettencourt 1950).

Estes burros encontram-se geralmente associados às pequenas propriedades e aos terrenos de difícil acesso e, em particular à cultura das hortas. A razão para a sua associação com a cultura das hortas, em especial da batata, deve-se ao facto do asinino ser mais leve que as restantes espécies de trabalho, exercendo menor compactação sobre o solo. É, para além disso, mais fácil de manobrar, fazendo uma lavoura mais cuidada, mobilizando o solo próximo da planta sem a danificar (Mendonça 2005). 

O burro foi das espécies pecuárias aquela que melhor se adaptou às características da ilha. De “motor dos pobres”, passou a companheiro dócil e seguro do homem graciosense, ao ponto de ser por este, classificado como sendo “as suas pernas e braço direito”, “o seu entretém” e “aquele que o tira de casa” mantendo-o ativo e útil (Mendonça 2005).

O Burro da Graciosa é caracterizado pela sua pequena estatura (altura ao garrote atingindo em média 1,07 m). Pode ser caracterizado como um animal brevilíneo, de formato hipométrico, dolicocéfalo, com uma altura ao garrote que oscila entre os 99 e 116 cm e com peso compreendido entre 145 e 164 Kg. 

A sua aparência é proporcionada e equilibrada, resultando num conjunto muito harmonioso. Ainda que pareçam frágeis, são animais muito rústicos e resistentes. 

No que respeita à pelagem, estes burros apresentam predominantemente a pelagem pardo-rata e ruça, frequentemente com carácter rodado. Há alguns animais cuja pelagem é castanha ou preta. Todos os burros têm em comum o ventre e as extremidades dos membros deslavadas e são orlados de branco em redor dos olhos e nariz (boquilavado). 

Na grande maioria dos Burros da Graciosa a lista dorsal está presente e por vezes a lista transversal, principalmente na pelagem pardo-rato. Já as zebruras com predileção pelos membros anteriores são menos comuns não deixando de ter uma predominância elevada nesta população de burros. Tanto quanto se pode aferir dos animais com que observámos, todos os burros com pelagem pardo-rato têm as orelhas orladas de preto. 

O Burro da Graciosa é um animal extremamente manso, paciente e submisso. Perfeitamente adaptado a solos vulcânicos, foram plenamente integrados no ecossistema da ilha

domingo, 9 de setembro de 2018

Uma ética com futuro dentro

Evocando Aldo Leopold, 70 anos após a sua morte


Há 70 anos, mais precisamente no dia 21 de Abril de 1948, ao ajudar os seus vizinhos a combater um incêndio na pradaria, morria de ataque cardíaco o engenheiro silvicultor Aldo Leopold (nascido a 11 de Janeiro de 1887, no estado norte-americano do Iowa). Apesar de a sua obra especializada nos temas da política florestal e da gestão de recursos cinegéticos ser de uma dimensão e qualidade consideráveis - mais de 350 artigos -, não foi esse o fator preponderante para transformar Aldo Leopold, com segurança, na segunda figura mais influente, ao lado de Rachel Carson (1907-1964), dos autores norte-americanos que no século XX ajudaram a pensar a crise ambiental, que, cada vez mais, será a magna questio do século XXI.

O que nós devemos a Leopold é a reflexão fundamentada sobre a urgência de uma radical mudança do olhar sobre as relações entre a humanidade e o ambiente. Retomando a inspiração de duas grandes figuras do pensamento norte-americano do século XIX, R. W. Emerson (1803-1882) e H. D. Thoreau (1817-1862), Leopold oferece aos seus leitores uma visão subtil e delicada da frágil teia dos equilíbrios naturais, criticando, de uma forma pedagógica e sem arrogância moral ou científica, o modo desastrado e destruidor de que se revestem muitas das intervenções humanas sobre os ecossistemas, em nome de um duvidoso e acrítico conceito de "progresso".

O essencial da herança teórica de Leopold está presente em duas obras, Round River e a Sand County Almanac. Nesta última - traduzida para português por José C. C. Marques, Porto Edições Sempre-em-Pé, 2007 - está contida a proposta filosófica mais profunda deste engenheiro dos bosques, capaz de ver mais fundo do que a esmagadora maioria dos filósofos profissionais do seu tempo: uma "ética da terra" (land ethic).

Na ética da terra de Leopold está incluído quase tudo o que ainda hoje estamos a aprender quando queremos transformar o conceito de "desenvolvimento sustentável" em algo mais do que num emblema retórico: o respeito pelos valores intrínsecos (e não meramente instrumentais) dos ecossistemas; a capacidade de apreciação do sagrado e sublime que se manifesta na natureza; a urgência de uma economia ecológica, que não desconte os custos ambientais e seja capaz de dar um valor ao "capital natural", promovendo sensatas políticas compatíveis com a conservação das espécies, recursos e paisagens. Mas sobretudo Leopold recorda-nos que o grande sentido da palavra ética é o de comunidade, de partilha, de simbiose entre os membros que a constituem.

Ora, a humanidade tem historicamente traçado uma fronteira entre si e as outras criaturas, como se os seres humanos pudessem subsistir sem o concurso das forças e ciclos naturais, de que dependemos como a parte depende do todo. A ética da terra faz um apelo ao alargamento da comunidade ética a todas as criaturas e seus lugares de habitação. No universo cultural de raízes europeias, e rumando na mesma direção teórico-prática, merece destaque a obra do filósofo Hans Jonas (1903-1993). Em 1979, no seu livro Das Prinzip Verantwortung (O Princípio da Responsabilidade), ele demonstrou que a luta pela defesa do ambiente constituía o novo imperativo ético e o horizonte ecuménico que deveria unir a humanidade inteira. Paz na terra e com a terra, entre os homens e todas as criaturas.

Esse é o desafio e a tarefa da humanidade, se quisermos que a civilização humana sobreviva para além deste século.