quinta-feira, 5 de junho de 2025

Dia Mundial do Ambiente - relatório da Pordata


Portugal ocupa a 3.ª posição entre os países da UE27 com as mais baixas emissões de gases com efeito de estufa. Em 2023, o valor per capita foi o equivalente a 5 toneladas de CO2, colocando-nos no pódio da União Europeia a competir com os países mais evoluídos em políticas de proteção ambiental, revela um estudo da Pordata baseado nos últimos números oficiais (2023), publicado hoje, 5 de junho, no âmbito do Dia Mundial do Ambiente. De acordo com o relatório, para este esforço contribui também a significativa redução das emissões de CO2 pelos carros novos registados em Portugal, passando-se de 169g por km em 2000 para 90g por km em 2023. Uma tendência comum aos países da União Europeia, com especial destaque para o top 6, onde Portugal está incluído: não só apresentam os valores mais baixos como são os que mais reduziram emissões desde o ano 2000.   

O estudo, porém, não traz apenas boas notícias. Em 2022, Portugal emitiu 2,24 gramas de partículas finas por cada euro de riqueza gerada pela indústria. Ou seja, o total de partículas finas emitidas para a atmosfera não conseguiu ser compensado pela riqueza gerada pela indústrias, nomeadamente as que mais contribuem para esta disparidade: a química e a dos produtos químicos, e a do papel e a de produtos de papel.   

Igualmente muito preocupante: mais de metade do lixo ainda vai, hoje, para aterro. Os resíduos urbanos, que incluem o lixo produzido pelas famílias, pelo comércio, restauração, empresas e entidades públicas, tem vindo a aumentar ao longo dos últimos 20 anos. Em 2023, ascenderam a 5,6 milhões de toneladas, correspondendo esse valor a uma média diária de 1,4kg por habitante (mais do dobro do registado em 1995). Números que deixam Portugal na 8.ª posição da UE27 entre os países com maior valor per capita na produção de resíduos municipais, um ranking liderado por Luxemburgo, Bélgica e Chipre. O estudo é claro: Portugal é dos países que conduz para aterro uma maior proporção de resíduos (54%), estando, desde 2020, entre os 10 países onde esta percentagem é mais elevada.  
 
O valor das renováveis  
Além da proteção do ambiente, a PORDATA analisa e reúne um conjunto de indicadores em outras três grandes áreas: produção, consumo e dependência energética; temperatura do ar e pluviosidade; configuração e proteção do território, fornecendo dados que ajudam avaliar a viabilidade de o país atingir as metas definidas pela União Europeia no âmbito do Pacto Ecológico Europeu (PEE), com horizontes temporais ambiciosos para 2030 e 2050.  

“O país está no bom caminho no que a esforços diz respeito”, diz ao DN Luísa Loura. A diretora da Pordata destaca “a diminuição das emissões de CO2 provenientes dos carros e nas renováveis”.  

De facto, na área energética, verifica-se que o país tem registado uma evolução significativa: desde 1990, a produção nacional de energia mais do que duplicou, impulsionada pelas renováveis, responsáveis, em 2023, pela produção de 35% - 16 pontos percentuais acima do registado em 2004- da energia consumida. No entanto,  Portugal produz apenas um terço das suas necessidades – e, desse, mais de metade destina-se à exportação.  Em 2023, consumimos 22 milhões de TEP, quase o dobro dos valores de 1990, o que resulta na maior taxa de variação face a 1990 entre os países da União Europeia. Ainda assim, o consumo per capita português está abaixo do europeu.  

Estando a produzir mais, apesar de termos de importar a quase totalidade do que consumimos, a dependência energética de Portugal tem vindo a reduzir-se: o último dado disponível indica 67% (eram 85% no início do século). Ainda ficamos acima da média europeia, ao lado de Espanha, Alemanha e Itália que, apesar de serem grandes produtores de energia, têm uma dependência energética de mais de 60%.  Lideram a lista dos mais dependentes Malta, Chipre e Luxemburgo. No lado oposto estão Estónia, Suécia e Roménia.   
 
Aquecimento de 2ºC na temperatura média do ar   
Há um claro padrão de aquecimento desde os anos 2000, tanto na temperatura mínima como na máxima. O estudo avaliou os registos das temperaturas nas estações meteorológicas de Bragança, Castelo Branco, Lisboa, Beja e Funchal para concluir que, quando agregados em termos de médias, revelam um padrão comum de aquecimento a partir do início dos anos 2000 face a anos anteriores, uma conclusão válida para a temperatura máxima, média e mínima. A diferença face à década de sessenta aproxima-se dos 3ºC em Bragança, para a temperatura máxima, e supera os 2ºC no Funchal, para a temperatura média.  

No que diz respeito à pluviosidade, os registos do número de dias sem chuva nas mesmas estações meteorológicas, divulgados no relatório, revelam que Bragança tem, em média, mais dias de chuva por ano que as restantes estações (em cada 3 dias, 1 é de chuva) e que é no Funchal que menos chove (em cada 5 dias, só 1 é de chuva). Em Lisboa chove em 30% dos dias, um pouco menos do que em Bragança.  

Contrariamente ao que se passa com a temperatura, o padrão temporal da pluviosidade não apresenta sinais de tendência sistemática nos mais de sessenta anos em análise. Para qualquer das estações consideradas, os períodos mais e menos chuvosos vão alternando.  É o caso de Lisboa: choveu relativamente pouco entre 2000 e 2009, os anos sessenta e setenta foram mais chuvosos e, entre 2020 e 2024, o número de dias sem chuva esteve em linha com a média.  
 
Mais terreno para arbustos, menos para agricultura  
Olhando o território, Portugal é dos países com mais terreno ocupado por arbustos, e dos que têm menos terreno para produção agrícola. As áreas artificializadas (com casas, estradas e outras construções) representam apenas 6,4% da superfície do país, segundo a Pordata, citando dados do levantamento feito pelo Eurostat em 2018, os últimos dados disponíveis.   
A floresta ocupa quase 40% do território e as terras para cultivo não atingem a quinta parte. Em percentagem de área terrestre protegida, Portugal ocupa a 12.ª pior posição da UE27.  “Uma situação que é claramente contrastante com o mar”, comenta Luísa Loura, sublinhando a importância marítima, na história e na economia do país.   

No mar, seremos os primeiros  
 No mar, Portugal poderá tornar-se o país da UE com maior extensão de áreas marítimas protegidas. Este aumento é reflexo das novas áreas do Parque Natural Marinho do Recife do Algarve - Pedra do Valado (156 km2) e da Revisão do Parque Marinho dos Açores (adicionais 252355 km2). Em setembro de 2025, com a entrada em vigor do diploma, Portugal terá protegido cerca de 19% da sua área marítima.  Estão em causa cerca de 300 mil quilómetros quadrados.   

A qualidade das praias costeiras é outro ponto positivo: Nove em cada dez praias costeiras têm águas com qualidade excelente. Em 2023, Portugal ocupava, em 2023, o 9.º lugar entre os 22 países da União Europeia banhados pelo mar. Uma situação oposta da que se observa nas águas balneares interiores, onde a posição de Portugal é a 6.ª pior. Com apenas 67% das praias fluviais e lacustres com água de qualidade excelente, Portugal figura entre os 11 países da UE27 em que essa percentagem é inferior a 70%.  

Música do BioTerra: Múm - Green Grass Of Tunnel


Down from my ceiling drips great noise
It drips on my head through a hole in the roof
Behind these two hills here, there's a pool
And when I'm swimming in through a tunnel, I shut my eyes

Inside their cabin, I make sound
In through the tubes, I send this noise
Behind these two hills here, fall asleep
And when I float in green grass of tunnel, it flows back

Down from the ceiling drips great noise
It drips on my head through a hole in the roof
Behind these two hills here, there's a pool
And when I'm swimming in through a tunnel, I shut my eyes

quarta-feira, 4 de junho de 2025

José Luís Arnaut - o facilitador das privatizações


Em entrevista ao podcast “A lei e a Prática” do Diário de Notícias, José Luís Arnaut afirma que “a morte do Bloco de Esquerda é um sinal positivo para a economia”. E por economia o ex-ministro do PSD e atual presidente da ANA Aeroportos refere-se ao investidor estrangeiro que “olha para as notícias e vê tetos nas rendas, taxar os ricos, impostos sobre a fortuna” e assusta-se e vai embora. Para o antigo secretário-geral do PSD, “quem o bom senso dos portugueses mandou embora foram esses que tinham essas veleidades, digamos, de criar essas medidas”.

17 de janeiro 2018

O antigo ministro de Durão Barroso e Santana Lopes ficou conhecido como “o advogado das privatizações”, com o seu escritório a estar ligado às vendas pelo Estado da EDP, REN, ANA, TAP e CTT. No caso dos Correios, o seu escritório assessorou o banco Goldman Sachs, que se tornou no maior acionista após a privatização. Arnaut viria a ser nomeado em 2014 para o conselho consultivo internacional do Goldman Sachs, cargo que ainda hoje ocupa.

Entre 2014 e 2016, a sociedade de advogados de Arnaut faturou mais de 400 mil euros em serviços jurídicos à REN, outra empresa privatizada e onde Arnaut ocupa o cargo de administrador não executivo desde 2012.
O centro de negócios, 03 de abril 2019

Em 2013 o governo de Passos Coelho e Paulo Portas concluiu a privatização dos aeroportos portugueses, entregando 95% do capital à multinacional francesa Vinci. Do lado do comprador, estava a assessoria jurídica da CMS Rui Pena & Arnaut, como o ex-ministro à frente da equipa que preparou o negócio. Mais tarde viria a ser recompensado com o cargo de presidente da ANA Aeroportos, que também continua a ocupar hoje.

Segundo os dados biográficos atualizados, além dos cargos na Goldman Sachs, REN e ANA Aeroportos, José Luís Arnaut é ainda presidente adjunto da Associação de Turismo de Lisboa, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Portway, da Siemens, do grupo Super Bock e da Tabaqueira. Até há poucos meses ocupava o mesmo cargo na Federação Portuguesa de Futebol e também presidiu à Associação de Amizade Portugal-Qatar, participando em iniciativas promovidas pela família real daquele país. Em 2021, o consórcio de jornalistas OCCRP - Organized Crime and Corruption Reporting Project - revelou detalhes do negócio de concessão à Vinci de um aeroporto em Belgrado e da compra dos terrenos contíguos a um milionário com ligações ao narcotráfico, que a seguir se tornou sócio de José Luís Arnaut.

Petição dirigida à Assembleia da República para o reconhecimento do Estado da Palestina


Numa petição tornada pública esta terça-feira e que pode ser assinada aqui, mais de cem personalidades exigem que o Estado português tome finalmente a decisão de reconhecer o Estado da Palestina. Os promotores entendem que o "reconhecimento do Estado da Palestina por parte de um grande número de países é, hoje, uma forma eficaz de, no plano diplomático, demonstrar a solidariedade para com o povo palestiniano e pressionar o governo israelita a pôr fim à escalada de violência contra as populações de Gaza e da Cisjordânia". E concluem que “apenas o reconhecimento do direito do povo palestiniano a constituir o seu próprio Estado permitirá abrir um horizonte de esperança num futuro de paz para a região”.

"Os abaixo-assinados não admitem ser testemunhas silenciosas ou passivas destes crimes. Ao condená-los, recordam décadas de violência e humilhações contra o povo palestiniano", diz o documento citado pela agência Lusa e que é subscrito por figuras do meio académico e cultural como António Sampaio da Nóvoa, Júlio Machado Vaz, Maria de Lurdes Rodrigues, Teresa Violante, Vital Moreira, Pilar del Rio, Ana Bacalhau, Capicua, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Sérgio Godinho ou Rui Reininho. No plano político, além de Sampaio da Nóvoa, a lista de promotores conta ainda com outra antiga candidata presidencial, Ana Gomes, os ex-deputados bloquistas Alda Sousa, João Teixeira Lopes e José Manuel Pureza, o ex-presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues e um antigo secretário de Estado do governo de Passos Coelho, Bruno Maçães, entre outros atuais e ex-parlamentares.

O texto diz ainda que os signatários seguem "com crescente preocupação o agravamento das violações de direitos humanos e da lei humanitária internacional, os crimes de guerra e a escalada de violência sobre civis em Gaza e na Cisjordânia". Além do reconhecimento do Estado da Palestina, os signatários querem que Portugal se comprometa com as deliberações do Tribunal Penal Internacional, “nomeadamente apoiando o cumprimento de mandados de captura contra Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel e Yoav Gallant, ex-Ministro da Defesa de Israel” e que o nosso país “impossibilite o trânsito e o transbordo de material militar destinado a Israel em território português ou águas territoriais portuguesas e adote as políticas necessárias para garantir que entidades jurídicas privadas registadas na jurisdição portuguesa cessem a prestação de serviços utilizados por Israel nas suas operações militares em Gaza”.

Em declarações ao Público, Sampaio da Nóvoa explicou o seu apoio a esta iniciativa, dizendo que “ao longo da História, foi pelo silêncio de muitos, e que tantas vezes foram as vítimas seguintes, que se cometeram as maiores barbaridades. Não podemos ficar em silêncio.”

Noutra iniciativa, que junta 146 “personalidades que, de um ou outro modo, trabalham em ligação com a infância”, na maioria escritores e ilustradores, também se defende que “ante o massacre de milhares de crianças e outros palestinos em Gaza, não seremos cúmplices pelo silêncio”. Segundo a agência Lusa, o abaixo assinado dinamizado pelas ilustradoras Ana Biscaia e Inês Oliveira e pelo escritor João Pedro Mésseder juntou escritores como Alice Vieira, Álvaro Magalhães, Ana Filomena Amaral, António Mota, José Fanha, Luísa Ducla Soares e Rita Taborda Duarte e ilustradores como André Carrilho, Catarina Sobral, Madalena Matoso, Mariana Rio, Rachel Caiano e Yara Kono. “Denunciamos e repudiamos o genocídio”, afirmam os signatários, considerando que “um mundo de paz é possível”.

Outro manifesto divulgado na semana passada juntou mais de 230 escritores de língua portuguesa num apelo ao cessar-fogo imediato na Palestina e em defesa da “entrada urgente de ajuda humanitária nos territórios ocupados”. A iniciativa foi da Fundação José Saramago e juntou nomes como Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Chico Buarque, José Eduardo Agualusa, Mia Couto e Mário Lúcio Sousa. Iniciativas semelhantes ocorreram no Reino Unido e Irlanda e também em França.

Hoje , 4 de junho, o MPPM convoca uma manifestação em solidariedade com a Palestina e pelo fim do genocídio, com ponto de partida às 18h no Largo do Chiado. O protesto seguirá até ao Largo 1.º de Dezembro.

“Ajuda” israelita já matou mais de 100 nas filas
Os massacres da população faminta em Gaza são agora diários, com as tropas de Israel a abrirem fogo sobre os deslocados que se dirigem aos centros de distribuição de alimentos geridos por uma organização patrocinada por Israel e EUA. Na manhã de terça-feira, os disparos fizeram pelo menos 27 mortos e dezenas de feridos num desses pontos em Rafah.

Um porta-voz da Cruz Vermelha disse à Reuters que o seu hospital de campanha recebeu 184 vítimas, dos quais 19 foi declarado o óbito à chegada, tendo outros oito morrido pouco depois devido aos ferimentos. As autoridades de Gaza elevam para 102 o número de mortos nestes pontos de distribuição de alimentos na última semana.

“Atacar os famintos enquanto procuram o seu sustento revela a natureza deste inimigo fascista, que usa a fome e os bombardeamentos como armas de morte e de deslocação, como parte de um plano sistemático para esvaziar Gaza da sua população”, afirmou o Hamas, considerando o processo promovido pelos israelitas e estadunidenses à margem das redes de apoio da ONU e das ONG no terreno como “uma armadilha de morte e humilhação”

Solos que defendem: a importância da vida subterrânea na resiliência do montado


Quando se avalia a vitalidade de uma árvore, é natural começar pela observação da copa. A morfologia da ramagem, a coloração da folha, a densidade do rebentamento e a presença de necroses periféricas são sinais úteis de diagnóstico. No entanto, limitar a leitura à parte aérea é negligenciar aquilo que sustenta a árvore em permanência: o solo. Não como substrato físico, mas como sistema vivo. Um sistema onde coabitam milhares de organismos por grama, estruturados em cadeias tróficas subterrâneas que regulam a disponibilidade de água, a dinâmica nutricional, a estabilidade radicular e, num sentido mais profundo, a capacidade de resposta do ecossistema face ao stresse.
Falar em solo vivo implica reconhecer a sua função como interface biofísico entre a planta e o território. Implica também admitir que a saúde da árvore é inseparável da complexidade da microbiota edáfica que a rodeia.
Quando essa complexidade se degrada, por disrupção da estrutura física, mineralização excessiva da matéria orgânica, acidificação não compensada ou colapso da diversidade microbiana, o solo deixa de atuar como mediador ecológico e passa a funcionar como meio permissivo. É nesse contexto que as árvores se tornam vulneráveis ao avanço de agentes patogénicos radiculares e à instalação de pragas oportunistas. Não por causa da sua genética ou da idade, mas por perda de simbiose e de capacidade simbiótica.
A literatura científica designa por solos supressores aqueles que, pela ação combinada de fungos antagonistas, bactérias benéficas, nemátodes predadores, complexidade porosa e equilíbrio bioquímico, limitam ou inibem a expressão de organismos fitopatogénicos. Esta capacidade de supressão biológica não se refere a um efeito pontual, mas a uma propriedade emergente de um sistema que mantém relações de antagonismo funcional no plano microbiano. Microrganismos como Trichoderma spp., Gliocladium, Bacillus subtilis, Pseudomonas fluorescens, entre outros, competem com agentes como Phytophthora cinnamomi, Armillaria mellea ou Fusarium oxysporum por espaço, nutrientes e acessos à zona rizosférica. A sua presença ativa desencadeia mecanismos de resistência sistémica induzida na planta hospedeira, que se traduzem em maior resiliência aos fatores bióticos de pressão.
Nos montados do sul do país, onde predomina a azinheira e o sobreiro, os sistemas radiculares estabelecem simbioses ectomicorrízicas com fungos do género Tuber, Boletus, Scleroderma, entre outros. Estas associações expandem a área de absorção radicular, reforçam a tolerância hídrica, facilitam a disponibilização de macro e micronutrientes e ativam defesas endógenas contra agentes de apodrecimento e necrose radicular. A sua ausência, observada em muitos solos compactados ou sujeitos a práticas disruptivas de mobilização e aplicação excessiva de químicos de síntese, precede frequentemente os surtos de declínio e a colonização lenhosa por insectos xilófagos como Cerambyx cerdo, Platypus cylindrus ou os vectores de Biscogniauxia mediterranea.
A questão, portanto, não é apenas se o solo é fértil, mas se é funcionalmente simbiótico e defensivo. E isso exige outro tipo de leitura em campo. O cheiro húmico, a friabilidade da camada superior, a atividade de fauna edáfica (como colêmbolos, formigas estruturantes, minhocas), a presença de pastagens perenes com efeitos alelopáticos, a ausência de escorrência superficial e a presença de micorrizas aderentes às radículas finas são sinais que indicam um solo com capacidade suprimente. Em contrapartida, a crosta superficial após precipitação, a compactação à pressão manual, a ausência de macrofauna, a mineralização visível sem humificação e a presença crónica de árvores cloróticas, apontam para um ecossistema edáfico em perda de função.
Recuperar essa função não é uma questão de adubação. É um processo de regeneração sistémica. Começa pela compostagem localizada, pela inoculação direcionada de fungos simbióticos, pelo estabelecimento de coberturas vegetais biodiversas que respeitem as fases fenológicas da azinheira, pela eliminação de mobilizações e pela ativação dos ciclos de carbono a partir de matéria vegetal in situ. Ao fim de dois a três ciclos, é possível observar um reforço da rebentação vegetativa, um aumento da densidade foliar e, sobretudo, a redução da frequência e da intensidade dos surtos de pragas e doenças. Não por ausência de risco externo, mas por reconstituição da barreira subterrânea. A médio prazo, este tipo de abordagem reduz custos com fitossanidade, diminui a dependência de inputs externos e contribui diretamente para a recuperação produtiva dos povoamentos em declínio.
O solo pode não ser visível, mas é o elemento estrutural da resiliência. Um montado com solo vivo não é um sistema fechado. É um sistema adaptativo, capaz de modular as pressões a que está sujeito sem entrar em colapso. A árvore, nesse contexto, deixa de ser uma unidade isolada e passa a ser parte de um organismo mais vasto e interdependente. É esse organismo que importa restaurar.

Ricardo Dinis

Diretor de Projeto e Investigação nas Florestas de Iroko

O contágio da gratidão, por Robin Wall Kimmerer


“As pessoas na sua maioria não veem realmente as plantas ou entendem as plantas ou o que elas nos dão... então, o meu acto de reciprocidade é mostrar as plantas como dádivas, como inteligências diferentes da nossa, como estes seres incríveis e criativos - meu Deus, elas podem fotossintetizar, isso ainda me impressiona! Quero ajudá-las a se tornarem visíveis para as pessoas. As pessoas não conseguem entender o mundo como uma dádiva, a menos que alguém lhes mostre como é.
(...)
O que me está sendo revelado pelos leitores é um profundo desejo de conexão com a natureza... É como se as pessoas se lembrassem de algum tipo de lugar ancestral dentro delas. Estão a lembrar-se como seria morar num lugar em que se sentissem companheiras do mundo vivo, não de seu afastamento. Embora o outro lado de amar tanto o mundo... é viver sozinho num mundo doente.

Tendemos a evitar essa dor... Mas acho que esse é o papel da arte: ajudar-nos a sofrer, e através do sofrimento, um pelo outro, pelos nossos valores, pelo mundo dos vivos. Sabe, penso no luto como uma medida do nosso amor, que obriga-nos a fazer algo, a amar mais... A maneira como estou a estruturar isto para mim mesma é que, quando alguém acaba este livro, os direitos da natureza fazem todo sentido para eles. Estou realmente a tentar transmitir que as plantas são pessoas.
(...)
Não tenho o poder de desmontar a Monsanto. Mas o que tenho é a capacidade de mudar a maneira como vivo diariamente e como penso sobre o mundo. Só tenho que acreditar que, quando mudamos a forma como pensamos, de repente mudamos a maneira como agimos e como as pessoas ao nosso redor agem, e é assim que o mundo muda. É mudando corações e mudando mentes. E é contagioso. Tornei-me cientista ambiental e escritora por causa do que testemunhei crescendo num mundo de gratidão e dádivas. 
Um contágio de gratidão... Estou apenas a tentar pensar sobre como seria isso. Agindo por gratidão, como uma pandemia. Eu consigo imaginar."

Robin Kimmerer - Mishkos Kenomagwen: The Teachings of Grass


Indigenous peoples worldwide honor plants, not only as our sustainers, but as our oldest teachers who share teachings of generosity, creativity, sustainability and joy. By their living examples, plants spur our imaginations of how we might live. By braiding indigenous Traditional Ecological Knowledge (TEK) with modern tools of botanical science, Robin Kimmerer, professor of Environmental Science and Forestry, of Potawatomi ancestry, explores the question: “If plants are our teachers, what are their lessons, and how might we become better students”?

Learn more about the Bioneers Indigenous Knowledge Program here

A Sabedoria da Terra


Numa densa trama de reflexões, que vão da criação de Ilha da Tartaruga às forças que ameaçam hoje o seu crescimento, Robin Wall Kimmerer desenvolve a sua ideia central: o despertar de uma consciência ecológica requer o reconhecimento e a celebração da nossa relação recíproca com o resto do mundo vivo.
“Só quando conseguirmos ouvir as línguas de outros seres seremos capazes de entender a generosidade da terra e aprender a retribuir da mesma forma”, é uma das mensagens que a autora nos deixa neste seu novo livro.
De A Sabedoria da Terra publicamos o seguinte excerto.
Aprender a gramática da animacidade
Para sermos nativos de um lugar devemos aprender a sua língua. Venho aqui para escutar, para me aninhar na curva das raízes numa depressão suave de caruma, para repousar os ossos contra a coluna do pinheiro‑de‑weymouth, para calar a voz na minha cabeça até ouvir as vozes fora dela: o sussurrar do vento nas agulhas, a água a gotejar sobre a rocha, o percutir da trepadeira‑azul, os esquilos a cavar, as sementes de faia a cair, o mosquito nos ouvidos e algo mais — algo que não sou eu, para o qual não temos uma língua, a existência muda de outros em que nunca estamos sozinhos. Depois do bater do coração da minha mãe, foi esta a primeira língua que falei. Era capaz de passar um dia inteiro à escuta. E uma noite inteira. E, pela manhã, sem que o ouvisse, haverá porventura um cogumelo que não estava ali na véspera, branco‑ cremoso, que emergiu do manto húmido de caruma, da escuridão para a luz, ainda brilhante do fluido da sua passagem. Puhpowee.
À escuta em lugares selvagens, somos confidentes de conversas numa língua estranha. Agora penso que foi um anseio por compreender esta língua que ouço nos bosques que me conduziu à ciência, a aprender ao longo dos anos a falar uma botânica fluente. Uma língua que, por sinal, não deve ser confundida com a língua das plantas. Mas aprendi de facto uma outra língua na ciência, uma língua de atenta observação, um vocabulário íntimo que dá um nome a cada pequena parte. Para nomear e descrever é preciso primeiro ver, e a ciência aperfeiçoa o dom da visão. Venero a força da língua que se tornou uma segunda língua para mim. Mas sob a riqueza do seu vocabulário e do seu poder descritivo, há algo que falta, a mesma coisa que cresce à nossa volta e em nós, quando escutamos o mundo. A ciência pode ser uma linguagem da distância, que reduz um ser às suas partes funcionais; é uma linguagem de objetos. A língua que os cientistas falam, por mais exata que seja, baseia‑se num profundo erro de gramática, numa omissão, numa grave perda na tradução das línguas nativas destas paragens. O meu primeiro contacto com essas ausências linguísticas foi a palavra Puhpowee, pertencente à língua do meu povo. Encontrei‑ a num livro da etnobotânica anishinaabe Keewaydinoquay, num tratado sobre os usos tradicionais dos fungos pelo nosso povo. Explicava ela que Puhpowee se traduz como “a força que faz os cogumelos emergir da terra da noite para o dia”. Enquanto bióloga, fiquei espantada com a existência de tal palavra. Com todo o seu vocabulário técnico, a ciência ocidental não tem um termo destes, não tem palavras para representar este mistério. Seria de pensar que, se alguém tinha palavras para significar a vida, seriam os biólogos. Mas, na linguagem científica, a nossa terminologia é utilizada para definir os limites do nosso conhecimento. O que escapa à nossa compreensão permanece sem nome.
Nas três sílabas desta nova palavra, vislumbrei todo um processo de observação atenta nos bosques húmidos matinais, a formulação de uma teoria para a qual o inglês não tem equivalente. Os criadores desta palavra compreendiam o mundo do ser, repleto das energias invisíveis que animam todas as coisas. Durante muitos anos guardei‑a como um talismã e busquei a companhia das pessoas que deram um nome à força vital dos cogumelos. A língua que contém Puhpowee é uma língua que eu desejava falar. Assim, quando aprendi que a palavra para nascimento, emergência, pertencia à língua dos meus antepassados, para mim tornou‑se um novo ponto de referência.
Se a história tivesse sido diferente, provavelmente eu falaria bodewadmimwin ou potawatomi, uma língua anishinaabe. Mas, à semelhança de muitas das trezentas e cinquenta línguas indígenas das Américas, o potawatomi está em risco de extinção e a minha língua é o inglês. Os poderes de assimilação cumpriram com sucesso o seu desígnio, porque a minha e a vossa oportunidade de ouvir essa língua foi suprimida da boca das crianças índias nos internatos estatais onde eram proibidas de falar a sua língua nativa. Crianças, como o meu avô, que foi levado da sua família quando era um rapazinho de nove anos. Esta história não só dispersou as nossas palavras, mas também o nosso povo. Hoje, vivo longe da nossa reserva e, por isso, mesmo que falasse a língua, não teria ninguém com quem falar. Contudo, aqui há uns anos, no verão, no nosso encontro tribal anual, foi organizada uma aula de línguas e eu entrei na tenda para ouvir. Havia uma grande excitação em torno desta aula porque, pela primeira vez, todos os membros da nossa tribo que falavam a língua com fluência se encontravam presentes como professores. Quando eram chamados ao círculo de cadeiras articuladas, moviam‑se lentamente: à exceção de uns quantos, todos necessitavam de bengalas, andarilhos e cadeiras de rodas. Contei‑ os à medida que ocupavam as cadeiras. Nove. Nove falantes fluentes. Em todo o mundo. A nossa língua, desenvolvida ao longo de milénios, cabia em nove cadeiras. As palavras que enalteciam a criação, contavam as velhas histórias, que adormeciam os meus antepassados, dependem hoje das línguas de nove homens e mulheres perfeitamente mortais. Cada um dirige‑se à vez ao pequeno grupo de alunos interessados. Um homem de longas tranças grisalhas conta como a mãe o escondeu quando os agentes índios apareceram para levar as crianças. Ele fugiu do internato, escondendo‑se debaixo da saliência de um talude onde o som do riacho abafava o seu choro. Os outros foram todos levados e lavaram‑lhes as bocas com sabão, ou pior, por “falarem essa língua índia suja”. Como só ele ficou em casa e foi criado a chamar as plantas e os animais pelo nome que o Criador lhes deu, está aqui hoje como um transmissor dessa língua. Os motores da assimilação funcionaram bem. Os olhos do orador brilham ao dizer‑nos: “Somos o fim do caminho. Somos tudo o que resta. Se os jovens não aprenderem, a língua morrerá. Os missionários e o Governo dos Estados Unidos terão finalmente a sua vitória”.
Uma bisavó no círculo aproxima‑ se no seu andarilho do microfone. “Não são só as palavras que vão perder‑se”, diz. “A língua é o coração da nossa cultura; encerra os nossos pensamentos, a nossa maneira de ver o mundo. É demasiado bela para que o inglês a explique”. Puhpowee.
Jim Thunder, o mais jovem dos intervenientes aos setenta e cinco anos, é um homem robusto e moreno, de semblante sério, que apenas falou em potawatomi. Começou num tom solene, mas à medida que se entusiasmava com o tema, a sua voz pairava como uma brisa nas bétulas e as suas mãos começaram a narrar a história. Cada vez mais animado, levantou‑se, mantendo‑nos extasiados e silenciosos, apesar de quase ninguém compreender uma única palavra. Fez uma pausa, como se tivesse atingido um clímax na sua história e olhou para a plateia com uma expressão expectante. Uma das avós atrás dele tapou a boca para reprimir o riso e o seu rosto austero abriu‑se de repente num sorriso tão grande e doce como uma melancia rachada. Dobrou‑ se com um ataque de riso e as avós, rindo a bandeiras despregadas, limpavam as lágrimas, enquanto nós olhávamos espantados. Quando as gargalhadas diminuíram, falou finalmente em inglês: “O que acontece a uma piada quando já ninguém é capaz de ouvi‑la? Quando o seu poder desaparecer, serão apenas palavras solitárias. Para onde irão? Irão fazer companhia às histórias que nunca mais poderão ser contadas”.
Tenho agora em casa notas autocolantes espalhadas noutra língua, como se estivesse a estudar para uma viagem ao estrangeiro. Mas não vou ausentar‑ me, estou de regresso a casa. Ni pi je ezhyayen? É a pergunta na pequena nota amarela na minha porta das traseiras. Tenho as mãos cheias e o carro está a trabalhar, mas transfiro o saco para o outro lado e faço uma pausa suficientemente longa para responder. Odanek nde zhya, vou à cidade. E é o que faço, para trabalhar, para as aulas, para reuniões, para ir banco, ou ao supermercado.
Falo o dia todo e, por vezes, escrevo toda a noite, na minha bonita língua materna, a mesma que 70% das pessoas no mundo utilizam, uma língua considerada como a mais útil, com o vocabulário mais rico do mundo moderno. O inglês. Quando chego à tranquilidade da minha casa à noite, espera‑me uma nota fiel na porta do armário. Gisken I gbiskewagen! Obedeço e dispo o casaco. Preparo o jantar, tirando utensílios dos armários em que se lê emkwanen, nagen. Tornei‑me uma mulher que fala potawatomi com os objetos domésticos. Quando o telefone toca, mal olho para a nota que ali está quando dopnen o giktogan. E quer seja um advogado ou um amigo, é o inglês que fala. Mais ou menos uma vez por semana, é a minha irmã da Costa Oeste que diz Bozho. Moktthewenkwe nda — como se precisasse de se identificar: quem mais fala potawatomi?
Dizer que é falar requer uma certa imaginação. No fundo, não fazemos mais do que lançar frases confusas uma à outra num simulacro de conversa: Como é que estás? Estou ótima. Ir à cide. Ver pássaro. Pão frito bom. Soamos como o Tonto num diálogo de Hollywood com o Mascarilha. “Eu tentar falar bom índio”. Nas raras ocasiões em que conseguimos exprimir uma ideia semicoerente, inserimos livremente palavras em espanhol, aprendidas no liceu, para preencher as lacunas, criando uma língua a que chamamos spanawatomi.
Às terças e quintas às 12h15, hora de Oklahoma, participo na aula de língua potawatomi à hora do almoço, transmitida a partir da reserva através da Internet. Somos geralmente cerca de dez, em todo o país. Juntos aprendemos a contar e a dizer passa o sal. Alguém pergunta: “Como se diz por favor, passa o sal?” O nosso professor, Justin Neely, um jovem dedicado ao renascimento da língua, explica que embora haja várias palavras para obrigado, não existe uma palavra para por favor. A comida destinava‑se a ser partilhada, não era necessária uma cortesia adicional; era um dado cultural adquirido que as pessoas pedissem respeitosamente. Os missionários tomaram esta ausência como mais uma prova de falta de educação.
Muitas noites, quando devia estar a classificar testes ou a pagar contas, estou no computador a fazer exercícios sobre a língua potawatomi. Ao fim de alguns meses, dominei o vocabulário básico e sou capaz de combinar com confiança as imagens dos animais com os seus nomes indígenas. Lembra‑me do tempo em que lia livros ilustrados aos meus filhos: “Consegues indicar o esquilo? Onde está o coelhinho?” Nestes momentos, digo a mim mesma que não tenho tempo para isto e, além disso, não tenho grande necessidade de conhecer as palavras para robalo e raposa. Uma vez que a diáspora tribal nos deixou dispersos por todo o lado, com quem ia utilizar as palavras?
As frases simples que estou a aprender são perfeitas para a minha cadela. Senta! Come! Anda cá! Quieta! Mas como ela mal responde a estas ordens em inglês, estou relutante em treiná‑la para ser bilingue. Um aluno perguntou‑me uma vez, num tom de admiração, se eu falava a minha língua materna. Fui tentada a dizer: “Sim, falamos potawatomi em casa” — eu, a cadela e as notas autocolantes. O nosso professor diz‑nos para não desanimarmos e agradece‑nos sempre que dizemos uma palavra — agradece‑nos por insuflarmos vida na língua, mesmo que só conheçamos uma palavra. “Mas eu não tenho ninguém com quem falar”, queixo‑me. “Nenhum de nós tem”, responde ele para me tranquilizar, “mas um dia havemos de ter”.
Por isso, aprendo o vocabulário, mas tenho dificuldade em ver o “coração da nossa cultura” ao traduzir cama e lava‑loiça em potawatomi. Aprender substantivos foi bastante fácil; afinal de contas, tinha aprendido milhares de nomes latinos botânicos e termos científicos. Raciocinei que isto não podia ser muito diferente — apenas a substituição de um por outro, uma questão de memorização. Pelo menos no papel, onde podemos ver as letras, isto é verdade. Ouvir a língua é uma história diferente. Há menos letras no nosso alfabeto, pelo que a distinção entre as palavras para um principiante é muitas vezes subtil. Com os bonitos grupos de consoantes de zh, mb, shwe, kwe e mshk, a nossa língua soa como o vento nos pinheiros e a água nas rochas, sons com os quais os nossos ouvidos podem ter estado mais delicadamente sintonizados no passado, mas deixaram de estar. Para aprender de novo, é preciso realmente ouvir.
Com efeito, falar requer naturalmente verbos e é aqui que a minha proficiência básica em dar nomes às coisas deixa de existir. O inglês é uma língua baseada em substantivos, de alguma forma apropriada a uma cultura obcecada com os objetos. Só 30% das palavras inglesas são verbos, mas essa proporção em potawatomi é de 70%, o que significa que 70% das palavras têm de ser conjugadas e 70% têm tempos e casos verbais diferentes a dominar.
Muitas vezes, as línguas europeias atribuem um género aos substantivos, mas o potawatomi não divide o mundo em masculino e feminino. Os substantivos e os verbos são animados e inanimados. O tempo que designa ouvir uma pessoa é completamente diferente do que designa ouvir um avião. Os pronomes, artigos, plurais, demonstrativos, verbos — todos esses elementos sintáticos, em que nunca acertei nas aulas de inglês do liceu, estão todos estruturados em potawatomi em torno do mundo vivo e do mundo inanimado. Tudo, desde formas verbais diferentes e plurais diferentes, varia em função do estado animado daquilo sobre o que se está a falar.
Não admira que só restem nove falantes! Eu bem tento, mas a complexidade causa‑me dores de cabeça e os meus ouvidos mal conseguem distinguir entre palavras que significam coisas completamente diferentes. Um professor assegura‑nos de que essa fluência acaba por vir com a prática, mas um outro ancião admite que estas semelhanças próximas são inerentes à língua. Como nos recorda Stewart King, um guardião do conhecimento e excelente mestre, a intenção do Criador era divertir‑nos, pelo que o humor foi deliberadamente integrado na sintaxe. Mesmo um pequeno lapso linguístico pode converter “Precisamos de mais lenha” em “Despe a roupa”. Com efeito, aprendi que a mística palavra Puhpowee é utilizada não apenas para cogumelos, mas também para alguns outros corpos que crescem misteriosamente durante a noite.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Erros Nossos, Má Fortuna, Discernimento Ausente


Vi ontem a entrevista do Almirante Gouveia e Melo a Sandra Felgueiras.

Coincidiu com o término da leitura de um livro notável do jornalista Licínio Lima : “Senhora da República: Num altar em Fátima erguido pela Maçonaria” (Marcador, 2017).

Numa passagem, lê-se:

“(...) Salazar e Fátima – gerados na responsabilidade da primeira República e amamentados por um povo que desesperadamente gritava por uma mudança de rumo... Povo que fez erguer na Cova de Iria um memorial para que os erros não se repitam (...)” (p. 257)

108 anos depois, repetimos o padrão.
Aclamamos hoje novos ungidos: Ventura, Gouveia e Melo ou qualquer outro que se apresente como salvador. Continuamos a projetar nos líderes a solução mágica para problemas que exigem exercício activo de cidadania, participação cívica informada e conhecedora.

Segundo o Inquérito às Competências dos Adultos (OCDE, 2023):
• 42% dos portugueses têm literacia nível 1 ou abaixo (OCDE: 26%);
• 40% com numeracia fraca;
• 42% sem capacidade para resolver problemas adaptativos;
• Apenas 4% atinge os níveis mais altos de literacia (OCDE: 12%).

Um povo sem literacia, numeracia ou autonomia cognitiva não escolhe: acriticamente adere.
Aderimos ao ruído, ao que promete ordem, ao que mais vocifera, mesmo se isso nos custar o bem mais precioso: a Liberdade.

• Aceitamos hierarquias sem crítica (elevada distância ao poder);
• Evitamos o novo (aversão à incerteza);
• Somos pouco autónomos (baixo individualismo).

Um estudo intercultural (Brueck & Kainzbauer) feito a partir da perspetiva espanhola reforça esta imagem:
• Forte formalismo e hierarquização;
• Tradição e lentidão na mudança;
• Soluções de última hora;
• Obsessão pelo “chefe”;
• Medo da autonomia e da crítica.

Temos um país preparado para o aplauso, mas não para o escrutínio.Para a fé, mas não para a dúvida.
Para mártires e heróis, mas não para cidadãos informados.

Em 1917, Domingos Pinto Coelho  advertia (op. cit.):

“Simplesmente é necessário, em assunto de tanta monta, não ceder ao quod volumus facile credimus (aquilo que desejamos, acreditamos com facilidade).” (p. 187)

Hoje, como ontem, acomodamo-nos e confundimos promessas populistas e/ou autoritárias com Verdade, com nobres propósitos e promessas em prol do colectivo.

A História não redime quem a ignora.
Estejam atentos, rogo-Vos, a este poderoso alerta contra o messianismo político e a crença cega em soluções fáceis
Os erros, os que se repetem, os nossos, no fim pagam-se sempre muito caro!

Democracia No Reino Animal



Quando a necessidade prevalece no mundo selvagem, a cooperação torna-se crucial. No Botswana, entre as sociedades animal mais hierárquicas, o líder consulta os membros do seu grupo antes de ter alguma ação. Cada espécie prossegue à sua maneira para que o seu ponto de vista seja ouvido pelo seu líder. Os cães (os cães selvagens) espirram, os babuínos caminham numa determinada direção, os elefantes roncam e os suricatas gritam. E se a democracia tiver sido inventada pelos animais?


A maioria é uma garantia mais eficaz da sobrevivência do que qualquer tirania. Uma viagem para conhecer os animais europeus em que o povo governa através de votações… Espécies compostas por dezenas, centenas ou até milhares de indivíduos tomam as suas decisões democraticamente sem seguirem um líder. Búfalos, abelhas, veados e pombos decidem juntos o que fazer e onde ir. Nestes animais, o grupo está em primeiro lugar.

Há imensa literatura científica sobre "democracia" e empatia. Quando os indivíduos dominantes excluem os subordinados da partilha de alimentos, os subordinados iniciam um movimento coletivo para restaurar o equilíbrio de poder. Diante disso, as posições são trocadas: o alfa abandona a liderança e passa a seguir os comandos estabelecidos pelo grupo. Os resultados do estudo revelam o papel da tomada de decisão partilhada na manutenção do equilíbrio de influência nas sociedades animais.

Alien Sex Fiend - Until She Comes (Psichedelic Furs cover)


Until she comes again
I can hear the things she said
I feel no thoughts to move my head
Until she comes again

And with her step
I move my feet
And with her hand
I feel my skin
And with her need
I find I'm saved
And with her dreams
I'm laid

Until she comes again
The sun goes out and night comes in
The time goes round and day grows dim
Until she comes again

And with her step
I move my feet
And with her hand
I feel my skin
And with her need
I find I'm saved
And with her dreams
I'm laid

Until she comes again
With all my savings and my sins
There's no good reason to begin
Until she comes again

And with her step
I move my feet
And with her hand
I feel my skin
And with her need
I find I'm saved
And with her dreams
I'm laid

Until she comes again
With all her dreams tied in her hand
There is no way to understand
Until she comes again

Until she comes again
The sun goes out and night comes in
The time goes round and day grows dim
Until she comes again

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Assinaturas, acordos, convenções e ética na sociedade moderna


Hoje lembrei-me de assinaturas. Passamos o tempo todo a assinar: pessoalmente (filiação/desfiliação partidárias, créditos, arrendamentos, emprego, etc.) ou internacionalmente alguém a assinar por todos nós: acordos, tratados, convenções, etc.
Uma assinatura é uma marca ou escrito num documento que serve para dar-lhe validade ou identificar o seu autor. Ela pode ser manuscrita, digital ou electrónica, e cada uma tem as suas particularidades e usos. 
Porém, temos a sensação que são frágeis. Falemos do Acordo de Paris como exemplo que acabei de referir. A assinatura do Acordo de Paris é vista como um passo importante na luta contra o aquecimento global, mas com a percepção que a sua implementação precisa ser mais ambiciosa e rápida, que a cooperação internacional é fundamental, que a tecnologia e a inovação baseadas na Natureza são importantes e que a pressão pública tem um papel importante. 

Meu poema sobre Assinatura
A tinta lembra
o que até o coração esquece -
a mancha de um suspiro,
a pressão de um momento
demasiado frágil para o tempo.
JPS

Bom dia e vamos insistindo na firmeza e concretização das assinaturas, com Humanismo e Compromisso reais e efectivos!

Fearless African President Ibrahim Traoré



Música do BioTerra: Jeff Buckley - Lover, You Should've Come Over


Lover, You Should've Come Over

Looking out the door, I see the rain
Fall upon the funeral mourners
Parading in a wake of sad relations
As their shoes fill up with water
Yeah, maybe I'm too young
To keep good love from going wrong
But tonight you're on my mind
So you never know

Broken down and hungry for your love
With no way to feed it
Where are you tonight, child?
You know how much I need it

Too young to hold on
And too old to just break free and run

Sometimes a man gets carried away
When he feels like he should be having his fun
And much too blind to see the damage he's done
Oh, sometimes a man must awake to find that really, he has no one

So I'll wait for you, and I'll burn
Will I ever see your sweet return?
Oh, will I ever learn?
Oh, oh, oh
Lover, you should've come over
'Cause it's not too late
Mhm

Lonely is the room, the bed is made
The open window lets the rain in
Burning in the corner is the only one
Who dreams he had you with him

My body turns and yearns
For a sleep that won't ever come

It's never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder
It's never over, all my riches for her smiles when I slept so soft against her
It's never over, all my blood for the sweetness of her laughter
It's never over, she's the tear that hangs inside my soul forever
Oh, maybe I'm just too young
To keep good love from going wrong

Oh, oh, oh
Lover, you should've come over
Well, I feel too young to hold on
And much too old to break free and run
Too deaf, dumb, and blind to see the damage I've done

Sweet lover, you, you should've come over
How long will I wait for you?
Lover, lover, lover
Lover, lover, lover, lover, lover, lover
Lover, lover, lover, you should've come over
'Cause it's not too late

domingo, 1 de junho de 2025

O linguista e escritor que acreditava no futuro da língua portuguesa


O linguista, escritor, tradutor, crítico literário e académico português Fernando Venâncio, autor de 'Assim Nasceu uma Língua' (2019), morreu esta sexta-feira em Mértola, aos 80 anos, anunciou a editora Guerra & Paz e noticiou a agência Lusa. Com essa obra, mexeu no passado da língua portuguesa, mas também manifestou "tranquilidade" quanto ao seu futuro.

Em comunicado, Manuel S. Fonseca, editor da Guerra & Paz, recorda como recebeu um texto de Amesterdão em 2015, um prefácio assinado por Fernando Venâncio. Mais tarde, aconteceu o que o editor classifica como “o milagre: o Fernando aceitou ser meu autor”. Daí sairia 'Assim Nasceu uma Língua' e, em 2022, "O Português à Descoberta do Brasileiro". Fernando Venâncio esteve ligado a vários projectos culturais e em 2020 foi distinguido com o Prémio de Ensaio Jacinto do Prado Coelho pela obra 'Assim Nasceu uma Língua' - Sobre as Origens do Português.

Marco Neves, tradutor, revisor, autor e professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, tinha-o como mentor. ​Esta sexta-feira, sublinha ao PÚBLICO que Fernando Venâncio era um linguista mas também um escritor de ficção. E isso foi importante para o sucesso de Assim Nasceu uma Língua, que se tornou um best-seller por ser "um livro que era de um estudioso da língua mas também de alguém que sabe escrever mesmo muito bem".

"É muito raro, diria até que é caso único um livro de linguística que não seja um dicionário ou uma gramática ter um sucesso tão grande e chegar a tantas pessoas" no mercado português, enfatiza, "porque apesar de ser um tema que as pessoas gostam, normalmente não lêem livros de linguística. Teve uma recepção do público extraordinária."

Assim Nasceu uma Língua "é um livro principalmente de divulgação mas é também de investigação. Além de expandir o conhecimento, também cria novo conhecimento. É algo que não é assim tão comum".

Fernando Venâncio considerava que “a linguística portuguesa é muito estranha. Temos óptimos historiadores, óptimos investigadores da gramática e sobretudo da sintaxe, mas não há nenhum interesse na divulgação”, dizia ao Ípsilon em 2022.

Marco Neves lembra que Venâncio "não tinha medo nenhum de usar qualquer canal: Facebook, blogues, redes sociais. Não tinha aquela hesitação que algumas pessoas na academia têm de usar qualquer canal para chegar ao grande público e isso também ajudou a poder comunicar aquilo que o apaixonava – a língua e a literatura".

Na mesma entrevista de 2022, Fernando Venâncio criticava o Acordo Ortográfico de 1990 e o silêncio da comunidade de linguistas sobre um “produto mal-enjorcado, elaborado em cima do joelho, rejeitado por todas as entidades então consultadas” e “tecnicamente inapresentável”. Era, portanto, um crítico do acordo.

Um romancista, cronista e tradutor
Na obra literária, assinou Um Selvagem ao Piano (Peregrinação, 1982), Os Esquemas de Fradique (Grifo, 1999), El-Rei no Porto (Asa, 2001), Beijo Técnico e Outras Histórias (Ulisseia, 2015), Último Minuete em Lisboa (Assírio & Alvim, 2008), Maquinações e Bons Sentimentos (Campo das Letras, 2002) ou Só o Meu Computador Me Compreende (On y va, 2018). Assinou a colectânea de ensaio Objectos Achados (Caixotim, 2002), compilou uma antologia da Crónica Jornalística – Século XX (Círculo de Leitores, 2004) e editou os seus diários de viagem em Quem Inventou Marrocos (Ausência, 2004). José Saramago: a luz e o sombreado (Campo das Letras, 2000) é outra das suas obras, além da colectânea de polémicas Maquinações e Bons Sentimentos (Campo das Letras, 2015).

Mas é com Assim Nasceu uma Língua, que em 2023 já ia na 7.ª edição, com a editora Guerra & Paz, que se assinala o ponto alto da sua carreira – um linguista à procura das origens de uma língua que depois se espalharia pelo mundo. Aliás, em 2022, assinou também O Português à Descoberta do Brasileiro, pela mesma Guerra & Paz, acerca da influência do português do Brasil sobre a escrita em Portugal a partir de finais da década de 1970, além de se ter dedicado a construir gramáticas de português para a sua língua de tradução de eleição, o neerlandês, ou de ter feito a investigação Concepções de Língua Literária em Portugal na Época de Castilho (1835-1875).

Lançado em 2019, Assim Nasceu uma Língua é a obra de referência de um homem nascido em Mértola em 1944 e que viveu em Lisboa desde os dois anos, depois em Braga desde os dez e foi para Amesterdão aos 26 anos, onde se formou em Linguística Geral e onde viveu e leccionou, nomeadamente na Universidade de Amesterdão sobre Problemática e Legislação das Línguas Minoritárias na Europa – mas também deu aulas e ocupou cargos directivos em universidades de Amesterdão, Roterdão e Haia, como refere uma sua biografia da Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas. "Assim Nasceu uma Língua" é aliás, nas palavras do jornalista e cronista do PÚBLICO Nuno Pacheco, “a obra de uma vida”.

Nela, Venâncio investiga e vasculha uma língua nascida de uma língua única junta com o galego e que se separou a partir de 1400 para uma independência que, na opinião do linguista, não devia esquecer a sua origem. “Portugal utilizou a língua que herdara ao fazer-se independente: o galego”, lê-se nessa obra. Fruto da sua “curiosidade” e da “vontade de ir até onde ninguém tinha ido” como disse ao Ípsilon em 2019, levou-o a fixar por escrito a fortíssima ligação ao galego, depois a absorção de algo do espanhol, e a ilusão da “língua lusitana” – “Quando a Galiza deixou de ser referência, Portugal procurou uma referência mais a sul, no povo lusitano. E Camões consagrou isso”, disse ao Ípsilon na mesma entrevista.

A obra “conquistou Portugal, seduziu os nossos vizinhos galegos, bem como gerou controvérsia no Brasil”, recorda o editor Manuel S. Fonseca na mesma nota enviada às redacções. "Houve alguma polémica no Brasil, é verdade, por vários motivos", completa Marco Neves ao PÚBLICO. "Porque o livro fala da questão do português de Portugal e do português do Brasil. Mas levantou também discussões infindas sobre a relação do português com o galego ao tentar mostrar que o português nasce da língua medieval a que ele chamava directamente galego; se para os portugueses pode parecer uma questão pouco importante, marcar uma posição a dizer que neste momento o galego e o português já não são a mesma língua é uma questão bastante ainda acesa e polémica entre muitos e muitos sectores da sociedade na Galiza."

Ainda assim, diz Marco Neves, na altura da morte de Fernando Venâncio, entre aqueles que concordavam ou discordavam do académico português, "todos são unânimes em dizer que foi importantíssimo para as relações entre Portugal e Galiza".

A Guerra & Paz reeditou este ano "Os Esquemas de Fradique" e o seu editor acredita que ali, naquele romance de há décadas, é que serão descobertas “paixões doidas – ‘sabem tão bem!’ – um cientista gatuno (‘gatuno, mas um tipo porreiro’) e muito whisky divino”. É a obra que Manuel S. Fonseca destaca, a par do legado para a linguística, do autor de quem se despede esta sexta-feira.

Ao nível pessoal, Manuel S. Fonseca descreve uma “voz cheia de entusiasmo”, “o tão bom humor”, ácido por vezes, escrutinador do “grande circo da pretensão, pompa e circunstância”.

“Tento contar uma história, com a reserva que a história impõe sempre”, dizia Fernando Venâncio. “E a verdadeira história é que o português é, historicamente, um fenómeno tardio. Há toda uma história anterior. Ao mesmo tempo, isso dá-nos uma grande tranquilidade. Porque o português sobreviveu até hoje, da melhor maneira, e tem o futuro pela frente, seja em que forma for.”