A polarização e fratura que o tema da imigração tem provocado na sociedade portuguesa precisa de ser revertido. Precisamos de encontrar o "caminho do meio", uma abordagem equilibrada, capaz de mobilizar um consenso alargado, de uma política de imigração humanista e realista.
É necessário deixarmo-nos de agredir mutuamente e, pior ainda, de usar os imigrantes para o combate politico-partidário. Haverá caminhos para nos unirmos no essencial e para dialogar sobre as diferenças de perspetivas e negociar pontos de convergência. Esta iniciativa que mobiliza várias pessoas, no seu núcleo fundador, entre os quais os últimos 4 Altos-comissários para a Imigração, irá fazer o seu caminho e procurará ser parte da solução.
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Carta de Princípios do “Consenso Imigração”
Num tempo marcado por discursos de medo, de simplificações e generalizações perigosas e de crescente polarização em torno do fenómeno migratório, afirmamos a necessidade urgente de construir um espaço de pensamento, diálogo e propostas que recupere o valor do consenso informado, da dignidade humana e da convivência intercultural.
Portugal, além de ser historicamente um país incontornavelmente ligado a dinâmicas migratórias de entrada e de saída, enfrenta hoje uma crise demográfica com acentuado envelhecimento da população e necessidades de mão de obra cruciais para o contínuo desenvolvimento da nossa economia e desenvolvimento social.
O “Consenso Imigração” nasce como um espaço de reflexão da sociedade civil, enquanto expressão plural e independente, reunindo pessoas e instituições, a partir de uma significativa diversidade política e ideológica, comprometidas com uma visão positiva, realista e humana da imigração em Portugal — uma visão que reconhece os desafios, mas não ignora os contributos, as histórias e o potencial transformador da diversidade para a criação de uma comunidade com futuro.
Esta Carta de Princípios orienta o nosso trabalho coletivo.
1. Dignidade Humana como fundamento
Afirmamos o respeito pelo princípio de direitos humanos universais e da dignidade de todas as pessoas, independentemente da sua origem, nacionalidade, religião, nível socioeconómico, características étnico-raciais ou estatuto migratório. Recusamos a instrumentalização da imigração para fins políticos ou eleitorais.
2. Conhecimento rigoroso como base para a ação
Defendemos que o debate público sobre imigração deve assentar em dados fiáveis, investigação científica e análise crítica. Combater a desinformação, em todas as esferas, seja nas redes sociais, na comunicação social ou na interação direta com as comunidades é um imperativo ético e democrático.
3. Combate à polarização e compromisso com o diálogo e o consenso
Assumimos o compromisso de promover o diálogo construtivo, ouvindo diferentes perspectivas e rejeitando a lógica dos extremos. O consenso não é ausência de debate — é a procura honesta de pontos comuns para soluções sustentadas.
4. Valorização da contribuição dos Migrantes
Reconhecemos e tornamos visíveis os contributos sociais, económicos e culturais das pessoas migrantes para o desenvolvimento do país. A imigração legal, se bem gerida nos seus fluxos e devidamente integrada, não é uma ameaça — é uma oportunidade de desenvolvimento para o país, que exige políticas públicas justas, realistas e inclusivas.
5. Encontrar respostas para as preocupações da sociedade de acolhimento
Compreendemos que, em momentos de crescimento rápido do número de imigrantes, podem emergir incertezas e receios. Integramos e respeitamos esse sentimento. Dialogaremos para a procura de soluções que, no quadro do respeito pela lei e pela dignidade humana, promovam um bem-estar comum, gerador de tranquilidade e um sentimento de fraternidade e de diálogo entre todos, autóctones e imigrantes.
6. Recusa da generalização e da culpabilização coletiva
Comportamentos incorretos ou ilegais podem existir em qualquer grupo social - autóctones ou imigrantes, crentes ou não-crentes, caucasianos ou negros, pessoas de direita ou de esquerda, pobres ou ricos. Porém, isso não pode culpabilizar, nem caracterizar todo um grupo por alguma ação de um indivíduo.
Recusamos a estigmatização coletiva. Não se pode confundir a árvore com a floresta.
7. Compromisso com a coesão social e a inclusão, sem discriminação.
Defendemos a convivência baseada no respeito mútuo entre pessoas de diferentes origens e culturas, combatendo todas as formas de racismo, xenofobia, aporofobia e exclusão. A integração é um processo bidirecional que exige responsabilidade individual e coletiva.
8. Responsabilidade partilhada e Governança colaborativa
Entendemos que as questões migratórias são um desafio nacional e europeu, que exigem uma resposta articulada entre o Estado, as autarquias, o setor empresarial, a sociedade civil e as comunidades migrantes. Neste contexto, sublinhamos o papel da sociedade civil organizada, com a participação ativa e ampla dos cidadãos, como contributo relevante e urgente. Ninguém está dispensado desta responsabilidade. Cada tem um papel a desempenhar na construção das soluções necessárias.
9 . Esperança como horizonte político
Recusamos a política do medo e do ressentimento. Escolhemos a esperança como horizonte para pensar e construir um país mais justo, inclusivo e preparado para os desafios do século XXI, em que se constrói, todos os dias, o futuro que desejamos.
Assumimos estes princípios como guia para as nossas intervenções públicas, investigações, propostas e parcerias. O “Consenso Imigração” está aberto à participação de pessoas e entidades que partilhem esta visão e desejem contribuir para um debate mais responsável e construtivo sobre imigração em Portugal.
Lisboa, 16 de Junho de 2025
Catarina Marcelino (ex-Sec. Estado da Igualdade)
Catarina Reis Oliveira (ex-Coordenadora do Observatório das Migrações)
Eugénia Quaresma (Dir. Obra Católica Portuguesa das Migrações)
Francisca Assis Teixeira (ex-Diretora Centro Nacional de Apoio ao Imigrante)
Lucinda Fonseca (Professora universitária, Especialista em Migrações)
Paulo Mendes (ex-Presidente da AIPA – Associação Imigrantes dos Açores)
Pedro Calado (Ex-Alto-Comissário para as Migrações)
Rosário Farmhouse (ex-Alta-Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Rui Marques (ex-Alto-Comissário para a Imigração e Diálogo Intercultural)
Sónia Pereira (ex- Alta Comissária para as Migrações)