Páginas
▼
terça-feira, 29 de abril de 2025
Richard Dawkins - Defying Gravity by Design and Evolution
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Staying with the discomfort of a situation
- Pema Chödrön's web site (em inglês)
- Fundação Pema Chödrön (em inglês)
- List of Pema Chödrön's articles on Shambhalasun.com (em inglês)
- Pema Chödrön entrevistada por Bill Moyers
domingo, 27 de abril de 2025
Sobre o luto
sábado, 26 de abril de 2025
Não, Elon, empatia não é sinal de fraqueza
A empatia é a razão pela qual ainda aqui estamos.
Na escola, todos aprendemos sobre a teoria de Darwin da “sobrevivência do mais apto”. Talvez se surpreenda ao descobrir que não foi ele quem cunhou este termo. Foi Herbert Spencer quem surgiu com isso cinco anos depois:
![]() |
Como provavelmente também sabe, Spencer estava interessado em implementar hierarquias de seres humanos, e as suas ideias foram utilizadas para justificar a eugenia.
Ao longo dos anos, a ideia de “sobrevivência do mais apto” tem sido amplamente interpretada como significando que os mais egoístas e os mais agressivos sobreviverão. Quando se olha para os escritos de Darwin, no entanto, verá algo bastante diferente: ele enfatizou que são os simpáticos que sobrevivem e prosperam.
A simpatia é aqui utilizada por Darwin para significar algo semelhante à empatia ou compaixão, inspirado pelo uso do termo por Adam Smith em "A Teoria dos Sentimentos Morais"
“A palavra simpatia, no seu significado mais próprio e primitivo, denota o nosso sentimento de solidariedade com os sofrimentos, e não com os prazeres, dos outros.”
É certo que, numa interação individual entre uma pessoa egoísta e uma pessoa compassiva, a pessoa egoísta pode vencer. Estão dispostos a fazer coisas que magoam outras pessoas e a sacrificar a sua moral (ou seja, atenuar a sua resposta empática).
Mas, em grupos, tudo muda. Os grupos compassivos vencem os grupos egoístas.
Os compassivos sobrevivem porque trabalham em conjunto. Ao utilizarem a sua empatia, são capazes de construir relações; nestas relações, cuidam uns dos outros, partilham recursos e exploram pontos fortes únicos. O bem-estar do grupo é o seu objetivo, e trabalharão com coragem e cooperação para o alcançar. Os egoístas não podem fazer nenhuma destas coisas, porque estão a fazê-lo apenas para si próprios. Um grupo de indivíduos egoístas desintegra-se rapidamente, voltando-se uns contra os outros e entrando em colapso interno.
Os compassivos também prosperam porque as atividades que promovem a sua sobrevivência — praticar a empatia, construir relações e cuidar uns dos outros — também conduzem à felicidade. O egoísta não pode florescer porque ninguém pode ser feliz sozinho. A miséria obriga-os a comportarem-se de forma ainda mais egoísta, causando ainda mais danos aos outros.
Conforme descrito pelo eminente biólogo E.O. Wilson, “O egoísmo supera o altruísmo dentro dos grupos. Os grupos altruístas superam os grupos egoístas. Tudo o resto é comentário.”
Quando me deparei com esta investigação pela primeira vez na pós-graduação, fiquei chocado. Foi um dos primeiros momentos em que percebi que as minhas "crenças leigas", como os académicos lhes chamam, não eram apenas moldadas pela cultura Old Happy, mas fundamentalmente distorcidas por ela. Por que razão a sobrevivência do mais apto passou a ser concebida como “a vitória egoísta”? Por causa das forças do capitalismo, do individualismo e da dominação, todos os quais centralizam o eu acima dos outros. Se acredita que o estado natural do ser humano é egoísta, então estas estruturas sociais não são apenas necessárias, mas desejáveis. É benéfico para o Velho Feliz conceber que estamos podres até à medula.
Mas, à medida que me aprofundei na investigação, aprendi que cada grande salto no desenvolvimento humano é o resultado de se tornar cada vez mais cooperativo, atencioso e prestável. Ao apoiarmo-nos nas nossas ligações e no nosso sentido de serviço aos outros, e não nos afastarmos deles. Vendo os outros como semelhantes a nós, ligados a nós, queridos por nós. Creio que é este o sentimento que sustenta a famosa citação de Martin Luther King Jr.: “O arco do universo moral é longo, mas curva-se em direção à justiça”. Isto acontece porque a nossa natureza mais profunda é compassiva.
À medida que enfrentamos outro momento crucial na história da humanidade, somos chamados a evoluir para uma versão ainda mais compassiva de nós próprios. Acredito que esta é a única forma de ultrapassarmos o que vem a seguir.
Quando olho para o movimento Make America Great Again, vejo um grupo de pessoas que são contra a nossa evolução coletiva. Não querem apenas que interrompamos o aprofundamento da nossa compaixão, querem que desaprendamos o nosso progresso e desmantelemos o que construímos. Ao convencerem-nos de que a empatia é uma fraqueza, tentam silenciar o nosso dom mais humano em favor dos seus interesses. Querem regressar a uma época em que as pessoas das comunidades marginalizadas não tinham direitos e oportunidades. Querem ter a liberdade de prejudicar os outros para obter mais para si. Querem acabar com as vitórias em compaixão pelas quais os nossos antepassados tanto lutaram.
É por isso que sei que nunca terão sucesso. As suas ações não estão alinhadas com a nossa natureza humana mais profunda. O progresso só pode ser alcançado se nos tornarmos mais atenciosos, e eles estão, dia após dia, a tornar-se mais odiosos.
Podem conseguir vitórias no curto prazo, sim. Podem ser capazes de dominar os indivíduos, é verdade. Mas se nós, enquanto grupo de pessoas, nos unirmos em compaixão, então podemos confiar que venceremos.
O nosso maior desafio agora é criar este grupo de indivíduos compassivos. Neste momento estamos fragmentados, desligados, separados. Quase toda a gente ainda opera sob a sua antiga visão do mundo feliz, acreditando que a sua felicidade pessoal é mais importante do que a felicidade dos outros e que ajudar os outros é um anátema para o bem-estar. Esta é a crença leiga que deve cair para garantir a nossa felicidade coletiva.
Precisamos de aprender a amar-nos a nós próprios e uns aos outros de novo, reconhecendo que o amor é uma ação, uma prática, uma disciplina. Devemos olhar profundamente para nós próprios e perguntar: onde é que me estou a recusar a demonstrar compaixão aos outros e como posso ultrapassar isso? Devemos reunir-nos com aqueles que partilham o nosso objectivo de construir um mundo onde todos possam ser felizes e construir uma comunidade real e significativa que nos ajude a tornar-nos a versão mais empática e compassiva de nós próprios.
Não será fácil. Isso também faz sentido. Quem disse que evoluir enquanto espécie seria fácil? No entanto, diria que é a coisa mais valiosa a que nos podemos dedicar. Uma vida dedicada ao aprofundamento da compaixão seria uma vida bem vivida e criaria um legado que se estenderia pelas gerações futuras. Talvez seja por isso que aqui estamos. Talvez devêssemos começar já.
Nota: Neste artigo, não me foquei nas formas como até mesmo atribuir a empatia como uma qualidade da cultura ocidental também é incorreto, dadas as inúmeras formas como prejudicamos tantos milhares de milhões de pessoas na nossa busca pela dominação. Fonte
O Dia da Terra e o compromisso pelo futuro
Há 55 anos nasceu um movimento global em defesa do nosso planeta. Milhões de pessoas uniram-se numa manifestação coletiva por uma agenda ambiental forte, centrada na proteção do ar, da água e dos solos. Liderada pelo senador e ativista norte-americano Gaylord Nelson, esta mobilização histórica deu origem ao Dia da Terra - um marco que ultrapassou fronteiras, culturas e ideologias, consolidando-se como a maior expressão planetária de consciência ecológica e ação transformadora.
Desde 1970, o mundo progrediu. As leis ambientais foram reforçadas, criaram-se agências reguladoras, baniram-se substâncias tóxicas e a educação ambiental ganhou visibilidade e força. Mas o espírito de urgência que impulsionou o primeiro Dia da Terra não só permanece como se tornou mais vital do que nunca. Hoje, enfrentamos uma ameaça sem precedentes, que põe em risco tudo o que conquistámos e desafia a humanidade a agir com coragem e solidariedade: a crise climática.
A data de 22 de abril, oficialmente reconhecida pelas Nações Unidas, alerta para desafios como a poluição, a degradação ambiental e a perda de biodiversidade. Mas a realidade exige mais do que sensibilização. As emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar; as florestas, outrora santuários de vida, sucumbem ao avanço de interesses predatórios; os oceanos aquecem; os ecossistemas colapsam e a perda de biodiversidade atinge níveis alarmantes. E é gritante a injustiça quando os mais afetados por esta crise são justamente os que menos contribuíram para a causar.
Neste contexto, não há justiça climática sem justiça social. As cidades precisam de se adaptar, investindo em soluções baseadas na natureza, infraestruturas verdes e modelos de governança mais resilientes e participativos. A forma como produzimos, consumimos e nos organizamos, deve ser repensada com base em princípios circulares, regenerativos e sustentáveis.
Mas há uma outra crise, mais silenciosa e igualmente perigosa: a erosão da confiança. A descrença nas instituições, o imobilismo político e o sentimento generalizado de impotência corroem a nossa capacidade de ação coletiva. Talvez seja este o maior risco do nosso tempo: deixarmos de acreditar uns nos outros e na força transformadora da ação conjunta.
O legado do Dia da Terra continua a ser profundamente relevante. Ele recorda-nos que a mudança é possível. Que ela já aconteceu antes, quando multidões se uniram em nome da vida, da dignidade e da justiça ambiental. E que pode voltar a acontecer. Para isso, precisamos de ciência, tecnologia e inovação, mas também de uma esperança ativa; aquela que se traduz em escolhas conscientes, coragem política e compromisso cívico.
Como afirmou recentemente Denis Hayes, organizador do primeiro Dia da Terra: a crise climática é, simultaneamente, o maior desafio e a maior oportunidade da nossa geração. Concordo plenamente. É tempo de transformar o medo em responsabilidade, e a desesperança em projeto. O Dia da Terra não é apenas uma data no calendário; é um importante apelo à mobilização planetária.
Celebrar o 22 de abril é mais do que um gesto simbólico: é um ato ético, político e profundamente necessário. É uma renovação. Um pacto. Uma declaração de pertença. É afirmar que ainda acreditamos. Que ainda lutamos. Que ainda sonhamos. Porque a Terra - esta casa comum, bela e frágil - justifica todo o nosso empenho.
Música do BioTerra: Silverchair - Tomorrow (US Version)
Gravado em apenas 9 dias, por um grupo de músicos que tinham apenas 15 anos de idade (!), "Frogstomp" acabou por ser uma enorme e agradável surpresa para o mundo do rock dos anos 90, devido à sua energia e qualidade. Foi desse álbum que apareceram canções que se transformaram em autênticos hinos dos Silverchair como "Pure Massacre", "Israel´s Son", "Shade" e "Tomorrow", que vos deixo como forma a celebrar esta banda.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
O dia em que Portugal acordou Livre
Numa suave manhã de abril de 1974, Portugal despertou agitado ao coro da mudança. O perfume dos cravos mesclava-se com as aspirações de uma nação cansada de anos sob o jugo opressivo da ditadura. Neste dia singular, o descontentamento silencioso do povo encontrou eco no coração daqueles que ousaram sonhar, anunciando o fim de um regime que sufocava a liberdade e reprimia o progresso social, económico e cultural do país. Portugal erguia-se, enfim, com a ambição de prosperar, deixando para trás um caminho solitário que havia trilhado durante demasiado tempo.
A Revolução dos Cravos não nasceu da violência, mas da coragem. Foi o grito sereno de um povo que já não aceitava viver calado, a coragem de militares que escolheram a pátria e o povo em vez da opressão. Foi o instante sublime em que a utopia se tornou possível, e Portugal, cansado da noite longa da ditadura, amanheceu livre.
Essa revolução, embora nascida em solo português, ecoou muito além das fronteiras, como um hino universal à dignidade humana. O mundo viu um povo erguer-se com cravos nas mãos e justiça no peito. Homens e mulheres comuns tornaram-se heróis anónimos de uma mudança que brotou das entranhas da sociedade - com resiliência, com sonho, com a sede de um novo amanhã.
O fim da ditadura não foi apenas o desmantelamento da censura ou a criação de instituições democráticas. Foi o início de uma caminhada intensa, nem sempre fácil, mas profundamente transformadora. A democracia chegou com debates, com escolhas difíceis, com o peso e a beleza da liberdade. Trouxe conquistas nos direitos civis, na igualdade de género, na afirmação das minorias, e na ousadia de construir uma economia moderna e aberta ao mundo.
Foi também um renascimento cultural. A palavra voltou a ter valor. A arte, a literatura, o cinema e a música floresceram como sementes guardadas durante décadas, à espera de solo fértil e céu limpo. Expressar-se tornou-se não só um direito, mas um dever cívico, e o país inteiro respirou, finalmente, em liberdade.
O legado do 25 de Abril é eterno enquanto resistirmos à amnésia coletiva. É farol e bússola. Lembra-nos que a liberdade é conquistada, não concedida. Que a democracia se cultiva todos os dias, com participação, com justiça social, com o combate à corrupção e à desigualdade.
Hoje, ao celebrarmos a liberdade, é vital recordar a força dos que nos trouxeram até aqui. Porque num tempo em que tantas conquistas parecem frágeis, revisitamos Abril não como nostalgia, mas como promessa. Promessa de que o povo português saberá sempre - se preciso for - voltar a encher as ruas de coragem, de cravos e de futuro.
quinta-feira, 24 de abril de 2025
Infalibilidade ventural
Quem pensa que vai estar muito ocupado nos próximos dias, por ter de assistir a dezenas de entrevistas e debates, a fim de tomar uma decisão responsável no dia 18 de Maio, imagine a trabalheira que está reservada a Deus Nosso Senhor. O Criador terá de estar atento não só às eleições portuguesas, que vão determinar a composição do novo governo, como também à eleição do novo Papa, no Vaticano. Como se sabe, Ele está igualmente empenhado nas duas.
Se bem se lembram, no dia 12 de Dezembro de 2020, André Ventura revelou: “Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal.” E também é sabido que os cardeais, quando se reúnem para eleger o Papa, requisitam a assistência do Espírito Santo. O mesmo Espírito Santo protege depois o Papa do erro, sempre que o Santo Padre fala de matérias de fé e moral. É nisso que consiste a chamada infalibilidade papal, que é dogma. Para André Ventura, Deus reservou um modelo de infalibilidade ligeiramente diferente: o presidente do Chega tem a protecção do espírito santo de orelha. Sempre que ele ouve alguma coisa que lhe indica que o melhor é contradizer-se, por mais flagrante e ridícula que seja a contradição, é isso que faz. Trata-se da infalibilidade ventural: que ele mais tarde ou mais cedo vai dar o dito por não dito é uma lei absolutamente infalível. Já tinha acontecido com o apoio às tarifas de Trump, que Ventura começou por considerar óptimas e passou a achar péssimas, quando verificou que não tinham o apoio de ninguém. E agora aconteceu novamente, de forma ainda mais espectacular. No dia da morte do Papa Francisco, Ventura publicou a seguinte mensagem: “Hoje é um dia de tristeza e sofrimento para os cristãos do mundo inteiro. O Papa Francisco deixa uma marca inspiradora de proximidade e simplicidade que a todos tocou profundamente. Que a sua vida intensa seja
um exemplo para todos os que querem servir a causa pública!”
E acrescentou, a seguir a esta exclamação, o emoji das mãozinhas a rezar, em sinal de agradecimento. No entanto, em Outubro de 2020, tinha dito numa entrevista: “Eu acho que este Papa tem prestado um mau serviço ao cristianismo. Acho. Acho que tem mostrado a esquerda revolucionária quase como heróica e a esquerda europeia marxista como a normalidade. Acho que este Papa tem contribuído para destruir as bases do que é a Igreja Católica na Europa e acho que em breve vamos todos pagar um bocadinho por isso.” E há dois anos, quando o Papa visitou Portugal, Ventura exilou-se na Madeira, para o evitar. Portanto, o mesmo Ventura que achava que o Papa prestava um mau serviço ao cristianismo, considera agora que a sua vida foi um excelente exemplo para todos. Quando estava vivo, o Papa não lhe agradava, mas depois de morto já o acha admirável. Pode ser que Ventura também venha ainda a gostar muito da democracia, depois de ela morrer. Talvez seja por isso que se tem esforçado tanto para precipitar o seu óbito.
Smartphones na escola: entre o vício e a inteligência
Um duplo disparate
Um duplo disparate. Primeiro, porque o Luto Nacional deveria ter sido marcado para os dias de 26 (data do funeral do Papa) a 28, por mais que isso prejudicasse as agendas de suas excelências que irão viajar até Itália. Em segundo porque: Eh pá! Tony Carreira!?! Fonte
Nem em Itália:
"O Governo italiano declarou cinco dias de luto nacional pela morte do Papa, a partir desta terça-feira e até sábado, dia do funeral de Francisco. (...)
O período de luto vai coincidir, na sexta-feira com as comemorações do 25 de Abril, dia em que Itália comemora o fim da ditadura fascista e o início da libertação do país da ocupação nazi, cujo 80.º aniversário se assinala este ano.
Para o porta-voz do Livre, a decisão revela "uma singular falta de respeito pela democracia e pelo 25 de Abril", sobretudo no ano em que se assinalam os 50 anos das primeiras eleições livres em Portugal.
Rui Tavares considerou ainda que o adiamento das celebrações da Revolução dos Cravos desrespeita o próprio Papa Francisco que - recordou - "foi cidadão de um país que viveu em ditadura, (...) alguém que saberia do papel pioneiro do 25 de Abril". Fonte
Scolimus hispanicus
A exuberância das suas belas flores amarelas era o que dava nas vistas. As suas sépalas e pétalas, atrás e à frente, davam volume e magnitude ao deleite de quem olhava e via, quando a primavera estava de abalada e o verão teimava em impor-se, ocupando o seu lugar, entrando de mansinho, com os dias a estenderem-se, nas horas de que se fazem, na luz que os ilumina, intensa e límpida e o calor que prolongava as tardes, entrando pela noite, com passagem serena pelo ocaso.
Claro está que era o que doirava o cardo, numa simbiose perfeita de luz ou novo brilho do astro, temperatura e cor. E, pois então, florescia o cardo dourado, abrindo botões de par em par ao longo do caule ascendente ou dos muitos que se bifurcavam, enlaçavam, até dar nós. Nenhum destes detalhes escapou às gentes do povo, mestres da observação, lá, onde frequentemente se encontravam, na labuta, no fazer e no desfazer dos dias que, assim, assertivamente o batizou.
Cardo de oiro, ainda, quando o vivo e quase incandescente scolimus, para a ciência, marcava a paisagem, sobressaindo nela, quando tudo à sua volta completava o ciclo vegetativo, empardecendo. De frutos e sementes retardados era assim que assegurava a sua presença anual, regressando no início de cada primavera. Protegiam-se entre os restos que continuariam de picos afiados, atirando-se dolorosamente a quem, distraidamente, por eles passasse.
Então, embora na sua perenidade, já só compunham. E eram a confirmação de uma apanha sábia, movida pela necessidade, mas caprichosa na sustentabilidade. Sabia-se que só a mão humana os controlava sem dizimar. Outros tempos... sem mondas químicas que tudo barbeiam e fazem desaparecer lentamente.
Ainda em março, mas mais em abril, ia-se aos cardos ou tengarrilhas, como se dizia por onde andámos, como se ia aos espargos. Só os picos, logo à nascença nos demoviam. Uma meia, calçada nas mãos, de pouco servia. E ripá-los não era para todos. Requeria agilidade e perícia.
Mas a necessidade é mestra de engenhos e o gostinho especial que conferiam aos cozinhados onde entravam, compensava. E ali à mão, qual dádiva da natureza, com o seu incomparável sabor silvestre (diz quem já provou os criados em estufa).
Eram estes os cardos de uns bons grãos no tarro dos afamados cozinheiros de Herdade.
Ao alcance da mão eram a melhor "mistura" da época, dispensando o que havia na horta.
Com os grãos de molho da noite anterior e os molhinhos de cardos ripados, a que se dava uma diversidade de nomes, bem cedo se chegavam as enormes panelas de ferro ao incandescente braseiro da ampla chaminé da cozinha do Monte.
A ganharia e outro pessoal da lavoura bem precisavam de um jantar (já que à noite se ceava), para repor energias da dura jornada.
Lá chegava o jumento (ou os jumentos), pachorrentamente, com avantajados tarros, nas cangalhas, não fosse o manjar entornar, enquanto tomava o "sabor" do tarro.
Todos comiam do mesmo (ou dos mesmos). À falta de colher, que cada um se encarregava de ter consigo, servia uma côdea de marrocate - que até tornava a iguaria mais apetitosa!
(Hoje sinto mesmo o cheiro, o calor - principalmente humano e solidário - deste ambiente).
quarta-feira, 23 de abril de 2025
Dia Mundial do Livro
Leitura é fundamental para reduzir o stresse e melhorar a concentração, sublinha neurologista Antonio Donaire.
O chefe de Neurologia do Hospital CIMA Sanitas, de Barcelona, Espanha, considerou hoje que a leitura é uma ferramenta positiva na saúde mental das pessoas, sendo “fundamental” para reduzir o stresse, melhorar a concentração e a plasticidade cerebral.
O também diretor da Unidade de Epilepsia daquele hospital, Antonio Donaire, destacou, em declarações à agência Europa Press, que “um dos maiores benefícios da leitura é o seu impacto na plasticidade cerebral e na capacidade do cérebro de criar e fortalecer conexões neurais”.
“Ler é um exercício mental que potencializa o desenvolvimento de novas conexões neurais, contribuindo para uma maior agilidade cognitiva mesmo na idade adulta. Ao ler, exercitamos a nossa capacidade de abstração e análise, o que tem um efeito positivo na prevenção do declínio cognitivo”, explicou Antonio Donaire, em vésperas do Dia Mundial do Livro, que é comemorado na próxima quarta-feira.
A reforçar a sua tese, o especialista citou dados do Ministério da Cultura de Espanha, segundo os quais até 51,2% da população espanhola se considera leitora frequente, numa altura em que o consumo de conteúdos digitais está “a fragmentar” a capacidade de atenção, sendo os livros uma ferramenta que promove a concentração sustentada e a memória de trabalho.
A Europa Press refere também que um estudo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, mostrou que seis minutos de leitura foram suficientes para reduzir os níveis de stresse em 68% dos inquiridos.
Estas conclusões foram retiradas após comparar os parâmetros fisiológicos e psicológicos de uma série de voluntários antes e depois da leitura, o que coloca esta atividade como uma das mais eficazes para o relaxamento, acima até mesmo de ouvir música ou de caminhar.
“Dada a híper-conectividade gerada pelas media e o uso constante de dispositivos eletrónicos, a leitura oferece uma alternativa saudável que permite desconectar e reduzir a sobrecarga de informação, afirmou o especialista.
A escolha de um livro promove a atenção sustentada e melhora a memória de trabalho, “aspetos essenciais para manter o equilíbrio emocional e cognitivo”, afirmou também a psicóloga Silvia Mérida Expósito.
Em complemento, Antonio Donaire destacou que a leitura ajuda a reduzir os níveis de cortisol, conhecido como o neurónio do stresse, o que promove uma sensação de relaxamento e bem-estar.
O especialista salientou também que a leitura promove a autorregulação emocional, pois melhora a compreensão e a gestão das emoções próprias e dos outros, um “aspeto chave” num contexto de alta estimulação digital.
É por isso que os especialistas da Sanitas defenderam a necessidade de incentivar a leitura entre as crianças, garantindo um desenvolvimento cerebral positivo e consciente.
terça-feira, 22 de abril de 2025
Dia da Terra
“A cultura ecológica deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” Laudato Si, 111
Papa Francisco - doze anos de novos dinamismos e portas abertas
Papa Francisco foi o primeiro em muitas coisas. Primeiro Papa jesuíta, primeiro Papa originário da América Latina, primeiro a escolher o nome Francisco sem um numeral, primeiro a ser eleito com seu antecessor ainda vivo, primeiro a residir fora do Palácio Apostólico, primeiro a visitar terras nunca antes tocadas por um pontífice - do Iraque à Córsega -, primeiro a assinar uma Declaração de Fraternidade com uma das autoridades islâmicas mais importantes. Também foi o primeiro Papa a se equipar com um Conselho de Cardeais para governar a Igreja, a atribuir funções de responsabilidade a mulheres e leigos na Cúria, a lançar um Sínodo que envolvia diretamente o povo de Deus, a abolir o segredo pontifício para casos de abuso sexual e a remover a pena de morte do Catecismo. O primeiro também, a liderar a Igreja enquanto no mundo não há “a” guerra, mas muitas guerras, pequenas e grandes, travadas “em pedaços” nos diferentes continentes. Uma guerra que “é sempre uma derrota”, como repetiu nos mais de 300 apelos, mesmo quando sua voz falhava, e que ocuparam todos os últimos pronunciamentos públicos desde o início da violência na Ucrânia e no Oriente Médio.
Processos
Mas Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio, provavelmente não gostaria que o conceito de “primeiro” fosse associado ao seu pontificado, projetado nesses 12 anos não para atingir metas ou conquistar primados, mas para iniciar “processos”. Processos em andamento, processos concluídos ou distantes, processos que provavelmente são irreversíveis até mesmo para quem o sucederá no trono de Pedro. Ações que geram “novos dinamismos” na sociedade e na Igreja - como está escrito na road map do pontificado, a Evangelii Gaudium - sempre no horizonte do encontro, da troca, da colegialidade.
Do fim do mundo
“E agora iniciamos este caminho, Bispo e povo”, foram as primeiras palavras pronunciadas da Sacada Central da Basílica de São Pedro, no final da noite de 13 de março de 2013, para uma multidão que lotava a Praça São Pedro há um mês, sob os refletores após a renúncia de Bento XVI. Para aquela multidão, o recém-eleito Papa de 76 anos, escolhido por seus irmãos cardeais, originário “do fim do mundo”, pediu uma bênção. Com o povo, quis recitar uma Ave Maria, tropeçando em um italiano que até então não havia praticado assiduamente, dadas as raras visitas do pastor de Buenos Aires a Roma, pronto para fazer as malas imediatamente após o Conclave. E ao povo, no dia seguinte, ele quis prestar sua homenagem íntima, dirigindo-se à paróquia de Santa Ana no Vaticano e depois à Basílica de Santa Maria Maior, agradecendo à Salus Populi Romani, protetora de seu pontificado, a quem ele continuou a prestar homenagem em todos os momentos mais fortes. E exatamente nessa Basílica, Francisco expressou seu desejo de ser enterrado.
Pastor no meio do povo
A proximidade com o povo, um legado do ministério argentino, foi manifestada pelo Papa em todos os anos seguintes de várias maneiras: com visitas aos funcionários do Vaticano nos seus escritórios, com as Sextas-feiras da Misericórdia no Jubileu de 2016 em locais de marginalização e exclusão, com as celebrações da Quinta-feira Santa em prisões, asilos e centros de acolhida, com o longo tour em paróquias nos subúrbios romanos, com visitas e telefonemas surpresa. E manifestou essa proximidade em todas as viagens apostólicas, começando pela primeira ao Brasil em 2013, herdada de Bento XVI, da qual nos lembramos a imagem do papamóvel bloqueado no meio da multidão.
Primeiro Papa no Iraque
O Pontífice argentino completou quarenta e sete peregrinações internacionais, feitas com base em eventos, convites de autoridades, missões a serem realizadas ou algum “movimento” interno, como ele mesmo revelou no voo de volta do Iraque. Sim, exatamente o Iraque: três dias em março de 2021 entre Bagdá, Ur, Erbil, Mosul e Qaraqosh, terras e vilarejos com cicatrizes ainda evidentes da matriz terrorista, com sangue nas paredes e tendas de pessoas deslocadas ao longo das estradas, em meio à pandemia da Covid e preocupações gerais com a segurança. Uma viagem desaconselhada por muitos por causa da saúde e do risco de atentados; uma viagem desejada a todo custo. A “mais bela” viagem, como o próprio Francisco sempre confidenciou, o primeiro Papa a pisar na terra de Abraão, onde João Paulo II não conseguiu ir, e a conversar com o líder xiita Al-Sistani.
A Porta Santa em Bangui e a mais longa viagem ao Sudeste Asiático e à Oceania
Uma boa obstinação o levou ao Iraque, a mesma que em 2015 o levou a Bangui, a capital da República Centro-Africana ferida por uma guerra civil que, nos mesmos dias da visita, deixou mortos pelas ruas. No país africano, onde disse que queria ir mesmo ao custo de saltar “de paraquedas”, Francisco abriu a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia em uma cerimônia comovente que também marca o recorde de um Ano Santo aberto não em Roma, mas em uma das regiões mais pobres do mundo. Também pode ser descrito como uma boa obstinação a que animou sua decisão de empreender a viagem mais longa do pontificado em setembro de 2024, aos 87 anos: Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste, Cingapura. Quinze dias, dois continentes, quatro fusos horários, 32.814 km percorridos de avião. Quatro universos diferentes, cada um representando os principais temas do Magistério: fraternidade e diálogo inter-religioso, periferias e emergência climática, reconciliação e fé, riqueza e desenvolvimento a serviço da pobreza.
De Lampedusa a Juba
Não se pode esquecer, repercorrendo as viagens apostólicas e as visitas pastorais, a primeira viagem fora de Roma, à pequena ilha de Lampedusa, cenário de grandes tragédias migratórias, com a coroa de flores lançada no “cemitério a céu aberto” do Mediterrâneo. A denúncia também se repetiu na dupla viagem a Lesbos (2016 e 2021) nos contêineres e tendas de refugiados e pessoas deslocadas.
Na história do pontificado, ficaram marcadas também a viagem à Terra Santa (2014); à Suécia, em Lund (2016) para as celebrações do 500º aniversário da Reforma Luterana; ao Canadá (2022) com o pedido de perdão às populações indígenas pelos abusos sofridos por representantes da Igreja Católica. E, em seguida, na República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, em Juba (2023), esta última etapa compartilhada com o Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, e o Moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia, Ian Greenshields, para sublinhar a vontade ecumênica de curar as feridas de um povo. As mesmas que ele implorou que fossem curadas aos líderes sul-sudaneses, reunidos em 2019 para dois dias de retiro na Casa Santa Marta, concluídos com o gesto perturbador de beijar seus pés.
Também, Cuba e Estados Unidos (2015), uma viagem para selar o estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Um evento histórico para o qual Francisco passou meses, enviando cartas a Barack Obama e Raúl Castro, instando-os a “iniciar uma nova fase”. Foi o próprio Obama quem agradeceu publicamente ao Pontífice. Em Havana, houve também o encontro com o Patriarca Kirill e a assinatura de uma declaração conjunta para colocar em prática o “ecumenismo da caridade”, o compromisso dos cristãos para uma humanidade mais fraterna. Um compromisso que se tornou, anos depois, tragicamente atual e um tanto desconsiderado com a eclosão da guerra no coração da Europa.
Por último, mas não menos importante, entre as viagens, Abu Dhabi (2019) e o Documento sobre a Fraternidade Humana assinado em conjunto com o Grão Imame al-Tayeb, coroando o degelo com a universidade sunita de Al-Azhar que começou com um abraço na Casa Santa Marta e terminou com a assinatura de um texto que imediatamente se tornou a pedra angular do diálogo islâmico-cristão, também transposto para várias Constituições.
As encíclicas
As experiências, os diálogos e os gestos vividos nessas viagens fluíram para os documentos do pontificado. Quatro encíclicas: a primeira, Lumen Fidei, sobre o tema da fé, a quatro mãos com Bento XVI; depois, Laudato si', um grito para invocar uma “mudança de rumo” para a “casa comum”, em crise pelas mudanças climáticas e pela exploração excessiva, e para estimular ações para erradicar a miséria e para o acesso equitativo aos recursos do planeta. A terceira encíclica, a Fratelli Tutti, o eixo fundamental do Magistério, fruto do Documento de Abu Dhabi, profecia - antes da deflagração de novas guerras - da fraternidade como o único caminho para o futuro da humanidade. Por fim, a Dilexit Nos para repercorrer a tradição e a atualidade do pensamento “sobre o amor humano e divino do coração de Jesus” e lançar uma mensagem a um mundo que parece ter perdido seu coração.
Exortações Apostólicas e Motu Proprio
São sete exortações apostólicas: desde a já mencionada Evangelii Gaudium até C'est la confiance, para o 150º aniversário do nascimento de Teresa do Menino Jesus. Entre elas, as exortações pós-sinodais - Amoris Laetitia (Sínodo sobre a família), Christus Vivit (Sínodo sobre os jovens), Querida Amazonia (Sínodo para a Região Pan-Amazônica) -, Gaudete et Exsultate sobre o chamado à santidade no mundo contemporâneo, Laudate Deum, uma sequência ideal da Laudato si' para completar seu apelo para reagir pela Mãe Terra antes de um “ponto de ruptura”.
Foram emitidos cerca de 60 Motu Proprio para reconfigurar as estruturas da Cúria Romana e do território da Diocese de Roma, para alterar o Direito Canônico e o sistema judiciário do Vaticano, para emitir regras e procedimentos mais rigorosos na luta contra os abusos. Esse é o caso do Vos estis lux mundi, um documento que incorporou resultados, indicações e recomendações do Summit sobre a Proteção dos Menores, realizado no Vaticano, em fevereiro de 2019. Uma cúpula que representou o auge do trabalho para combater a pedofilia do clero e os abusos não só sexuais; uma expressão da disposição da Igreja de agir com verdade e transparência em uma atitude penitencial. Com o Vos estis lux mundi, Francisco estabeleceu novos procedimentos para a denúncia de assédios e violências e introduziu o conceito de accountability, ou seja, garantir que bispos e superiores religiosos prestem conta de suas ações.
Reforma da Cúria
Portanto, processos. Os processos de reformas foram uma constante no papado de Francisco, que não quis ignorar as recomendações dos cardeais nas congregações pré-conclave que pediam ao futuro novo Papa que reestruturasse a Cúria Romana e, em particular, as finanças do Vaticano, que durante anos estiveram no centro de escândalos. Logo após sua eleição, o Papa criou um Conselho de Cardeais, o C9 (que se tornou C6 e C8 ao longo dos anos, conforme os vários membros foram mudando), um pequeno “senado” para ajudá-lo a governar a Igreja universal e trabalhar na reforma da Cúria. Fusões de Dicastérios e outras mudanças de títulos e organogramas foram os sinais do work in progress; o passo final foi a Constituição Apostólica Praedicate evangelium: aguardada por anos, promulgada em 2022, sem aviso prévio ou preâmbulo, introduzindo novidades significativas. Entre elas, a instituição do novo Dicastério para a Evangelização, presidido diretamente pelo Pontífice, e o envolvimento dos leigos “em funções de governo e responsabilidade”. Nessa onda de mudanças, devem ser vistas as nomeações do primeiro prefeito leigo, Paolo Ruffini, para o Dicastério para a Comunicação, da primeira “prefeita” para o Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada, Irmã Simona Brambilla, e da primeira governadora da Cidade do Vaticano, Irmã Raffaella Petrini.
As Mulheres
As mulheres, outra vertente destes anos de Bergoglio no trono de Pedro, o Papa que, mais do que outros, confiou a figuras femininas papéis de responsabilidade, que criou duas comissões para o estudo das diaconisas, que nunca deixou de recordar o “génio” feminino e a dimensão materna da Igreja (que “é mulher” porque “é a Igreja, não o Igreja"). Além disso, colocou as mulheres lado a lado com cardeais e bispos nas mesas do último Sínodo sobre a Sinodalidade, irmãs, missionárias, professoras, especialistas, teólogas, às quais deu, pela primeira vez, o direito de voto.
Uma abertura, como tantas outras feitas por Francisco. Aberturas e não extirpações, nem saltos; para alguns muito rápidos, para outros cautelosos demais. De fato, também esses, processos. Como a concessão dos sacramentos aos divorciados recasados, na perspectiva da Eucaristia como “remédio” para os pecadores e não como “alimento para os perfeitos”; a acolhida às pessoas Lgbtq+ com o convite à proximidade pastoral, porque dentro da Igreja há espaço para “todos, todos, todos”; a obstinação em dialogar com representantes de outras denominações e religiões cristãs, após séculos de preconceitos e suspeitas, também em virtude do “ecumenismo do sangue”. Também, o olhar à China, com o Acordo Provisório para a Nomeação de Bispos, assinado em 2019 e renovado três vezes. Um sinal de diálogo, entre tropeços e retomadas, com um “povo nobre” que ele desejou visitar por todos esses anos. Um desejo que remonta às aspirações missionárias da juventude.
Missionariedade e sinodalidade
Missão, este também é um tema central. De fato, a “missionariedade”, é um convite recorrente em textos e homilias, assim como a “sinodalidade”, outro termo que ressoou tantas vezes nesses doze anos. O Papa dedicou nada menos que duas sessões do Sínodo (2023 e 2024) à “sinodalidade”, renovando a estrutura e o funcionamento da assembleia, percebendo a necessidade de começar o caminho sinodal “de baixo” e instituindo também dez grupos de estudo para aprofundar temas doutrinários, teológicos e pastorais após os trabalhos.
Pobres e migrantes
Neste pontificado serão lembrados também os axiomas que encapsularam inteiras realidades eclesiais, políticas e sociais: “Cultura do descarte”, “globalização da indiferença”, “Igreja pobre para os pobres”, “Igreja em saída”, “pastores com cheiro de ovelhas”, “ética global da solidariedade”. Permanecerá a atenção aos pobres com a instituição, em 2017, de um Dia dedicado a eles, sempre caracterizado pelo almoço do Papa na Sala Paulo VI, lado a lado com pessoas em situação de rua e sem-teto. Permanecerá o ensinamento sobre os migrantes, declinado nos quatro verbos “acolher, proteger, promover e integrar”, como indicações programáticas para enfrentar “uma das maiores tragédias deste século”. Assim como permanecerá o convite para elaborar “compromissos honrosos” como soluções para os conflitos que estão dilacerando a Europa, o Oriente Médio e a África.
Compromisso em prol da paz
Conflitos, angústia dos últimos anos, denunciados em apelos ressonantes e cartas a núncios e povos vítimas de violências, aliviados por meio de videochamadas - sobretudo a diária para a paróquia de Gaza - ou missões de cardeais e o envio de produtos de primeira necessidade. “Não pensei que seria um Papa em tempo de guerra”, confidenciou no primeiro e único podcast com a mídia do Vaticano no décimo aniversário de sua eleição.
A paz foi o objetivo constante. Pela paz, o Papa Francisco pediu continuamente orações, convocando Dias de jejum e oração - pela Síria, Líbano, Afeganistão, Terra Santa - envolvendo os fiéis de todas as latitudes; consagrou a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria em 2022; organizou momentos históricos, como o plantio de uma oliveira nos Jardins do Vaticano em 8 de junho de 2014 com os presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Palestina, Mahmoud Abbas. Em prol da paz, o Papa fez gestos inusitados, como entrar em seu carro e ir, no dia seguinte ao lançamento da primeira bomba em Kiev, ao escritório do embaixador russo na Santa Sé, Alexander Avdeev, tentando iniciar contatos com o presidente Putin e assegurando-lhe sua disposição de mediar. Francisco repreendeu várias vezes os chefes de Estado e de governo, advertiu os senhores da guerra de que eles prestarão contas diante de Deus pelas lágrimas derramadas entre os povos, estigmatizou o florescente mercado de armas lançando uma proposta para usar os gastos com armas para criar um Fundo Mundial para erradicar a fome. Pediu a construção de pontes e não a construção de muros, e insistiu em colocar o bem comum acima das estratégias militares, sendo às vezes mal interpretado e criticado.
Inovações
Em todos esses anos não faltaram críticas contra o Papa argentino, que comentou escaladas e os ventos contrários com aquele humor que é o que “mais se aproxima da graça de Deus”. Francisco questionou e surpreendeu, talvez tenha feito alguém torcer o nariz pela quebra de tabus e a ruptura de protocolos e velhos costumes, ou pela remodelação do próprio papado com roupas diferentes, uma residência diferente, uma inusual gestualidade, um estilo pastoral original. Ou aparecendo em transmissões ao vivo pela Internet e em programas de TV, usando a conta X @Pontifex, em 9 idiomas, ou como um canal para transmitir mensagens de divulgação e imediatismo necessários.
Momentos difíceis e problemas de saúde
Nesses anos sempre densos, com raríssimos momentos de descanso (e o cancelamento das tradicionais férias papais em Castel Gandolfo), não faltaram momentos difíceis, em meio a processos judiciais - liderados pelo longo e complexo processo pela gestão dos fundos da Santa Sé -, o caso Vatileaks 2, escândalos de abusos e corrupção e a publicação de livros sem “nobreza e humanidade”. Também não faltaram problemas de saúde entre as operações no Hospital Gemelli em 2021 e 2023, a internação no mesmo hospital, novamente em 2023, as complicações respiratórias, e depois os resfriados, as gripes e as dores no joelho que o forçaram a usar a cadeira de rodas nos últimos três anos.
Dados estatísticos
Tantas dificuldades que nunca impediram uma intensa atividade ou sua presença em eventos. Várias estatísticas testemunham isso: mais de 500 audiências gerais, dez Consistórios para a criação de 163 novos cardeais que restituíram caráter de universalidade ao rosto da Igreja; mais de 900 canonizações (incluindo três predecessores: João XXIII, João Paulo II, Paulo VI); os “Anos Especiais”, entre os quais os da Vida Consagrada (2015-2016), São José (2020-2021) e a Família (2021-2022); quatro Jornadas Mundiais da Juventude: Rio de Janeiro, Cracóvia, Panamá, Lisboa. Dois Jubileus: o extraordinário sobre a Misericórdia em 2016 e o ordinário em 2025, atualmente em andamento, com o tema “Peregrinos da Esperança”.
A Statio Orbis durante a pandemia da Covid
Jorge Mario Bergoglio foi um Papa que buscou a proximidade com o grande público também por meio de entrevistas, livros, prefácios, autobiografias. Um Papa do qual, talvez, mais do que as muitas palavras e escritos, será recordado com uma imagem: ele, sozinho, mancando, na chuva, no silêncio geral do lockdown e com o único som de fundo de uma ambulância, enquanto atravessa a Praça São Pedro no tempo suspenso da pandemia. Era a Statio Orbis de 27 de março de 2020, com o mundo fechado dentro de casa vendo em streaming um homem idoso que parecia carregar sobre os ombros todo o peso de uma tragédia que revirou cotidianidade e hábitos. A humanidade estava aflita, mas o Papa falou de esperança. E de fraternidade: “Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo todos chamados a remar juntos”.
Bolsonaro nunca esteve com o Papa
Bolsonaro e seu entorno detestavam o Papa Francisco, a quem xingavam de comunista. Nas redes sociais, os mais radicais pediam até mesmo a morte do Sumo Pontífice. Bolsonaro deixou claro seu asco ao Papa ao rejeitar se encontrar com ele nos quatro anos em que esteve à frente da destruição do Brasil. Grande, Francisco denunciava atmosfera de ódio no país e, aos seus detratores, que também odeiam os pobres, mandava que lessem Mateus 25: quem ataca aos pequeninos ataca a Deus. A estes, está reservado o tormento eterno, enquanto, aos justos, está garantida a vida eterna.
Pope Francis and the Sun
![]() |
Solar panels atop Pope Francis’ audience hall in the Vatican |
Just in case I thought one couldn’t feel more forlorn right now, the word came this morning of the death of Pope Francis. It hit me hard—not because I’m a Catholic (I’m a Methodist) but because I had always felt buoyed by his remarkable spirit. If he could bring new hope and energy to an institution as hidebound as the Vatican, there was reason for all of us to go on working on our own hidebound institutions—and if he could stand so completely in solidarity with the world’s poor and vulnerable, then it gave the rest of us something to aim for.
I thought this from the start, when he became the first pope to choose the name of Francis,—that countercultural blaze of possibility in a dark time—and when he showed his mastery of the art of gesture, washing the feet of women, of prisoners, of Muslim refugees. (Only Greta Thunberg, with her school strike, has so mastered the power of gesture in modern politics).
But he brought that moral resolve to the question of climate change, making it the subject of his 2015 encyclical Laudato Si, the most important document of his papacy and arguably the most important piece of writing so far this millennium. I spent several weeks living with that book-length epistle in order to write about it for the New York Review of Books, and though I briefly met the man himself in Rome, it is that encounter with his mind that really lives with me. Laudato Si is a truly remarkable document—yes, it exists as a response to the climate crisis (and it was absolutely crucial in the lead-up to the Paris climate talks, consolidating elite opinion behind the idea that some kind of deal was required). But it uses the climate crisis to talk in broad and powerful terms about modernity.
The ecological problems we face are not, in their origin, technological, says Francis. Instead, “a certain way of understanding human life and activity has gone awry, to the serious detriment of the world around us.” He is no Luddite (“who can deny the beauty of an aircraft or a skyscraper?”) but he insists that we have succumbed to a “technocratic paradigm,” which leads us to believe that “every increase in power means ‘an increase of “progress” itself’…as if reality, goodness and truth automatically flow from technological and economic power as such.” This paradigm “exalts the concept of a subject who, using logical and rational procedures, progressively approaches and gains control over an external object.” Men and women, he writes, have from the start intervened in nature, but for a long time this meant being in tune with and respecting the possibilities offered by the things themselves. It was a matter of receiving what nature itself allowed, as if from its own hand.
In our world, however, “human beings and material objects no longer extend a friendly hand to one another; the relationship has become confrontational.” With the great power that technology has afforded us, it’s become easy to accept the idea of infinite or unlimited growth, which proves so attractive to economists, financiers and experts in technology. It is based on the lie that there is an infinite supply of the earth’s goods, and this leads to the planet being squeezed dry beyond every limit.
The deterioration of the environment, he says, is just one sign of this “reductionism which affects every aspect of human and social life.”
I think Francis’s project for the earth—a recovery of fellow feeling, with a special attention to the poor—is the only thing that can save us over time. But it will take time—obviously for the moment we’ve chosen the opposite path, as exemplified by the fact that J.D. Vance, scourge of the refugee, darkened his last day on earth.
In the meantime, Francis was very much a pragmatist, and one advised by excellent scientists and engineers. As a result, he had a clear technological preference: the rapid spread of solar power everywhere. He favored it because it was clean, and because it was liberating—the best short-term hope of bringing power to those without it, and leaving that power in their hands, not the hands of some oligarch somewhere.
As a result, he followed up Laudato Si with a letter last summer, Fratello Sole, which reminds everyone that the climate crisis is powered by fossil fuel, and which goes on to say
There is a need to make a transition to a sustainable development model that reduces greenhouse gas emissions into the atmosphere, setting the goal of climate neutrality. Mankind has the technological means to deal with this environmental transformation and its pernicious ethical, social, economic and political consequences, and, among these, solar energy plays a key role.
As a result, he ordered the Vatican to begin construction of a field of solar panels on land it owned near Rome—an agrivoltaic project that would produce not just food but enough solar power to entirely power the city-state that is the Vatican. It is designed, in his words, to provide “the complete energy sustenance of Vatican City State.” That is to say, this will soon be the first nation powered entirely by the sun.
The level of emotion—of love—in this decision is notable. The pope named “Laudato Si” (“Praised be”) after the first two words of his namesake’s Canticle to the Sun, and Fratello Sole was even more closely tied—those are the words that the first Francis used to address Brother Sun. I reprint the opening of the Canticle here, in homage to both men, and to their sense of humble communion with the glorious world around us.
All praise be yours, my Lord, through all that you have made,
And first my lord Brother Sun,
Who brings the day; and light you give to us through him.
How beautiful is he, how radiant in all his splendor!
Of you, Most High, he bears the likeness.
The world is a poorer place this morning. But far richer for his having lived.
+Steve Chapple has an important interview with Ralph Keeling, whose father Dave set up the instrument on Mauna Loa that monitors co2 concentrations in the atmosphere. Ralph, on the faculty of Scripps Oceanographic, helps keep up that work, and also oversees a variety of other atmospheric monitoring projects. There’s no one alive better positioned to understand the risks that come with the slashing in government funding for climate science
I guess I'd also say that, you know, the US really has led in this in the past, and what's basically underpinned our prosperity and our stature in the world in the last few decades is the US investment in science in general and our investment in the climate, the science of climate and weather and environmental change puts us also in the forefront of understanding these things. So we have been leaders. We're a magnet for talent or have been and that's that's served us well.
+The cement industry puts a lot of carbon into the air. There are ways to fix that…all of which just got harder thanks to Trump.
The National Ready Mixed Concrete Association also got word earlier this year that it lost its EPA funding. The association was planning to use its $9.6 million grant to help concrete producers develop “environmental product declarations” so government agencies and other customers could identify which products have a low-carbon footprint.
The grant would have boosted demand for low-carbon products, Lemay said. But the Trump administration’s EPA canceled it along with 48 others.
“That just means that we're not going to have the benefit of the federal government accelerating our progress,” Lemay said. “That would have helped. Clearly.”
+We need something beautiful, and here it is. Listen to Bach’s Trio Sonata #5 for organ, set against 60 photos from astronauts Suni Williams and Butch Wilmore, who just returned from their extended stay on the ISS. Such thanks to the people at Earth Music Theater for this ongoing work—this is literally what we’re fighting for, folks.
segunda-feira, 21 de abril de 2025
Notícia triste da madrugada: Papa Francisco morre aos 88 anos
Primeiro pontífice latino-americano deixa legado de tolerância e diálogo. Promoveu reformas importantes, acolheu minorias e deu prioridade aos pobres.
O pontífice também ficou marcado por discursos políticos durantes sermões. Não poupou críticas a líderes de países em guerra, como o russo Vladimir Putin e o israelita Benjamin Netanyahu. Ele também apontou o dedo para a União Europeia ao citar a crise dos refugiados, que começou durante o seu papado, em 2015.
Numa das imagens mais impressionantes e sem precedentes na Igreja Católica, rezou sozinho na sempre lotada Praça São Pedro, no Vaticano, quando a Covid-19 se espalhou pelo mundo e fez vários países decretarem quarentena.
Mas o combate à pobreza sempre foi a sua prioridade. Ao ser apontado como o novo papa, ele escolheu o nome de seu novo título em homenagem a São Francisco de Assis, protetor dos pobres. O lema de seu papado foi "Miserando atque eligendo" — "Olhou-o com misericórdia e o escolheu", em português.
As reformas da Igreja Católica também foram outra marca do papado de Francisco. Ele iniciou um processo de reforma das estruturas da Cúria, que é o governo do Vaticano, com atenção especial para a parte económica e financeira.
A modernidade também levou Francisco a lidar com outros assuntos delicados para a Igreja, como os direitos LGBTQIA+ e o sexismo.
Ele foi elogiado por avanços como o de permitir bênçãos de padres a casais do mesmo sexo, colocar mulheres em cargos mais altos no Vaticano e permitir que elas votassem no Sínodo dos Bispos — a reunião em que os bispos debatem e decidem questões ideológicas e regimentos internos.
Mas também foi criticado por não avançar menos do que o esperado na questão feminina. Francisco terminou seu papado sem permitir sacerdotes do sexo feminino, reivindicação histórica de parte das católicas.
O papa defendia que apenas cristãos do sexo masculino poderiam ser ordenados para o sacerdócio, usando como base a premissa da Igreja Católica de que Jesus escolheu homens como apóstolos.
Em termos ecológicos, foi um Papa dinâmico e estimulou o movimento ambientalista global. Em 2015, lançou a encíclica Laudato si', um apelo a uma maior gestão ambiental que apelava a mudanças nos estilos de vida e nas políticas de combate às alterações climáticas.
DEP Papa Francisco, brincalhão, muito culto, de gestos e hábitos simples e que lutou para mudar a Igreja. Um excelente Papa!
Só temos de estar gratos pela sua passagem, a sua intervenção social e ecológica e o seu legado.
E há seres imortais, porque não se apagam da nossa memória.