quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crise terminal do capitalismo? por Leonardo Boff



Leonardo Boff* [Mercado Ético, 28/06/2011]



Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância. Estou consciente de que são poucos que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado. Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos. Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência. Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugal 12% no país e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia. Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas, mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade. As vítimas, entrelaças por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamente nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam. Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os “indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital. Os jovens espanhóis gritam: “não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumo sacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da superexploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ. 

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Muito obrigado pelas mensagens de parabéns




Só posso agradecer a todos - mesmo a todos - a vossa gentileza, simpatia, incentivo e tamanhas provas de consideração. Espero que gostem desta música e dancemos juntos! Muito obrigado.

Música: Orbital & Lisa Gerrard - One Perfect Sunrise (Phil Hartnoll Mix)

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em Peregrinação

Lisa Gerrard - I Asked For Love 



Prefiro a peregrinação Interior, com alguém que eu amo, a minha escolhida, o meu filho, os filhos dos outros, uma peregrinação pela Paz, pelo Amor, sem o foguetório e cerinhas e velas e santas e santos nem de mártires, nem kamikazes ou de (novas) cruzadas. Estou Em Peregrinação Pedindo Amor. Mesmo não preciso sair da Pátria. A mudança para a superação e elevação ética começa por vezes no saber livresco e  muitas vezes nos lugares mais internos e orgânicos: a dor, a felicidade, a entrega, a ira, a herança de valores, ensino-aprendizagem com os outros e com os seres vivos que vivem connosco.

domingo, 28 de agosto de 2011

Música do BioTerra: Sun Kil Moon - Gentle Moon

Gentle Moon
A Lua, astro gentil.
Apetece ouvir esta música uma e mais uma e sempre mais vezes.



Sun Kil Moon foi formada em 2002 pelo ex-líder dos Red House Painters Mark Kozelek. O grupo é composto pelo baterista e pintor Anthony Koutsos, o baterista Tim Mooney (da famosa American Music Club) e pelo baixista Geoff Stanfield (dos Black Lab), além de um trio de cordas do Conservatório de São Francisco.

Esta faixa, Gentle Moon, é do seu álbum "Ghost Of The Great Highway". Um álbum de tal beleza folk que é de tirar o fôlego do início ao fim e realmente destaca os incríveis vocais de Mark e a guitarra.


Gentle Moon

smile down on us sun, show your rays
when things come undone
all animals lead, us to light
when we can't see
stars, saturn and moon, glow for those
who cannot get through
rain fall and voice sound for those of whom
still are not found

gentle moon, find them soon
gentle moon, find them

black sky and black sea, lighten up
when we can't breathe
all dreams escape fire, over worlds
fly but won't tire
slow down on us wind, hold us still
when everything spins
all secrets and lies, let them out

dreams escape fire, they won't tire

gentle moon, find them soon

all calendars pass, days die off
and hope cannot last
but if love was like stone, then yours was mine
through to my bones
but how can we give back to those
with whom we can't live
when will the flame break
and spare the good people it takes

souls escape fire, they rise higher

Arte e Ciência: esculturas em vidro e microbiologia, por Luke Jerram


Documentação de uma escultura de vidro do HIV, sendo feita por Kim George, um soprador de vidro , projetado pelo artista Luke Jerram.

HIV / VIH
E.coli
Em Glass Microbiology além das esculturas, mostradas em vários ângulos, podemos aceder a informação científica destes microrganismos.

Todos os trabalhos de Luke Jerram no seu sítio oficial

sábado, 27 de agosto de 2011

Macaco: Moving, premiado pelo National Geographic- One Move For Just One Dream



Moving, all the people moving, one move for just one dream
We see moving, all the people moving, one move for just one dream

Tiempos de pequeños movimientos...movimientos en reacción
Una gota junto a otra hace oleajes, luago mares...océanos
Nunca una ley fue tan simple y clara: acción, reacción, repercusión
Murmullos se unen forman gritos, juntos somos evolución

Moving, all the people moving, one move for just one dream
We see moving, all the people moving, one move for just one dream

Escucha la llamada de "Mama Tierra", cuna de la creación
Su palabra es nuestra palabra, su "quejío" nuestra voz
Si en lo pequeño está la fuerza, si hacia lo simple anda la destreza
Volver al origen no es retroceder, quizás sea andar hacia el saber

Moving, all the people moving, one move for just one dream
We see moving, all the people moving, one move for just

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Documentário da Semana : "O Veneno está na mesa" por Silvio Tendler




O documentário denuncia a problemática causada pelos agrotóxicos, e faz parte de um conjunto de materiais elaborados pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Sinopse
O Brasil é o país do mundo que mais consome agrotóxicos: 5,2 litros/ano por habitante. Muitos desses herbicidas, fungicidas e pesticidas que consumimos estão proibidos em quase todo mundo pelo risco que representam à saúde pública. O perigo é tanto para os trabalhadores, que manipulam os venenos, quanto para os cidadãos, que consumem os produtos agrícolas. Só quem lucra são as transnacionais que fabricam os agrotóxicos. A idéia do filme é mostrar à população como estamos nos alimentando mal e perigosamente, por conta de um modelo agrário perverso, baseado no agronegócio.

Desenvolvimento (feito por Mercado Ético)
Realizado com o apoio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, o filme recupera as origens da revolução verde para apresentar a lógica insustentável do modelo agrícola que deu ao país esse título difícil de ostentar. Aqui o destaque vai para grandes multinacionais da química, que viram na agricultura o mercado perfeito para substituir o uso bélico do agente laranja, napalm e outros.
A atualidade urgente do tema é retratada a partir de um recorte de reportagens exibidas recentemente em emissoras nacionais e regionais de TV e de rádio. Do Rio Grande do Sul ao Ceará, passando pelo Mato Grosso e Espírito Santo, o que se vê é que o discurso das safras recordes ou da sustentação da balança comercial não mais dá conta de esconder seu lado nefasto. Os principais especialistas em saúde ambiental e toxicologia trazem casos e dados dos prejuízos causados por um modelo de agricultura que não cresce sem agrotóxicos, e que hoje, em claros sinais de saturação, usa mais agrotóxicos do que cresce. Contudo, está no ar uma nova investida de marketing que diz que é esse “o Brasil que cresce forte e saudável”.
Mas a agricultura orgânica não daria conta de alimentar a população, dizem. Se a agricultura orgânica for entendida como aquela em que se tira a química e pronto, isto é fato, conforme resume Ana Maria Primavesi, referência mundial em manejo ecológico dos solos. Porém, se o solo for vivo e alimentado para sustentar grande diversidade de organismos, este produzirá plantas saudáveis, em quantidade, ao mesmo tempo que dispensará os agrotóxicos. A conclusão de Primavesi, que também é produtora, é confirmada na prática pelo depoimento do agricultor do interior paulista que tira 15 toneladas de alimentos por ano de cada um dos 20 hectares que cultiva sem venenos e adubos químicos. Do Rio Grande do Sul vem o exemplo do produtor familiar que recriou sua própria semente de milho crioulo após ter perdido as variedades tradicionais que cultivava, substituídas pelas híbridas.
Esse caminho cada vez mais confirma sua viabilidade. Faltam agora as políticas certas que farão crescer a agricultura que vai tirar o veneno da mesa.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ética e Ecologia: perspectivas para uma discussão na actualidade



Por Gil A. Baptista Ferreira; Universidade da Beira Interior

Introdução
É ponto de partida para esta reflexão a emergência, na actualidade mediática, de uma ideologia ecológica, cujos principais pressupostos e tópicos radicam num pensar ético da contemporaneidade. Se já Paul Valéry dizia que o futuro não é o que era, o sentido deste enunciado, correctamente apropriado nos dias de hoje (nomeadamente pela publicidade), orienta em grande medida o pensamento da actualidade. Não podemos pois, ao pensar a cultura contemporânea que os media expressam, deixar de reconhecer plena actualidade ao ponto de vista de Valéry, num tempo em que a racionalidade de raiz iluminista parece viver o estado terminal, ou pelo menos se encontra a braços com transformações notórias.
Será numa linha paralela com a reavaliação dos projectos e impasses da Modernidade, assim como do estatuto do humanismo na contemporaneidade, que serão pensados os princípios éticos de uma ideologia ecológica. A nossa analise partirá de uma concepção ética recente, a que Hans Jonas (1903-1993) expõe no seu Princípio da Responsabilidade,(1) onde prescreve uma ética para a idade da técnica. Nela, como veremos, os mundos animal, vegetal e mineral, a biosfera ou a estratosfera passam a fazer já parte da esfera da responsabilidade, fundamentando uma disciplina como a ecologia, para onde convergiremos especialmente esta análise.
Contudo, ponto consequente nesta reflexão é um outro aspecto que imediatamente reclama alguma pertinência: até onde se pode alargar a esfera dos direitos com que a ecologia se identifica? E quem é o sujeito desses direitos? É esta a problemática que Luc Ferry aborda principalmente n’ A Nova ordem Ecológica(2), e que, de algum modo, concentra o que consideramos ser um interessante contendor de alguma da actual discussão científica sobre esta questão.
 
Tempos de optimismo
São pois inevitáveis como ponto de partida as reflexões éticas de Hans Jonas. Na sequência do choque causado pelas primeiras bombas nucleares, no final da II Guerra Mundial, desencadeou-se a ideia de que o abuso do nosso domínio sobre a natureza conduz à destruição daquilo que durante séculos fomos aprendendo a dominar. O sentimento do possível apocalipse gradual, decorrente do perigo crescente dos riscos do progresso técnico, levou este alemão de origem judaica a pensar quais as possibilidades de redefinir as condições de um pronunciamento ético.
A nossa era (tecnológica por excelência) assistiu a uma mudança qualitativa da natureza da acção humana. As éticas tradicionais, racionalistas e iluministas, formulavam normas para a acção humana, e por isso tinham uma base antropológica; isto é, assentavam numa prévia definição da natureza do agente humano. Antes do imperativo "tu deves" vinha sempre a premissa "tu és". A condição humana, deste modo determinada pela natureza do homem e pela natureza das coisas, era um dado intemporal e constante. E assim era a razão, que desde o Iluminismo se vinha afastando da fé, que se predispunha a estruturar a vida humana. Sobretudo com Kant, a verdadeira moral só a seria se originada na plena autonomia da vontade e do entendimento. Vivia-se então um período civilizacional e cultural de autoconfiança humana, em que o âmbito da acção do homem - e logo da sua responsabilidade - se encontrava bem definido, dentro dos limites da racionalidade do Homem.
Tudo o que tivesse a ver com o mundo não-humano, com o chamado reino da techne, era então eticamente neutro. O significado ético pertencia ao trato directo do homem com o homem, incluindo consigo próprio; e por isso podemos considerar tais éticas como antropocêntricas. Assim sendo, também a entidade homem era considerada constante em essência, e não objecto passível de ser remodelado pela techne. Por último, acrescente-se ainda que todas as acções eticamente julgáveis se encontravam na proximidade do sujeito, tanto física como temporalmente. O horizonte ético era composto por contemporâneos e o futuro confinava-se à duração previsível da vida do indivíduo.
Deste modo, podemos considerar as éticas tradicionais como orientadas para o aqui e agora, para o que os homens faziam nas situações recorrentes e típicas da vida do quotidiano. A conduta decente tinha regras e critérios imediatos para cada situação precisa; tudo o que fosse a longo prazo era deixado ao acaso, sem ser alvo de atenção especial. Acrescente-se que a intuição do valor intrínseco do agir não exigia necessariamente um conhecimento superior ao do senso comum. (3) Não era, para agir eticamente, necessário o conhecimento do especialista ou do sábio, mas antes um conhecimento disponível e evidente para todos.
Era essa uma ética que vinha definida desde os gregos - como ética da techne – e que se resumia à imutabilidade da ordem cósmica, pano de fundo originário da acção humana. Quedava-se no muito bem conhecido interior dos muros da polis, e pressupunha uma correspondente permanência e inalterabilidade da natureza humana. O bem ou mal de cada acção é aqui globalmente decidido no contexto em que é produzido, e a sua qualidade emana como um fulgor, visível a quantos o testemunhem. Assim, ninguém era responsável pelos efeitos posteriores involuntários de um acto bem intencionado e desempenhado. De modo que consideramos exemplar, Jonas diz dessa época como «o braço curto do poder humano não exigia um longo braço de conhecimento preditivo».(4)
 
O fim dos grandes discursos
Este período, contudo, a breve trecho foi sendo abalado. Com efeito, em meados do século XIX, pelo contributo (entre outros) de Marx, do darwinismo, de Nietzsche e depois Freud, assistiu-se ao começo de um certo declínio da tal discursividade de emancipação, que constituía o ponto fulcral do projecto iluminista. (5) Algumas circunstâncias históricas agudizaram o sentimento de precariedade das tradicionais hierarquias de valores; marcadas pelas transformações técnicas, novos elementos alteravam estilos de vida e concepções da realidade, anunciando o advento de uma profunda instabilidade axiológica.
Os ideais típicos, tradicionais, entre os quais surgia o progresso, a liberdade e a verdade, ideais fundados na razão optimista, foram sendo sujeitos a um desgaste progressivo, que terá atingido uma quase total erosão já no nosso século. As duas últimas guerras mundiais, mormente a segunda, com manifestações de selvático irracionalismo, contribuíram para se instalar a desilusão, geradora de um discurso de crise, incerteza e negatividade absoluta.
Também Hans Jonas considera que tudo então mudou decisivamente. A técnica moderna introduziu alterações de tão diferentes escala, objectos e consequências na nossa cultura que o quadro da ética anterior não pode já ser suficiente. Acompanhando o fim da proximidade e da contemporaneidade, as acções da era da técnica moderna, reunidas num conjunto magnânimo, são agora um conjunto novo, irreversível e cumulativo. Esbateu-se, por exemplo, a fronteira entre cidade e floresta: o homem age indiferentemente hoje numa ou noutra. A moderna intervenção tecnológica do homem alterou a biosfera, e alterou-a na sua anterior qualidade de pano de fundo seguro e perene condição de possibilidade da própria acção humana.
Em suma: o agente que agora age fá-lo em condições diversas do agente da ética anterior. E é assim que, se as antigas prescrições da ética antiga relativas ao comportamento com o semelhante em cada momento e situação são ainda válidas, o mesmo agente, agora num domínio de acção colectiva, detém já poderes desmedidos em que acção e efeito não são o que antes eram.
Por outro lado, a techne anterior aparecia como um meio instrumental ao serviço da realização dos fins humanos. Era «um tributo à necessidade»(6). Um meio como forma finita para satisfazer uma necessidade bem próxima e definida. Passamos contudo agora a uma técnica como meio ambiente que condiciona o próprio agir. «Um ímpeto infinito da espécie»,(7) sendo a técnica a verdadeira vocação do homem, num processo permanente e autotranscendente.
Vimos deste modo como ao longo deste século (que se apontava capacitado para realizar os apelos da Modernidade) se assistiu todavia à desorientação vital, fruto da ausência de um horizonte axiológico estável. Neste contexto, em que se tende a destruir o que resta da crença iluminista num progresso moral da Humanidade, verificamos como, também em acordo com o italiano Vattimo, o projecto iluminista está (apenas, considera este) ofendido pelas novas condições de vida forjadas pela civilização industrial e pelas megaestruturas da técnica, que acentuam as marcas de irracionalidade, massificação e acritismo evidentes na vida quotidiana contemporânea. (8)
Deste modo, o que importa é apontado noutro momento por Karl-Otto Apel: é «assumir uma responsabilidade moral face às consequências directas e indirectas da prática humana na época da planetarização da técnica industrial»(9). E, segundo Jonas, deste nosso agir com efeitos (desconhecidos, muitas vezes) a longo prazo advém então a urgência de uma «nova espécie de humildade», causa «do excesso do nosso poder de agir face ao nosso poder de prever e ao nosso poder de avaliar e ajuizar». Jonas conclui cautelosamente: «a ignorância das implicações últimas torna-se ela própria numa razão para que se faça uso de comedimento responsável – à falta da própria sabedoria».(10)
 
Fundamentos para uma ecologia
Na linha de pensamento que temos vindo a seguir e a propósito das alterações que a técnica moderna introduziu na acção humana, Hans Jonas propõe os fundamentos da chamada ideologia ecológica. Face à extrema vulnerabilidade da natureza à intervenção tecnológica do homem – insuspeitada antes de ter começado a revelar-se nos danos entretanto causados e ao choque que tal descoberta provocou, Jonas trouxe pois ao debate o conceito e a base da ciência que é a ecologia. E, o próprio facto de tal considerarmos, altera desde logo a própria concepção que temos de nós próprios como interventores causais na complexidade da vida. Vem mostrar que efectivamente a acção humana mudou, acrescentando ainda um objecto completamente diferente ao universo por que somos responsáveis - em virtude do nosso poder -: a biosfera do planeta.
Segundo Jonas, «varridas» a proximidade e a contemporaneidade com a respectiva contenção e sequências causa-efeito, surge agora um processo desconhecido em termos causais, e irreversível, que nos impõe novos deveres. E é assim que Jonas não receia, n’ O Princípio de Responsabilidade, advogar contra a tirania «utópica» da tecnociência com um não menos ditatorial conselho de sábios, o qual vigiaria em permanência todos cientistas que se arrogam conhecimento suficiente para decidir acerca do destino. Em nome da responsabilidade, coextensiva ao poder que temos sobre o que fica sob o nosso alcance (biosfera incluída), é requerida agora uma nova humildade – na falta do conhecimento sábio, que se faça então uso do comedimento.
Pretende-se com esta posição ser fiel a uma racionalidade vigilante, esforçadamente atenta às consequências das suas próprias convicções e logo empenhada num permanente sentido de responsabilidade crítica – uma posição, como vimos, presente também em Max Weber, e que na actualidade se revela pois, entre outros, em movimentos de orientação ecologista. A questão é de superior e ameaçadora pertinência, alerta Jonas: «em primeiro lugar, a Natureza foi neutralizada em termos de valor, em seguida é o próprio homem(11)». Como consequência, cabe agora à ética arrogar-se como tutela do crescimento técnico e do desenvolvimento científico, estabelecendo os seus inabaláveis limites. Deve a ética actual reflectir as aspirações do ser humano contemporâneo, mas opondo algumas resistências às transformações que consentem a degradação da sua liberdade. É esta a base do novo imperativo que Jonas propõe: deves agir «de tal maneira que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a preservação da vida humana autêntica»:(12)
De algum modo no mesmo sentido, afirma também Gianni Vattimo que «a técnica aparece como a causa de um processo generalizado de desumanização, que implica também o obscurecimento dos ideais humanistas da cultura, em proveito de uma formação do homem centralizada nas ciências e nas aptidões produtivas racionalmente dirigidas(13)». Partindo desta convicção, considera ainda a necessidade de um pensar forte e enérgico, e não um «pensiero debole», um pensar fraco. Urge uma intervenção ética apta a criticar dogmas dominantes, que construa o lugar de uma nova «poiesis existencial», isto é, de uma construção de novas formas de convivência humana mediante um «esforço de lucidez, que separe, sem equívoco, a liberdade da alienação»,(14) nas palavras de Georges Bastide. E nisto consistirá, em síntese, esta vocação ética proposta para a contemporaneidade.
 
A "deep ecology" e o abismo ecológico
Foi nesta linha que o francês Luc Ferry, atento pensador dos projectos e impasses da modernidade e também do estatuto do humanismo na contemporaneidade, definiu a nova ordem ecológica. Na obra com este mesmo nome atrás citada, Ferry expõe num primeiro momento os tópicos de uma certa ideologia ecológica para discutir depois, de forma cerrada, os seus principais pressupostos.
O questionamento que Ferry coloca é o seguinte: surgiu recentemente, segundo uma designação consagrada, um conceito de ecologia «profunda» que defende a plena integração dos mundos animal, vegetal e mineral na esfera do direito. Esta concepção encontrou na Europa partidários de destaque - o já referido Hans Jonas entre eles – e surge com especial fulgor sobretudo com Michel Serres e com o seu Le Contrat Naturel (1990), com o que havia recebido o prémio Medicis. Ora a questão que condensa a problemática que Ferry expôs na obra antes referida é a seguinte: «até onde» se pode alargar a esfera dos direitos com que a ecologia se identifica? E «quem é» o sujeito desses direitos?
Mas vejamos, é pois pelo confronto com a perspectiva de Michel Serres que surge a controvérsia entre Ferry e tal concepção, por Serres designada como «ecologia profunda». É que em acordo com esta nova temática ecológica, acusa Ferry que se pretende que o contracto social, a base da democracia ocidental, ceda «lugar a um "contracto natural", em cujo âmbito o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: já não é o homem, considerado como centro do mundo, que se deve, prioritariamente, proteger de si próprio, mas sim o cosmos enquanto tal que deve ser defendido contra os homens».(15)
O que Ferry procura sobretudo mostrar é que, com uma ordem ecológica regulada pelas ambições de uma «deep ecology» se desenvolvem outros pressupostos que convém destacar (urgentemente!): é que há nela uma crítica radical e violenta em relação a toda a tradição ocidental, num anti-humanismo imposto pelo valor da natureza, tudo em eficaz combinação com uma cega hostilidade à técnica. Ou seja, Ferry dá conta de como a atenção às consequências directas e indirectas da técnica pode ceder espaço a um fundamentalismo romântico contra a mesma técnica.
Com Serres e a «deep ecology», afirma Ferry, desenhara-se um novo ideal que na sua composição misturara elementos de ordem utópica com outros procedentes da mais cândida nostalgia por uma certa forma de ser «antimoderno», em permanente atrito com a contemporaneidade. Por outras palavras, «o ideal da ecologia profunda seria um mundo onde as épocas perdidas e os horizontes longínquos teriam precedência sobre o presente. Não é pois por acaso que ela hesita entre os motivos românticos da revolução conservadora e os "progressistas" da revolução anticapitalista (16)
Para a presente reflexão, o trabalho de Ferry tem como aspecto de especial interesse algumas das interrogações de fundo que coloca. E nomeadamente a primeira: saber como é que a natureza pode ser um sujeito de direito uma vez que, manifestamente, ela não é um agente capaz da reciprocidade que sempre exige a ordem jurídica. O fundamentalismo ecológico passa ao lado do (incontornável) facto de que «é sempre para os homens que o direito existe, é para eles que a árvore ou a baleia se podem tornar objectos de uma forma de respeito, reconhecida pelas legislações, não o inverso».(17)
Ferry acusa ainda o recurso no debate actual a algum vitalismo exagerado e generalizado, que torna depois possível ou plausível afirmações como a de que «a biosfera dá vida tanto ao vírus da sida como ao bebé foca, à peste e à cólera como à floresta e ao ribeiro. Mas a questão que de imediato ocorre também é igualmente clara e evidente: «poderá, com seriedade, dizer-se que o HIV é sujeito de direito ao mesmo título que o homem (18)
 
Conclusão
Uma ideia ocorre como óbvia, desde já: com A Nova Ordem Ecológica questionamos alguns dos principais tópicos e pressupostos da ideologia ecológica. O balanço de tal questionamento será sempre, decerto, positivo: cremos que pela colocação destas questões convergiremos para uma permanente avaliação crítica, a única que poderá proteger e defender a humanidade de novos abismos que, pelas mãos de ortodoxias insólitas, se poderão encontrar cada vez mais próximos.
Verificamos, sem dúvida, que a contemporaneidade significa um desafio à ética. Não só porque damos conta da extinção de alguns ideais morais da Modernidade, mas também porque se levanta agora a questão de saber (com o natural cepticismo) qual a situação e o valor da ética em dias de inegável perfil tecno-científico. Tudo se resume à seguinte questão: o que pode a ética num mundo onde o avanço implacável do niilismo se opõe à legitimação dos ideais morais dos «grands récits» de legitimação ? Se a formulação do problema é complexa, tentativas de solução não se afiguram fáceis. O desafio tende a persistir: se, por um lado, assumir a incerteza é uma desesperada mas lúcida atitude, por outro lado há que atentar nos movimentos de cariz contra-cultura, conservadores e de formas cada vez mais totalitárias, ostentadores de uma hostilidade cega à técnica misturada com intensificado e neurótico medo.
  

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pegada ecológica das carnes muito superiores às dos vegetais

Food derived from methane-generating ruminant animals such as sheep and cows has the highest level of greenhouse gas emissions, according to research published in the US.

The research, commissioned by the Environmental Working Group (EWG) , was based on emissions from everything from the fertilisers used to grow animal feed to the processing and cooking of the final product.

Lamb had the largest impact, with 39kg of carbon dioxide equivalent [where emissions were another gas such as methane they were converted to equivalent CO2] produced for every kg of final product - about 50 per cent more than beef, the next highest. Cheese came third-highest, mainly due to extra emissions produced through the high quanties of milk required to make it.

The higher emissions for lamb over beef, based on analysis of US lamb production systems, was due to lambs producing less meat in relation to live weight than cows.

Farmed salmon (analysis from Canada, Chile and Norway) was also rated highly because of the emissions generated by producing fishmeal. The researchers also found consumers throw away a lot of what they buy meaning additional salmon is produced for every kg eaten.

More than 90 per cent of beef's emissions, 69 per cent of pork's and 72 per cent of farmed salmon's emissions came in the production phase. For beef and dairy this was largely from methane emissions from digestion and manure but also the high emissions produced by growing animal feed.

Grain production, in particular, requires large amounts of fertiliser, pesticides, water and fuel to harvest - all of which add to the overall emissions of livestock fattened up on it.

By contrast, chickens generate no methane and far fewer emissions during production - with significantly less feed needed to produce the same amount of meat. However, there are animal health and welfare concerns about intensive chicken production.

Although the figures are from analysis done in the US, they are broadly in line with similar studies commissioned by Defra in the UK.

The analysis did not make comparisons of conventional animal production versus organic.  It said slow-reared animals would produce more methane and nitrous oxide emissions, both of which are powerful greenhouse gases.

However, as well as the many other environmental benefits of organic, it said these higher emissions could be offset by lower use of fertilisers and grain-based animal feed.

While not intended to be a completely accurate assessment of the environmental footprint of different types of food, the researchers say it does provide a benchmark for comparing our daily food choices.

'By eating and wasting less meat (especially red and processed meat) and cheese, you can simultaneously improve your health and reduce the climate and environmental impact of food production,' it concludes. 

Links úteis
 Meat Eaters Guide: Report 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A vida selvagem está a responder às alterações mais rápido do que se pensava

Legenda: "É um bocado assustadora, esta tecnologia sem fios."
Plants and animals are responding up to three times faster to climate change than previously estimated, as wildlife shifts to cooler altitudes and latitudes, researchers said on Thursday.

Reuters
By Deborah Zabarenko, Environment Correspondent


  
WASHINGTON (Reuters) - Plants and animals are responding up to three times faster to climate change than previously estimated, as wildlife shifts to cooler altitudes and latitudes, researchers said on Thursday.
Scientists have reported this decade on individual species that moved toward the poles or uphill as their traditional habitats shifted due to global warming, but this study analyzed data on over 2,000 species to get a more comprehensive picture.
In this analysis, researchers found that on average, wildlife moved to higher elevations at the rate of about 40 feet per decade.
They are moving toward the poles at an average rate of 10.31 miles a decade, scientists reported in the journal Science.
The altitude shift is twice what scientists had estimated as recently as 2003, according to Chris Thomas, a professor of conservation biology at the University of York in Britain, and the leader of the project.
The average latitude shift is triple earlier estimates, Thomas said in a telephone interview. But he noted that not all species move toward the poles as quickly as that, some don't move much at all and others actually move slightly toward the Equator, depending on what they need most to survive.
What became clear in this study, Thomas and the other authors said, was that species moved furthest in places where the climate warmed most, an unambiguous link to climate change over the last 40 years.

BUTTERFLIES AND MOTHS
The key finding, Thomas said, was the "huge diversity of responses" observed in different plants and different locations.
"Because each species is affected by different things ... when the climate changes, they will have different availabilities of new habitat that they might be able to move into," he said.
Not every animal or plant shifts to a cooler place when its habitat heats up, because of pressure from other factors like rainfall, human development and habitat loss.
For example, a British butterfly, the high brown fritillary butterfly, might have been expected to move northward if the only factor affecting it was climate warming. Instead, the species declined because its habitats were lost, the researchers reported.
But the comma butterfly was able to make the leap from central England to Edinburgh, a distance of about 137 miles, in two decades.
In Borneo, moths shifted 220 feet upward on Mount Kinabalu, the study found. This area has been protected for more than 40 years, so habitat destruction was not a factor in the move, Thomas said.
Because of different species diverse reactions, he said, "it's very hard to predict what an individual species is going to do ... and that means that if you want to manage the world in some way, save species or whatever, unfortunately it looks as though a lot of detailed information is going to be required ... in order to take practical action."
(Editing by Cynthia Osterman)

Comentário: e nós teimamos em não responder às alterações climáticas e nem sequer assumir de vez mea culpa por estas adaptações demonstram....

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

História maldita de Portugal- liberdade não é um negócio

Gosto...gosto imenso...faço esta LIBERDADE, mas falta os outros, que fazem dela um negócio - os sonsos, que sempre tivemos, mas hoje eles estão aí, são ainda mais poderosos e fazem roubo legalizado - que raio de mundo português - REVOLUÇÃO.



Da fornalha de meninos bonitos que Mario Soares "criou" nasceu o PM José de Sousa (comercialmente conhecido como José Sócrates) mais arrogante e liberal que há memória em Portugal. Se este texto é de 2008 (que eu publiquei aqui), Mário Soares contradiz-se quando tem à sua direita Sócrates que foi incapaz de combater os incêndios, que levou a QRENar e a PINar o País e teve a linda ideia do Allgarve, levando essa ideia quase até ALLPortugal a golfes e roteiros de vinhos gourmet, enquanto o resto do povinho a "curtir" Pesos-Pesados e novelas e muito fadinho com umas festas populares. Agora mais modernizadas tipo Nike, Adidas, Redbull...e chego a pensar que estou nos States. 

domingo, 21 de agosto de 2011

O Dueto das Flores, por Lakmé- com interpretações magníficas de Erika Miklosa (Lakmé) Bernadett Wiedemann (Mallika)

No estúdio, mas agora um utilizador do youtube fez uma fotocomposição com bonitas flores!


Poema Sous le dôme épais
Lakmé
Viens, Mallika, les lianes en fleurs
Jettent déjà leur ombre
Sur le ruisseau sacré qui coule,
Calme et sombre,
Eveillé par le chant des oiseaux tapageurs!

Mallika
Oh! maîtresse,
C'est l'heure ou je te vois sourire,
L'heure bénie où je puis lire
Dans le coeur toujours fermé de lakmé!

Lakmé
Dôme épais le jasmin,
A la rose s'assemble,
Rive en fleurs frais matin,
Nous appellent ensemble.
Ah! glissons en suivant
le courant fuyant:
Dans l'onde frémissante,
D'une main nonchalante,
Gagnons le bord,
Où l'oiseau chante,
L'oiseau, l'oiseau chante.
Dôme épais, blanc jasmin,
Nous appellent ensemble!

Mallika
Sous le dôme épais, où le blanc jasmin
A la rose s'assemble,
Sur la rive en fleurs riant au matin,
Viens, descendons ensemble.
Doucement glissons
De son flot charmant
Suivons le courant fuyant:
Dans l'onde frémissante,
D'une main nonchalante,
Viens, gagnons le bord,
Où la source dort
Et l'oiseau, l'oiseau chante.
Sous le dôme épais,
Sous le blanc jasmin,
Ah! descendons ensemble!

Lakmé
Mais, je ne sais quelle crainte subite,
S'empare de moi,
Quand mon père va seul
À leur ville maudite;
Je tremble, je tremble d'effroi!

Mallika
Pourquoi le dieu ganeça le protège,
Jusqu'à l'étang où s'ébattent joyeux
Les cygnes aux ailes de neige,
Allons cueillir les lotus bleus.

Lakmé
Oui, près des cygnes
Aux ailles de neige,
Allons cueillir les lotus bleus.

Lakmé
Dôme épais le jasmin,
A la rose s'assemble,
Rive en fleurs frais matin,
Nous appellent ensemble.
Ah! glissons en suivant
Le courant fuyant:
Dans l'onde frémissante,
D'une main nonchalante,
Gagnons le bord,
Où l'oiseau chante,
L'oiseau, l'oiseau chante.
Dôme épais, blanc jasmin,
Nous appellent ensemble!

Mallika
Sous le dôme épais, où le blanc jasmin
A la rose s'assemble,
Sur la rive en fleurs riant au matin,
Viens, descendons ensemble.
Doucement glissons
De son flot charmant
Suivons le courant fuyant:
Dans l'onde frémissante,
D'une main nonchalante,
Viens, gagnons le bord,
Où la source dort
Et l'oiseau, l'oiseau chante.
Sous le dôme épais,
Sous le blanc jasmin,
Ah! descendons ensemble!

Lakmé & Mallika
Ah! ah! ah!
Ah! ah! ah!

sábado, 6 de agosto de 2011

De Nagasaki a Fukushima: o legado nuclear do Japão, por Amy Goodman

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"Fat Man", bomba atómica lançada sobre Nagasaki em 9 de agosto de 1945 - Foto wikimedia

Os níveis de radiação nos reactores nucleares de Fukushima, no Japão, aumentaram nas últimas semanas, alcançando patamares de até 10.000 milisieverts (mSv) por hora no mesmo lugar. Este foi o nível máximo informado pela Companhia Eléctrica de Tóquio, a TECO, desprestigiada empresa proprietária da central nuclear, embora caiba dizer que esse número é o máximo que o Contador Geisel possa medir. Em outras palavras, os níveis de radiação literalmente ultrapassam todas as medições. A exposição a 10.000 milisieverts durante um curto período de tempo tem consequências fatais: provoca a morte em apenas semanas (a título de comparação, a radiação total de uma radiografia dental é de 0,005 mSV e a de uma tomografia computadorizada do cérebro é de 5). O jornal The New York Times informou que, após o desastre, funcionários do governo japonês ocultaram os prognósticos oficiais sobre para onde se dirigia a chuva radioactiva devido ao vento e ao clima para evitar o caro deslocamento de centenas de milhares de habitantes.


“O segredo, uma vez aceite, converte-se em vício”. Essas palavras bem que podiam descrever a manobra realizada pelo governo japonês diante da catástrofe nuclear. A fala pertence ao cientista atómico Edward Teller, um dos principais responsáveis pela criação das duas primeiras bombas atómicas. A bomba de urânio conhecida por “Little Boy” foi lançada no dia 06 de agosto de 1945 sobre a cidade de Hiroshima, Japão.
Três dias mais tarde foi lançada a segunda bomba, desta vez de plutónio e denominada “Fat Man”, sobre a cidade de Nagasaki. Cerca de 250 mil pessoas morreram por causa das explosões e dos efeitos imediatos. Ninguém sabe exactamente a quantidade de pessoas que morreram ou padeceram de enfermidades nos anos seguintes em virtude das explosões, que vão desde as dolorosas queimaduras, que sofreram milhares de sobreviventes, até os efeitos tardios como doenças provocadas pela radiação e câncer.


A história dos bombardeios em Hiroshima e Nagasaki é em si mesma a história da censura e da propaganda militar estadunidense. Além das filmagens que foram ocultadas, as forças armadas impediram o acesso de jornalistas às zonas de explosões. Quando o jornalista vencedor do Prémio Pulitzer George Weller conseguiu chegar a Nagasaki, seu artigo foi pessoalmente censurado pelo General Douglas MacArthur. O jornalista australiano Wildred Burchett conseguiu entrar em Hiroshima pouco depois das explosões e dali mesmo escreveu sua famosa “advertência ao mundo”, na qual descreveu a propagação massiva das enfermidades como uma “praga atómica”. Mas as forças armadas estadunidenses disseminaram sua própria praga. Acontece que William Laurence, jornalista do New York Times, também era empregado do Departamento de Guerra. Laurence informou precisamente a posição do governo estadunidense, insistindo que os “japoneses descreviam ‘sintomas’ que não pareciam verdadeiros”. Lamentavelmente, ganhou o Prémio Pulitzer por sua propaganda.


Greg Mitchell escreveu sobre a história e as sequelas de Hiroshima e Nagasaki durante décadas. Neste novo aniversário do bombardeio à Nagasaki, perguntei-o sobre seu mais recente livro “Dissimulação atómica: Dois soldados estadunidenses, Hiroshima e Nagasaki, e o melhor filme jamais rodado”.


“Parece que tudo que é tocado pelas armas nucleares ou pela energia nuclear provoca ocultação e perigo para o público”. Mitchell disse que durante anos buscou imagens filmadas pelas forças armadas estadunidenses nos meses posteriores ao lançamento das bombas; rastreou os envelhecidos produtores cinematográficos e, apesar de décadas de classificação de documentos por parte do governo, foi um dos jornalistas que publicizou os incríveis arquivos cinematográficos em cor. Como parte do Relatório sobre Bombardeios Estratégicos dos Estados Unidos, as equipes de filmagem documentaram não só a devastação das cidades, como também realizaram um documentação clínica com tomadas das graves queimaduras e as feridas degenerativas sofridas por civis, entre eles crianças.


Numa cena, vê-se um homem jovem com feridas em carne viva por todas as suas costas, enquanto recebe tratamento. Apesar das graves queimaduras e de ter sido realmente tratado apenas meses mais tarde, o homem sobreviveu.


Sumiteru Taniguchi, que agora tem 82 anos de idade, é director do Conselho de Pessoas Afectadas pela Bomba Atómica de Nagasaki. Mitchell reproduziu comentários recentes de Taniguchi num jornal japonês que relacionam à bomba atómica ao actual desastre de Fukushima:


O senhor de idade foi citado dizendo: “A energia nuclear e o ser humano não podem coexistir. Nós, os sobreviventes da bomba atómica, sempre o dissemos. E, no entanto, o uso da energia nuclear foi disfarçado de ‘pacífico’ e continuou avançando. Nunca se sabe quando haverá um desastre natural. Não é possível dizer que nunca haverá um acidente nuclear”.


Neste doloroso encontro de novos e velhos desastres, deveríamos escutar as vítimas sobreviventes de ambas as catástrofes.