O 1143 é um grupo neo-nazi, formado em 2003 no seio da Juventude Leonina e liderado por
Mário Machado, que tomou contacto com as ideologias de extrema-direita ao frequentar os jogos com a claque, com 13 anos. Na altura, era composto por skinheads, na sua maioria jovens com menos de 30 anos, e estava intimamente ligado aos Hammerskins, o grupo de extrema-direita mais violento das últimas décadas em Portugal.
Apesar de ter nascido no seio da claque verde e branca, o 1143 isolava-se em relação aos restantes membros da Juventude Leonina. Este isolamento, a par com os ataques racistas cometidos contra adeptos da própria equipa de futebol, acabou por levar à separação da claque logo em fevereiro de 2003.
Conhecido pela violência durante os jogos, ataques racistas indiscriminados e o uso de símbolos nazis – como a suástica, a cruz celta ou as runas SS, usadas pela polícia paramilitar política nazi –, serviu como ferramenta de recrutamento para os Hammerskins. Historicamente, o 1143 faz parte de uma rede alargada de organizações de extrema-direita em Portugal, cujo ponto de contacto é Mário Machado.
Entre estas organizações contam-se o PNR – que entretanto mudou o nome para Ergue-te e de que Mário Machado foi um destacado dirigente –, a Frente Nacional, a banda de rock Ódio, o Fórum Nacional ou a Nova Ordem Social, fundados por Mário Machado.
O longo sono do 1143
Em 2015, lia-se nas redes sociais afetas aos verdes e brancos que o 1143 estava “morto”, os seus membros “casados ou reformados”. Outros defendiam que estava apenas “adormecido”, devido à saída de Mário Machado, em 2014, e às detenções de cerca de 20 membros dos Hammerskins, em 2016.
O grupo parece ter acordado, no final do ano passado, desse longo sono, reorganizado como movimento político anti-muçulmano. Mário Machado reformulou a organização que fundou há 20 anos, que agora se dedica a perseguir minorias, ataca os símbolos do progressismo em Portugal e organiza manifestações contra muçulmanos e imigrantes.
Apesar de não ser explícita a ligação aos Hammerskins, continua a usar os seus símbolos, slogans e estética. O grupo continua a usar a referência à fundação de Portugal no nome – 1143, ano da assinatura do Tratado de Zamora, em que Portugal se tornou independente de Espanha – e o slogan “Orgulhosamente Sós” utilizado pelos ultras do futebol.
A estreita ligação entre o 1143 e os Hammerskins foi sendo descoberta pelas autoridades, nomeadamente através de buscas e operações policiais realizadas ao longo dos anos. Documentos judiciais obtidos pelo Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo, relacionados com uma rusga aos Hammerskins, em 2016, demonstram que foram apreendidos vários objetos do 1143, como um taco de basebol de madeira com ponta de chumbo e a inscrição “grupo 1143”.
A política e as ruas como base de apoio
Com esta refundação levada a cabo por Mário Machado, em 2014, depois de ter saído da prisão, o 1143 alargou-se além das bancadas dos estádios de futebol e procurou diversificar a sua base de apoio nas ruas, fora dos tradicionais círculos neo-nazis e da extrema-direita. Se, anteriormente, era composto quase exclusivamente por jovens homens brancos, o grupo conseguiu atrair uma pequena percentagem de mulheres.
Entre os apoiantes do 1143 contam-se os habituais adeptos de grupos neofascistas, como skinheads, nazis de estilo casual e promotores regulares de conteúdos neo-nazis nas redes sociais como o X, que viu um aumento do discurso de ódio desde que Elon Musk comprou o então Twitter. Os números 1143 e 88 – respetivamente ligados à fundação de Portugal e ao Adolf Hitler – estão bem representados nos nomes de vários utilizadores ligados ao grupo.
Com membros e apoiantes em várias cidades, entre elas Lisboa, Porto, Évora, Braga, Guimarães, Évora e Santarém, o 1143 é responsável pela organização de várias ações de rua racistas e xenófobas, como a inscrição nas paredes com símbolos do 1143, bandeiras LGBTQ+ rasgadas e o assédio a minorias em todo o país. Várias dessas inscrições incluem símbolos tradicionais da extrema-direita, como o slogan “Portugal aos Portugueses” ou a cruz celta neonazi.
Foi também à política que o 1143 foi buscar apoiantes. A sua ligação ao PNR é antiga. Depois do desaparecimento da Frente Nacional – que fundou, em 2004, como movimento nacionalista de participação política, adotando o mesmo nome do partido francês liderado por Jean-Marie Le Pen, em França, entretanto rebatizado União Nacional, sob liderança da filha, Marine Le Pen; do partido político que teve uma breve existência em 1980; e da organização defensora do Estado Novo, fundada em 1959 –, juntou-se ao PNR, em 2005, levando consigo elementos da Frente Nacional.
A relação de Mário Machado com
José Pinto Coelho é antiga. “Sou amigo do Mário, é um excelente nacionalista. Aprovo todos os tipos de nacionalismo, de toda a gente que ama a sua pátria. O Mário foi a face mais visível da fase impulsionadora do nacionalismo”, dizia o presidente do PNR, a 14 de abril de 2007, em entrevista ao Sol.
A sua influência dentro do partido liderado por José Pinto Coelho está documentada em escutas telefónicas ao militante da extrema-direita, em que este terá dado “instruções ao presidente” sobre a “estrutura orgânica, intervenções e iniciativas partidárias”. Fontes ligadas à investigação asseguraram ao Correio da Manhã que as conversas gravadas “não deixam dúvidas. Há instruções ao nível de intervenções públicas, iniciativas do partido e até distribuição de cargos dentro do PNR”.
No entanto, com o eclipse do PNR, motivado pelo aparecimento e crescimento do Chega – que, segundo os especialistas, teve um efeito de eucalipto político para a fação nacionalista portuguesa – e diferendos entre Mário Machado e José Pinto Coelho sobre o rumo a seguir pelo partido, levou a que o 1143 se aproximasse do partido fundado em 2019 por André Ventura. Vários ativistas do partido, que estiveram presentes em convenções partidárias, costumam partilhar conteúdos do 1143 nas redes sociais.
O Projeto Global Contra o Ódio e o Extremismo garante que “vários membros do Chega, antigos e atuais, fazem parte do movimento”, entre eles Rui Roque, proponente da polémica moção para a remoção do útero de qualquer pessoas que realize um aborto.
Manifestação e contra-manifestação
A 18 de junho de 2005, Mário Machado foi um dos organizadores daquela que foi na altura considerada “a maior manifestação xenófoba de sempre”, precisamente entre o Martim Moniz e o Rossio. O encontro foi convocado pela Frente Nacional e tinha como objetivo combater a “criminalidade crescente”, a par de vários apelos ao repatriamento de imigrantes.
A manifestação surgiu depois de conhecidas notícias que davam conta de um arrastão na praia de Carcavelos. As imagens transmitidas mostravam jovens negros a correr pela praia, o que provocou uma reação da Frente Nacional e do PNR, que aproveitaram a ocasião para convocar a manifestação para a semana seguinte. Associaram-se ao evento várias organizações de extrema-direita, como a Causa Identitária, o que motivou protestos d’Os Verdes, Frente Anti-Racista, Renovação Comunista, CDS e do bispo das Forças Armadas.
“Queremos dizer aos portugueses que existem brancos que têm muito orgulho em ser brancos e estão aqui para atender aos interesses dos portugueses. Porque nós somos portugueses há 850 anos. Não somos portugueses há 30. (…) Eles não podem pensar que vêm aqui fazer o que querem. Isto é nosso”, afirmou na altura Mário Machado à reportagem da SIC.
Juntaram-se entre 300 a 500 manifestantes, número inédito em manifestações de extrema-direita desde 1970, com cabeças rapadas, cruzes suásticas tatuadas e saudações nazis, enquanto entoavam o hino nacional e empunhavam bandeiras nacionais e do PNR e cartazes e faixas com frases como “Isto é nosso”, “Não existem direitos iguais quando és um alvo por seres branco” e “Imigrantes igual a crime”.
Nesse dia, à chegada ao Rossio, registaram-se momentos tensos entre os manifestantes e alguns populares, que gritaram palavras de ordem como “Fascistas!” e “25 de abril sempre!”. A atuação do Corpo de Intervenção da PSP e agentes com cães impediram que a situação escalasse para a violência.
Quem é Mário Machado
Nascido em 1977, é considerado um dos nomes mais conhecidos e o mais influente ativista da extrema-direita em Portugal. Desde cedo que esteve ligado a diversas organizações da extrema-direita, como os Hammerskins, o Movimento de Ação Nacional, Ordem Lusa, Irmandade Ariana ou o PNR, tendo fundado vários movimentos, como a Frente Nacional e Nova Ordem Social, que liderou entre 2014 e 2019.
O militante de extrema-direita tem um registo criminal marcado por várias condenações, entre as quais a sentença, em 1997, a quatro anos e três meses de prisão pelo envolvimento na morte de Alcindo Monteiro.
A 10 de Junho de 1995, Alcindo Monteiro foi brutalmente agredido por membros do grupo 1143, no Bairro Alto, em Lisboa, acabando por morrer dois dias depois. O seu assassinato e a agressão de mais 10 pessoas faziam parte das celebrações do Dia da Raça – como era conhecido o Dia de Portugal durante o Estado Novo – do grupo de extrema-direita.