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| Incêndio em Avô (Oliveira do Hospital) |
Em 2017, Portugal enfrentou uma das suas maiores tragédias coletivas: o incêndio de Pedrógão Grande. Uma ferida que destruiu vidas, memórias e esperanças, e expôs a vulnerabilidade estrutural do país. Nesse ano, após ouvir diferentes vozes ligadas à prevenção e ao combate, preparei uma breve síntese sobre a situação da floresta portuguesa. O retrato era conhecido, mas revelou-se devastador: um mosaico desordenado de pequenas propriedades essencialmente privadas, muitas abandonadas; política florestal errática e ausente no terreno; uma vigilância insuficiente; proteção civil dependente de participação voluntária; meios aéreos privados caros, mas ainda assim ausentes; comunidades rurais envelhecidas e esquecidas. Em síntese: uma floresta frágil, altamente inflamável, e um Estado incapaz de salvaguardar o interesse público.
Passaram oito anos. Houve avanços: destacaria o BUPi e os processos de emparcelamento que abriram caminho para resolver a fragmentação fundiária; a criação da AGIF (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) e a sua ação programática trouxe mais visibilidade e expressão territorial à política florestal; a vigilância tecnológica progrediu; a proteção civil incrementou a capacidade de intervenção e preparação; a contratação de meios aéreos tornou-se mais transparente, mas ainda assim ineficaz.
No essencial, os bloqueios estruturais mantêm-se intactos. A floresta continua dividida, sem escala para uma gestão eficiente e transformadora. As políticas públicas do setor transitaram entre ministérios, mas permanecem sem coerência e incapazes de inspirar a confiança que o problema exige. A vigilância tecnológica cobre apenas parte da realidade diversa do país. A proteção civil, mais preparada, continua excessivamente dependente de esforço voluntário. O papel das Forças Armadas mantém-se episódico e sem coordenação local. Os projetos-piloto de mosaicos resilientes existem, mas são insuficientes para travar tendências e implementar a transição florestal, e as comunidades rurais continuam esmagadas pela burocracia e pelo abandono.
A verdade é que pouco mudou. A floresta portuguesa continua refém de interesses sobrepostos, centralismo sufocante e ausência de reformas estruturais que integrem floresta, agricultura, água e biodiversidade num mosaico vivo e resiliente. A acumulação descontrolada de biomassa, alimentada pelo abandono rural, transformou vastas áreas em depósitos de combustível à espera da próxima ignição. E manter grandes extensões de monocultura inflamável, num contexto climático cada vez mais adverso — com secas mais longas, ondas de calor mais intensas e ciclos de incêndio cada vez mais prolongados — é prolongar a catástrofe. É urgente diversificar espécies, apostar em ecossistemas resilientes, combinar produção florestal com regeneração ambiental e colocar a floresta ao serviço da segurança, da economia e da vida.
Esta mudança exige também um novo contrato com a indústria. O setor não pode ser assistente ou comprador de matéria-prima barata e combustível para exportação. Precisa de assumir corresponsabilidade na regeneração, investir em gestão sustentável, inovar em produtos de maior valor acrescentado e comprometer-se com a transição ecológica do país.
O futuro exige cinco escolhas inadiáveis: governança descentralizada com técnicos e meios próximos do território; uma reforma fundiária realista que permita gestão conjunta; a profissionalização parcial do combate, associada à prevenção; a assunção realista e firme do nexo entre floresta, agricultura, água, biodiversidade e clima; e, sobretudo, a reconstrução da confiança social, devolvendo às comunidades o papel de parceiras centrais, com incentivos claros e retorno económico justo.
Se 2017 foi o ano da tragédia, e 2018–2025 o tempo da resposta insuficiente, o próximo ciclo só pode ser o da reforma estrutural. Ou teremos a coragem de transformar a floresta portuguesa em alavanca de resiliência e futuro, ou continuaremos prisioneiros de um ciclo de fogo, abandono e luto.
Antes que tudo arda.

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