O meu “dia seguinte” aconteceu em 2017 quando o Trump ganhou as eleições. Percebi que ele poderia não ser um epifenómeno mas o princípio de um perigoso processo de degradação e derrapagem para uma direita extremada. A forma como falava, a rudeza com que exprimia a negação dos valores mais elementares, o dizer e o desdizer a seguir com um encolher de ombros normalizando a volubilidade da opinião e decisão, o machismo grosseiro, as asserções anti-científicas...um verdadeiro retrocesso civilizacional.
A psicologia explica muitas coisas que escapam à análise política estrita. O Trump não plantou aquelas ideias nas pessoas: elas estavam lá, controladas pelos filtros sociais pelo assumir de valores socialmente desejáveis. Trump abre a caixa de Pandora que depois de aberta nunca se sabe quando se fecha. O mesmo com o Ventura em modo caseiro.
O que se seguiu foi o que se viu: o retomar dos discursos e políticas despudorados como o de Bolsonaro a que se seguiram tantos outros pela Europa fora. E assistimos à aproximação perigosa dos sociais democratas às teses da extrema direita (gelei com o último discurso do Montenegro nas anteriores eleições).
O mundo de hoje está numa deriva tremenda em que há liberdades que estão em risco e a estrutura, o osso do sistema está muito afetado. Há um torpor face a ataques inimagináveis : a proibição de livros nos EUA, o controle ideológico nas universidades, a proibição do uso de determinadas palavras obrigaria a um levantamento generalizado. Há manifestações grandes mas não há um clamor massivo de rejeição. Estes avanços estão a começar a grassar na Europa.
As guerras- as colunáveis e as outras mais silenciosas e silenciadas - a tragédia de Gaza e a tragédia do silêncio cúmplice adensam tudo. Os tempos são densos e turvos e é difícil visualizarmos uma saída.
Tem-me vindo à memória um filme que me impressionou imenso: “O ovo da serpente “ do Ingmar Bergman que de um modo bruto e discreto conta como o fascismo larvar roía o sistema na Alemanha a pré-anunciar o nazismo. Que chegou. Se puderem, vejam.
Sem comentários:
Enviar um comentário