Vivo uma Vida que não Quero nem Amo
Súbdito inútil de astros dominantes,
Passageiros como eu, vivo uma vida
Que não quero nem amo,
Minha porque sou ela,
No ergástulo de ser quem sou, contudo,
De em mim pensar me livro, olhando no alto
Os astros que dominam
Submissos de os ver brilhar.
Vastidão vã que finge de infinito
(Como se o infinito se pudesse ver!) —
Dá-me ela a liberdade?
Como, se ela a não tem?
Ricardo Reis, in "Odes"
[Heterónimo de Fernando Pessoa]
Mais textos e crónicas sobre Fernando Pessoa no Bioterra.
Passageiros como eu, vivo uma vida
Que não quero nem amo,
Minha porque sou ela,
No ergástulo de ser quem sou, contudo,
De em mim pensar me livro, olhando no alto
Os astros que dominam
Submissos de os ver brilhar.
Vastidão vã que finge de infinito
(Como se o infinito se pudesse ver!) —
Dá-me ela a liberdade?
Como, se ela a não tem?
Ricardo Reis, in "Odes"
[Heterónimo de Fernando Pessoa]
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O poema expressa um profundo sentimento de desalinhamento interior, como se o eu lírico estivesse separado da própria vida que vive. Há uma sensação de cansaço existencial: ele sente que cumpre rotinas e deveres que não escolheu, permanecendo preso a uma realidade que não corresponde aos seus desejos mais íntimos. O sujeito está consciente de que vive mecanicamente, por hábito e não por vontade, e isso o leva a um estado de tristeza silenciosa, quase resignada. O poema revela a inquietação típica de Pessoa: a impossibilidade de ser quem realmente se é, a distância entre o que se sente e o que se faz, entre o mundo interior e o exterior. Não há revolta aberta, mas uma lucidez amarga — a de quem percebe que a vida decorre fora de si, enquanto dentro permanece o vazio. É uma reflexão sobre a alienação, a falta de sentido e a dor de existir sem pertencimento, temas centrais da obra pessoana.
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