Li recentemente na revista de divulgação científica New Scientist, uma notícia que mostra de forma extraordinária como a biodiversidade continua a surpreender-nos e a alimentar soluções tecnológicas em áreas que vão da medicina à engenharia de precisão. Não resisto a partilhar a descoberta, pelo modo como revela o papel notável da ciência e os horizontes sempre inesperados da investigação. Uma equipa de investigadores da Universidade McGill, no Canadá, descobriu que a tromba (probóscide) de um mosquito pode funcionar como um bico ultrafino para impressoras 3D, abrindo caminho para fabricar estruturas delicadas usadas na criação de tecidos e órgãos artificiais.
A equipa enfrentava um problema recorrente na bioengenharia: os bicos convencionais disponíveis eram demasiado grossos para produzir detalhes microscópicos. Em busca de alternativas naturais, analisaram diversas estruturas animais até concluírem que a probóscide das fêmeas de Aedes aegypti - o mesmo mosquito que transmite dengue, zika e chikungunya - apresentava as características ideais. O apêndice, evoluído para perfurar pele humana com precisão, permitiu imprimir filamentos com apenas 20 micrómetros de espessura, cerca de um quarto da largura de um cabelo.
A técnica, batizada 3D necroprinting, distingue-se também pela simplicidade e pelo baixo custo. Um técnico treinado consegue produzir cerca de seis bicos por hora, cada um por menos de um dólar, e estes podem ser acoplados a impressoras 3D já existentes. Quando congelados, mantêm-se utilizáveis durante um ano, embora aproximadamente 30% apresentem falhas após duas semanas de uso intensivo.
Nos testes realizados, os investigadores utilizaram estes bicos naturais para imprimir estruturas com uma bio-tinta usada na construção de andaimes de tecidos biológicos, incluindo moldes de vasos sanguíneos - um passo essencial na engenharia de tecidos. Especialistas externos sublinham que este avanço ilustra algo mais vasto: a engenharia continua, muitas vezes, a tentar acompanhar a sofisticação das soluções produzidas pela evolução ao longo de milhões de anos.
Para além da curiosidade tecnológica, este trabalho reforça uma ideia fundamental para a economia e para o futuro da inovação: a biodiversidade é uma reserva viva de engenhosidade, repleta de soluções que não conseguimos prever. Cada espécie - mesmo as mais discretas ou incómodas - encerra potencial para inspirar avanços em saúde, materiais, robótica e muitas outras áreas. A probóscide de um mosquito transformada em ferramenta de impressão é apenas um exemplo entre muitos outros.
Nota final: esta descoberta sublinha também a importância de continuar a estudar a biodiversidade de forma sistemática e profunda. Só conhecemos uma fração da variedade de formas, estruturas e estratégias que a vida desenvolveu ao longo da evolução. Investir em investigação biológica não é apenas preservar conhecimento: é ampliar o leque de soluções possíveis para desafios futuros, muitos dos quais ainda nem conseguimos antecipar. Cada organismo estudado é uma nova oportunidade de aprendizagem, inovação e, potencialmente, transformação tecnológica.
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