quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A COP30 é patrocinada por empresas com notórias responsabilidades em violações e desastres ambientais



Primeira cúpula do clima na Amazônia, a COP30 deveria ser um espaço de discussão de soluções e metas para enfrentar a crise climática. Mas ela pode virar palanque de quem quer lucrar mais enquanto destrói o planeta. Nossa cobertura mostra os interesses corportativos e políticos por trás do discurso de sustentabilidade promovido durante a COP30.

Envolvida nos rompimentos das barragens de Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais, duas das principais tragédias socioambientais do Brasil na última década, a Vale é a principal patrocinadora da cobertura da imprensa tradicional brasileira sobre a COP30.

Um levantamento do Intercept Brasil mostra que a mineradora está patrocinando a cobertura de oito veículos de comunicação diferentes. Entre eles, estão alguns dos jornais de maior circulação no Brasil, como a Folha de S.Paulo, O Globo e Valor Econômico, o jornal do Pará O Liberal, bem como a rádio CBN, a revista Veja, e os portais de notícias Neofeed e Brazil Journal.

Mas a Vale não é a única empresa envolvida em desastres e crimes ambientais na última década que está financiando a cobertura jornalística brasileira da maior conferência sobre clima do mundo.

As notícias sobre a COP30, evento que começa oficialmente nesta segunda-feira, 10, em Belém e almeja traçar compromissos e metas globais para lidar com a crise climática, também estão sendo bancadas por outras corporações apontadas como grandes contribuintes do colapso do planeta.

A segunda empresa que mais está patrocinando a cobertura da mídia tradicional sobre a conferência, segundo o levantamento, é a gigante da indústria da carne JBS, financiando sete veículos: CBN, Estadão, Folha de S.Paulo, O Globo, Valor Econômico, Veja e Neofeed.

Maior produtora de proteína animal do mundo, a JBS é também a empresa do setor de carne que mais emite gases do efeito estufa no planeta, segundo um relatório recente da ONG Profundo que avaliou o impacto climático da indústria de carne e laticínios.

Completam a lista das empresas que mais patrocinam as coberturas da COP neste ano no Brasil duas gigantes com histórico de violações ambientais. A primeira é a Hydro, multinacional norueguesa do setor de alumínio, condenada pela Justiça Federal no ano passado a pagar R$ 100 milhões por um desastre ambiental em Barcarena, no Pará.

A segunda é a Suzano, gigante do setor de papel e celulose, envolvida em denúncias de uso de agrotóxicos e violações de direitos contra comunidades quilombolas em diferentes regiões do país.

Ambas patrocinam quatro veículos cada. A Hydro está apoiando a cobertura de CNN, Estadão, Exame e do jornal O Liberal, do grupo Liberal de comunicação, do Pará, estado-sede da COP30. Já a Suzano patrocina CBN, O Globo, Valor Econômico e Capital Reset.

Na lista das empresas patrocinadoras do jornalismo tradicional durante a COP ainda estão empresas como a Ambipar, que patrocina a cobertura da Exame, Folha de S.Paulo e Estadão, enquanto lidera projeto de carbono que pretende usar terras públicas e está impedindo pescadores de trabalhar na Ilha do Caju, no Maranhão, em aliança com um empresário sueco. Procurada, a Ambipar afirmou que não irá se posicionar.

Outra patrocinadora é a Philip Morris Brasil, gigante do setor de tabaco que já teve entre seus fornecedores, segundo a Repórter Brasil, uma fazenda investigada por manter um cemitério de animais silvestres em canais de irrigação. Procurada pela reportagem, a Philip Morris Brasil afirmou que “seus contratos com empresas de mídia não envolvem qualquer influência em conteúdo jornalístico” e que “todos os conteúdos institucionais produzidos pela empresa são devidamente sinalizados em todas as publicações”.

No total, segundo o levantamento do Intercept, 59 entidades diferentes, entre empresas privadas, multinacionais, governos, farmacêuticas, bancos, supermercados e ONGs, patrocinam a cobertura da imprensa na COP30.

Para fazer o levantamento, o Intercept considerou dados de TVs, rádios, veículos impressos e online com maior alcance, segundo o Reuters Digital News Report 2025, relatório produzido anualmente pelo Instituto da Reuters na Universidade de Oxford, na Inglaterra, que analisa as tendências de consumo de mídia.

Também foi feita uma pesquisa manual, por meio de buscadores online, utilizando termos combinados como “patrocínio”, “cobertura”, “apoio” e “COP30”, entre os meses de setembro e outubro, além de uma pesquisa nas redes sociais dos veículos.

O levantamento ainda apontou que pelo menos 13 veículos de comunicação brasileiros tiveram patrocínios de empresas privadas, ao longo deste ano, com foco na conferência do clima. Além do patrocínio direto à cobertura, também foi disponibilizada verba corporativa para a realização de séries de debates e formações para jornalistas.
Os interesses por trás do patrocínio

O patrocínio dessas empresas à cobertura da COP30 não significa necessariamente uma influência na linha editorial das reportagens publicadas. No entanto, segundo Melissa Aronczyk, professora da escola de comunicação da Rutgers University, uma das principais pesquisadoras do mundo sobre influência das empresas poluidoras na mídia e autora do livro “Natureza Estratégica”, a atitude das empresas deve no mínimo acender o alerta sobre interesses corporativos ao se vincular a uma agenda de sustentabilidade.

“Não existe patrocínio neutro. Nenhuma organização e certamente nenhuma empresa privada dará dinheiro, apoio ou seu nome a outra organização ou evento, a menos que veja um benefício para si mesma”, afirma Aronczyk.

Para a professora, por meio do patrocínio da cobertura noticiosa, as empresas querem promover uma associação positiva na mente das pessoas entre a marca delas e a COP30, e isso tem preceito histórico. Foi também no Brasil, durante a Rio 92, conferência considerada a mãe das COPs, que observou-se pela primeira vez na história o patrocínio corporativo tomando conta das cúpulas do clima da ONU. 

“Em 1992, líderes de empresas, agências de relações públicas, publicitários e lobistas vieram ao Rio para garantir que a voz das empresas fosse representada. E isso só piorou a cada ano, desde então. Temos mais de 30 anos de cooptação da Cúpula das Nações Unidas sobre o Clima”, diz Aronczyk.

O que mineradoras e empresas do agro tentam fazer agora na COP do Brasil, com tentativas de usar os veículos de comunicação para limpar a própria imagem, está no DNA da expansão de setores como os da mineração, carvão, produtos químicos e petróleo e gás.

“Os primeiros clientes das empresas de relações públicas eram empresas poluidoras que tinham o desejo de promover uma imagem positiva, mesmo enquanto continuavam poluindo”, analisa Aronczyk.

Nas décadas de 1970 a 1980, com a ascensão do discurso sobre mudanças climáticas, as empresas de combustíveis fósseis passaram a trabalhar em estreita relação com agências de relações públicas. Mas, enquanto naquela época o foco delas era negar as mudanças do clima, hoje o objetivo dessas empresas ao usar a mídia é outro: atrasar a busca e o encontro de soluções.

“São formas sutis de obstrução climática, que envolvem manipular jornalistas ou manipular os veículos de comunicação, com o uso de mídias sociais e influenciadores também, para divulgar mensagens e outros tipos de campanhas que atrasam as ações contra as mudanças climáticas, questionando a necessidade de políticas e regulamentações climáticas”, afirma a professora.

Coordenadora geral de pesquisa do Netlab, o Laboratório de Internet e Redes Sociais da UFRJ, a pesquisadora Deborah Salles também pondera que não é possível fazer uma correlação direta entre o patrocínio das empresas e a linha editorial das coberturas, mas alega que o financiamento levanta suspeitas sobre a capacidade de o jornalismo brasileiro cobrir temas complexos e sensíveis, inclusive para os seus patrocinadores.

“A ideia de jornalismo patrocinado é, em si, algo problemático”, pontua. Para Salles, a busca pelo patrocínio nas coberturas midiáticas da COP30 tem a função, ainda, de frear o senso crítico com relação à mineração, à exploração de petróleo e gás, mas também de garantir que os interesses dessas empresas não estejam em risco em um momento tão sensível como é o de negociações por metas e financiamento climático.

“Ao influenciar a opinião pública e tomadores de decisão e garantir que a cobertura vai continuar sendo pouco incisiva, a gente continua com essa possibilidade de passar projetos de lei da devastação e derivados. Em alguma medida, a comunicação corporativa tem como objetivo garantir mais espaço para essas empresas, e mais espaço é menos estresse para as suas atividades”, analisa Salles.

Relatório "A COP dos Lobbies" denuncia avanço do lobby corporativo na COP30 em Belém.

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