terça-feira, 9 de julho de 2024

A biomimética é infinita – do velcro ao edifício Gherkin

O desenho da Torre Gherkin, em Londres, foi inspirado na esponja de cristal Euplectella aspergillum . Esta esponja especial possui um exoesqueleto em forma de treliça. 

O dicionário Priberam define a biomimética (de bio, “vivo” + mimético, “capaz de imitar”) como uma “área interdisciplinar que pretende utilizar na ciência os conhecimentos da estrutura biológica dos seres vivos”, acrescentando também que “biomimético” é aquele “que imita alguma coisa da natureza ou algum processo natural”. Por outras palavras, a biomimética consiste na aplicação do conhecimento sobre o mundo natural, principalmente ao nível da engenharia ou do design, para solucionar problemas ou suprir necessidades humanas. O termo, que substituiu outros mais antigos, foi cunhado por Otto Herbert Schmitt em 1957, na sua tese de doutoramento que apresentava um aparelho cujo funcionamento era baseado no funcionamento de um nervo de lula.

Desde quando existe a biomimética?
Podemos dizer que a biomimética sempre deve ter existido, pois o homem sempre se inspirou no que via na natureza para resolver problemas práticos. No entanto, a primeira figura que é descrita como tirando inspiração directa da natureza para desenvolver objectos é a figura semi-mitológica chinesa de Lu Ban, do fim da dinastia Zhou, por volta de 500 a.c., a quem é atribuído um sem número de invenções, incluindo a daserra, cuja inspiração seria proveniente de uma planta em que Lu Ban teria cortado acidentalmente a mão na borda em serrilha, percebendo então que poderia usar aquele padrão serrilhado para construir uma ferramenta que mais facilmente lhe permitisse cortar vários materiais.

Mais tarde, durante o Renascimento, Leonardo da Vinci cita explicitamente o voo das aves como inspiração directa para as suas máquinas voadoras, que nunca chegaram a ser construídas, fonte de inspiração essa que dizem ter sido comum também aos irmãos Wright que, no início do século XX, inventaram o primeiro avião controlado por um piloto.

Em 1851, Joseph Paxton cita as folhas dos nenúfares como inspiração para o padrão de vigas de metal cruzadas que suportam a estrutura do Palácio de Cristal construído para a Grande Exibição que ocorre nesse ano.

Quais são alguns exemplos relevantes da biomimética?
Muitos objectos que utilizamos no dia-a-dia tiveram inspiração directa da natureza. Uma das mais famosas é o velcro, uma invenção registada em 1955 pelo suíço Georges de Mestral que consiste em fitas de aspereza distinta que aderem uma à outra quando em contacto. O nome do invento entretanto tornado produto provém do francês velours (veludo) e de crochet (gancho) e teve como origem uma caçada em que o cão do futuro inventor ficou coberto de “ouriços”, pequenas sementes que aderem ao pelo dos animais a fim de se espalharem com mais eficiência. Mestral teve visão e decidiu, com sucesso, imitar o que observou na natureza.

Da mesma forma, um dos edifícios mais conhecidos de Londres, o Gherkin, teve como inspiração directa a esponja Euplectella aspergillum e o seu exoesqueleto silicioso (ver imagem no topo do artigo). Curiosamente, gherkin significa pepininho e a arquitectura do edifício da torre é apodada de neo-futurista, pós-moderna ou hi-tech.

Talvez se lembre também do sucesso da equipa olímpica de natação dos EUA nos Jogos Olímpicos de 2008, que conquistou 98% das medalhas possíveis, devida em grande parte aos seus fatos desenvolvidos com o apoio da NASA: estes tinham inspiração directa na pele dos tubarões, cujas escamas especializadas criam zonas de baixa pressão que aumentam a sua velocidade na água. Este material apresenta também propriedades físicas que fazem com que seja muito difícil a fixação de bactérias na sua superfície, o que o torna apetecível para, por exemplo, uso em hospitais.

No Zimbabwe, cientistas inspiraram-se nos sistemas de refrigeração naturais das termiteiras para construir edifícios que se autoarrefecem, poupando assim grandes quantidades de energia na refrigeração e, por isso, com efeitos ambientais positivos.

Em 2015, o microbiólogo holandês Henrik Jonkers desenvolveu uma solução inspirada no corpo humano para cimento auto-reparador, recorrendo à adição à massa de bactérias produtoras de calcário, que se tornam activas quando em contacto com água.

Que futuro para a biomimética?
Embora muitas invenções sejam fruto de processos biomiméticos, podemos dizer que ainda estamos no início de uma verdadeira revolução. As aplicações de replicação de processos ou soluções naturais aos problemas humanos são infinitas, e apenas limitadas pelo nosso conhecimento da natureza. No entanto, isto também reforça a importância da preservação da biodiversidade e do seu estudo: quantas soluções para os nossos problemas estarão já presentes na natureza, e quantas já terão desaparecido da face da Terra antes que sequer soubéssemos da sua existência?

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