sexta-feira, 11 de abril de 2025

A guerra das tarifas



Luís Ribeiro, in Visão, 10 de Abril de 2025
Acordei com esta música dos R.E.M. na cabeça. “É o fim do mundo como o conhecemos (e eu sinto-me bem)”, canta Michael Stipe.
Não tenho grandes dúvidas porquê: adormeci com o pensamento de que o suposto líder do mundo livre é um incendiário que decidiu atear fogo à economia. Não me lembro se sonhei com isso, mas sei que acordei com a sensação de estarmos a viver um pesadelo. 
A instabilidade provocada pela guerra das tarifas está aí, a toda a brida, a ameaçar destruir a globalização, o sistema que equilibrou o mundo e que, apesar de todos os seus defeitos, nos trouxe progresso e relações relativamente cordiais entre os Estados - e boas relações comerciais são a melhor forma de evitar conflitos.
Sim, o presidente dos EUA decidiu suspender as tarifas por 90 dias à maior parte dos países, mantendo "apenas" uma tarifa-padrão de 10% para todos, mas a confiança nos pilares da economia global está perdida. E daqui a 90 dias? Ou amanhã, se ele acordar virado para o lado errado? Quem nos salva desta aleatoriedade? Que empresa vai investir num mercado estupidamente imprevisível? Que país volta a confiar na maior economia mundial?
Donald Trump começou este segundo mandato a caminhar em direção ao abismo, e quer levar toda a gente com ele. Começou por inventar umas taxas que diz serem impostas às importações dos EUA, fazendo-se valer de uma fórmula matemática aparentemente ditada pelo ChatGPT, e que na realidade traduz o défice comercial americano, o que é natural, dado que é o país mais rico do planeta. Essa mentira foi a justificação para decretar tarifas draconianas a quase todos os países (curiosamente, a Rússia foi uma das poucas exceções). 
À reação internacional de choque e incompreensão por esta posição da Casa Branca, sobretudo entre os países aliados, seguiu-se, naturalmente, a reciprocidade. Afinal, atrás dos floreados e dos eufemismos linguísticos, a diplomacia tem muito de “olho por olho, dente por dente”. 
A UE, depois de uma tentativa de negociação que foi recebida com desdém por Trump, respondeu à tarifa de 25% sobre o aço e o alumínio europeus com os mesmos 25% sobre uma longa lista de produtos americanos e um segundo pacote retaliatório na calha, agora (ou por agora...) também suspenso, dado o recuo dos EUA.
Mas a China mantém-se na mira de Trump, por se ter atrevido a "escalar" a guerra das tarifas. Leia-se, por ter respondido na mesma moeda: começou por lançar tarifas de 34% sobre os produtos americanos, o mesmo que os EUA impuseram aos produtos chineses. Trump ameaçara a China que, se retaliasse, aumentaria as tarifas, e assim fez: passou para 104%. E ontem a China subiu, por sua vez, para 84%, avisando Trump que não admitiria “chantagem” e que estava disposta a lutar “até ao fim”. E Trump voltou a subir a parada para 125%.
Donald Trump parece convencido de que, neste confronto com a China, tem as melhores cartas na mão (metáfora cansada mas adequada, atendendo a que o seu nome significa “trunfo”). Esquece-se do que está do outro lado: primeiro, um povo orgulhoso, que foi capaz de escalar uma montanha em tempo recorde, passando da miséria a superpotência económica em poucas décadas; segundo, um regime que não tem de se preocupar com eleições e, portanto, é menos afetado por eventuais manifestações de insatisfação da população, na sequência de uma potencial crise. 
Xi Jinping está preparado (e acredito que o próprio povo também) para aguentar a dor durante o tempo que for necessário. Estarão os americanos? 
E, sublinhe-se, não é só a economia mundial que está em risco. Ontem à tarde, o governo chinês emitiu um alerta para a sua população: pensem duas vezes antes de visitar os EUA, devido à “deterioração das relações”, avisou o Ministério da Cultura e do Turismo da China. 
Trump, do alto do seu trono dourado, decidiu esticar a corda e jogar com as vidas de toda a humanidade. Tudo sem razão, quando a economia mundial ia de vento em popa. Tudo por nada. Por um capricho. Uma insanidade. 
A música apocalítica dos R.E.M. não me sai da cabeça. “It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)...” Fui espreitar a letra no Genius, que, naquele ritmo frenético de Michael Stipe, há muita coisa que fica por perceber. E encontro isto, pouco antes do primeiro refrão: “Reporters baffled, trump”. 
A tradução é “repórteres perplexos, trunfo”. Oiço a música novamente. Sim, parece mesmo isso. Trump. Trunfo. Trump. 
Claro que é uma coincidência. 
“It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)...” saiu em novembro de 1987. Havia passado um mês sobre a Segunda-Feira Negra, o crash dos mercados de 1987. E duas semanas antes tinha sido publicado The Art of the Deal, o livro de Donald Trump. 
Mas há coincidências macabras. 

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