Willi Baumeister , 1889 - 1955 |
O maior deserto (árido) do
planeta ainda está a ficar maior. Esta é uma das principais conclusões de um
estudo sobre o deserto do Sara feito por dois cientistas dos Estados Unidos e
publicado dia 29 de Março na revista científica Journal of Climate. Por um
lado, se olharmos para as dinâmicas anuais, este deserto expandiu-se cerca de
10% desde 1920. Por outro lado, se virmos só o Verão, o crescimento é de cerca
de 16%. Os cientistas estimam que as alterações climáticas, agora de origem
humana, tenham contribuído para um terço dessa expansão.
Os desertos quentes e secos são
regiões que têm uma baixa precipitação anual. Normalmente, chove lá cerca de
100 milímetros por ano ou menos. O deserto do Sara é uma dessas regiões e ocupa
a maior parte do Norte do continente africano. E, tal como todos os desertos,
as fronteiras do Sara mudam de acordo com as estações, expandindo-se no Inverno
e contraindo-se no Verão. Isto é contra-intuitivo, mas como o Inverno é a
estação mais seca na região do Sahel (a sul do Sara) o deserto parece maior
porque se expande para sul. E contrai-se no Verão porque esta é a estação das
chuvas no Sahel e, desta forma, o deserto fica mais estreito.
Aliás, vários registos
paleoclimáticos e geológicos mostram-nos que os desertos têm uma dinâmica
própria, causada por alterações climáticas naturais, que aumentam ou diminuem a
sua extensão e fazendo-os aparecer ou desaparecer. “No último período glacial,
o Sara era mais extenso do que actualmente, mas com o início do período
interglacial o clima tornou-se relativamente húmido naquela região e o deserto
retrocedeu”, explica o físico Filipe Duarte Santos no livro Alterações Globais:
Os Desafios e os Riscos Presentes e Futuros (Fundação Francisco Manuel dos
Santos, 2012). “Entre 8000 a.C. e 4000 a.C., grande parte do deserto do Sara
estava coberto por savanas, em consequência de modificações nos padrões de
circulação geral da atmosfera, e há cerca de 5000 anos adquiriu a configuração
actual.” Este processo de desertificação foi natural, sem a intervenção humana,
algo que não acontece actualmente.
Os cientistas da Universidade de
Maryland quiseram então saber quais as fronteiras actuais do deserto do Sara.
Para isso, analisaram dados observacionais ou simulações climáticas históricas,
incluindo dados da precipitação, num período entre 1920 e 2013. “Esta
investigação é a primeira avaliação a uma escala secular das mudanças das
fronteiras do maior deserto do mundo”, lê-se num comunicado da Universidade de
Maryland.
Analisando uma área de sete
milhões de quilómetros quadrados (a área climatológica média anual considerada
como deserto), os cientistas viram que o Sara se tinha expandido globalmente
cerca de 10% desde 1920 – o que corresponde a cerca de 700 mil quilómetros
quadrados, ou seja, quase oito vezes a área territorial de Portugal e as suas
ilhas. Consoante as estações, observou-se que o deserto pode aumentar entre 11%
e 18%.
Numa tabela que acompanha o
artigo destacam-se alguns países afectados por esta expansão: a nível anual,
salienta-se o impacto na Mauritânia, no Mali, no Chade e no Sudão; no Inverno
são mais afectados a Líbia, os Camarões e a República Centro-Africana; e no
Verão são a Mauritânia, o Níger e o Chade.
“Entre 1920 a 2013, a expansão
foi mais considerável no Verão, quando a área do deserto se expandiu cerca de
16%”, diz ao PÚBLICO Natalie Thomas, uma das autoras do trabalho. “A expansão
no Verão foi maior no Sul porque está relacionada com a diminuição da
precipitação na região do Sahel.”
Ora, o Sul do Sara encontra-se
com o Sahel, uma zona de transição semiárida que está entre esse deserto e as
savanas férteis (a sul). “O Sara expande-se à medida que o Sahel recua,
destabilizando os frágeis ecossistemas da região e sociedades”, refere-se no
comunicado. E um dos “termómetros” usados pelos cientistas para perceberem
essas mudanças climáticas foi o lago Chade. “A bacia do Chade diminuiu na
região onde o Sara avança para sul. E o lago está a secar”, explica Sumant
Nigam, outro dos autores do artigo. “É muito visível que a pegada deixada pela
diminuição da precipitação não é só local, mas em toda a região.”
Situação grave em África
O que causa esta expansão do
Sara? Os cientistas estimam que a variabilidade normal do clima seja
responsável por dois terços da expansão. Por exemplo, um regime de correntes
conhecido como Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO, na sigla em inglês) –
no qual as temperaturas oscilam entre fases quentes e frias num ciclo de 50 a
70 anos ao longo de uma grande faixa no Norte do oceano Atlântico – afecta as
precipitação no Sahel e causa a expansão do Sara. Uma grande seca entre os anos
50 e 80 no Sahel – que levou a situações graves de fome e a grandes movimentos
migratórios – é atribuída a esse fenómeno. A Oscilação Multidecadal do Pacífico
(PDO), em que há diferenças de temperatura no Norte do oceano Pacífico num
ciclo de 40 a 60 anos, também tem o seu papel no crescimento do Sara.
Já as alterações climáticas de
origem humana – devido ao aumento dos gases com efeito de estufa na atmosfera –
são responsáveis por um terço da expansão do Sara. “Geralmente, estes desertos
formam-se nos subtrópicos por causa da célula de Hadley [modelo de circulação
atmosférica], através do qual o ar sobe no equador e desce nos subtrópicos”,
explica Sumant Nigam. “As alterações climáticas aumentam a circulação da célula
de Hadley, causando o avanço para norte dos desertos subtropicais. Mas o avanço
para sul do Sara sugere que estejam a funcionar também mecanismos adicionais,
incluindo ciclos climáticos como o AMO.”
Fonte: Púbico, 30.03.2018
Fonte: Púbico, 30.03.2018
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