A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, defendeu, numa declaração recente, a possibilidade de haver uma flexibilização na proteção do lobo a nível europeu, tendo mesmo sugerido uma reavaliação da situação da espécie por parte dos Estados-membros e uma revisão do estado de conservação do lobo na Europa.
As declarações da responsável “levantam preocupações justificadas sobre as motivações e propósitos de tais medidas relativas a uma espécie atualmente em risco de extinção no território nacional, pelo que a organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural defende total inflexibilidade na defesa e proteção do lobo e condena a mensagem transmitida pela responsável, a qual contribui para gerar alarme social infundado sobre esta espécie icónica e pode colocar em causa a sua conservação”, afirma a organização em comunicado.
Segundo a mesma fonte, a informação veiculada pela responsável máxima da CE, sugerindo que o lobo representa um perigo para o gado e também, potencialmente, para os seres humanos “não encontra suporte científico e gera desinformação desnecessária, numa tentativa clara de aligeirar as medidas atuais de proteção da espécie”.
Numa carta aberta enviada a von der Leyen por várias organizações não governamentais de ambiente (ONGA) a nível europeu, sublinha-se que as provas científicas “demonstram que os lobos não tratam os seres humanos como presas e que os encontros fatais são uma exceção”. E, relativamente ao gado, os danos causados “estão frequentemente relacionados com a falta de supervisão adequada e/ou medidas de proteção eficazes”. O apelo lançado pela presidente da CE para uma eventual necessidade de rever a proteção do lobo “não tem, por isso, suporte científico, nem é baseada em dados robustos sobre a situação atual da espécie na Europa”.
O Artigo 16 da Diretiva Habitats” é crítico no contexto da proteção do lobo, pois abre portas às aclamadas derrogações à proteção rigorosa de espécies ameaçadas”. As condições necessárias a uma derrogação incluem a sua justificação fundamentada por um dos três pontos: proteção da fauna e flora selvagens; prevenção de danos graves à saúde e segurança pública; ou outros interesses públicos. A falta de dados atualizados e precisos sobre as populações de lobo a nível europeu impossibilita a concessão de derrogações robustas e fundamentadas, um problema ao qual se junta a falta de financiamento para a investigação e monitorização continuada da espécie. Além disso, uma derrogação “só pode ser concedida se não houver uma “alternativa satisfatória” e se “não prejudicar a manutenção das populações da espécie”.
O comunicado acrescenta que, nas últimas décadas, medidas que asseguram a coexistência entre o Homem e o lobo “têm revelado resultados muito positivos e, neste contexto, urge relembrar a sua necessidade e importância, evitando negligenciar os esforços a nível europeu para garantir a proteção dos grandes carnívoros, como é o caso do lobo”. Sistemas de compensação monetária, uso de cães de gado tradicionais e a instalação de vedações “são exemplos de boas práticas de minimização do conflito Homem-lobo que têm demonstrado grande êxito no terreno”.
Redução da proteção pode ameaçar sobrevivência da espécie
Adicionalmente, a CEO da Eurogroup for Animals, Reineke Hameleers, destaca que muitas populações transfronteiriças de lobos ainda não atingiram um estado de conservação favorável, e a redução da sua proteção pode ameaçar a sua sobrevivência. Em países como Portugal, onde a espécie mantém o estatuto de ameaça “Em Perigo” e a população de lobos é relativamente pequena, vulnerável e constituída pela subespécie endémica à Península Ibérica, Canis lupus signatus, com apenas cerca de 250 indivíduos maturos em todo o território nacional (Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental – 2023), dificilmente uma derrogação terá resultados positivos.
A conservação do lobo “é uma questão altamente polarizada: se, por um lado, os ambientalistas lutam pela proteção da espécie, por outro, os criadores de gado preocupam-se com a segurança dos rebanhos. Mas estes dois lados da mesma moeda podem e devem coexistir, se forem implementadas as medidas certas. As insinuações da líder europeia e a consequente exacerbação do antagonismo existente é inquietante”.
A Palombar “tem trabalhado para promover uma mudança de paradigma em relação ao lobo e para desmistificar ideias erradas e consolidadas sobre a espécie na sociedade e teme que as declarações de Ursula von der Leyen comprometam o trabalho que tem sido realizado com este propósito, não só por organizações não governamentais, como por projetos financiados por fundos europeus durante as últimas décadas em prol da conservação do lobo”.
“Portugal é um exemplo em matéria de legislação para a proteção da natureza e, em particular, do lobo-ibérico, o que tem permitido manter a população desta espécie estável, apesar do seu estado de conservação desfavorável. Esta é a única espécie da fauna nacional que tem uma legislação específica, a Lei de Proteção do Lobo-Ibérico, pela qual está estritamente protegida há mais de três décadas”, destaca José Pereira, biólogo e presidente da Palombar.
O biólogo acrescenta que, nas últimas décadas, “foram desenvolvidas várias ferramentas e tem sido investida muita verba na conservação e proteção do lobo: compensação por prejuízos atribuídos ao lobo, promoção de uma maior proteção dos animais domésticos através da distribuição de cães de gado e apoio à instalação de vedações, implementação do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos, ações de fomento de presas selvagens e de melhoria do habitat, compatibilização de atividades económicas e monitorização da população”.
“Em paralelo, temos (ONG, academia, Estado e sociedade civil) feito um esforço humano e financeiro significativos para reverter a tendência, estabilizar e consolidar as populações de lobo e expandir a sua área de distribuição que, apesar de todo o trabalho feito até à data, tem vindo a contrair progressivamente, ocupando, atualmente e de forma regular, apenas cerca de 16 000 km2, em detrimento dos 19 400 km2 que ocupava em 1996 ou dos 44 100 km2 ocupados em 1930. Estes dados provam que não é, de todo, o momento para aligeirar o nível de proteção do lobo nem em Portugal, nem no território europeu”, remata.
Sensibilização e educação ambiental é essencial para desmistificar o regresso do lobo
A sensibilização e a educação ambiental “são essenciais para desmistificar o regresso do lobo, diminuindo o medo infundado e a aversão à espécie. Atualmente, muitas instituições políticas e económicas olham para o lobo com novos horizontes: o turismo ambiental inclusivo e responsável. O turismo centrado na herança cultural e edificada associada ao lobo oferece uma oportunidade para o desenvolvimento das comunidades rurais em áreas economicamente desfavorecidas e é crucial para envolver as comunidades locais e garantir uma coexistência sustentável entre humanos e lobos. Esta é uma área na qual a Palombar também tem apostado”, lê-se ainda na nota.
Implementar medidas do PACLobo é fundamental
As ONGA de Portugal consideram que é fundamental que as instituições europeias e os governos nacionais contrariem informações enganosas que possam colocar em causa todo o trabalho que tem sido desenvolvido nas últimas décadas para proteger e recuperar a espécie e destacam a importância de implementar as medidas previstas no “Plano de Ação para a Conservação do Lobo-Ibérico em Portugal” (PACLobo), publicado em Diário da República6 em 2017, para promover o aumento das populações de lobo em contexto nacional.
Atualmente, o lobo detém proteção legal na União Europeia, graças à Diretiva Habitats (Diretiva 92/43/CEE do Conselho) e à Convenção de Berna. Desde a década de 1990, muitos foram os projetos co-financiados pela União Europeia dedicados à conservação do lobo e à revitalização dos seus habitats. O retorno da espécie às paisagens europeias “é um marco importante na conservação de espécies com elevado grau de conflito com o Homem, algo só suportado pelo diálogo intenso entre conservacionistas e a população rural”, conclui.
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