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quinta-feira, 4 de maio de 2023

Empilhar pedras pode prejudicar a biodiversidade


Num artigo publicado na revista científica Human-Wildlife Interactions, uma equipa internacional de investigadores, da qual fazem parte vários investigadores do cE3c, alerta que o empilhamento de pedras pode prejudicar várias espécies, algumas das quais já ameaçadas de extinção. A criação de montinhos de pedras tem-se tornado uma prática popular um pouco por todo o mundo, encontrando-se associada ao turismo de natureza e à partilha de fotografias nas redes sociais.

Em passeio ou numa caminhada, pode já ter encontrado um destes montinhos de pedras. São cada vez mais populares e surgem inclusive em áreas protegidas – por exemplo no Parque Nacional do Teide em Tenerife, nas Ilhas Canárias (Espanha) ou no Parque Nacional de Thingvellir na Islândia –, onde se encontram associados ao crescimento do turismo de aventura e de natureza e à partilha de fotos nas redes sociais. Mas estas estruturas modificam o habitat de várias espécies animais e vegetais que utilizam rochas como refúgio ou que dependem das condições microclimáticas associadas às mesmas, prejudicando a biodiversidade nestes locais.

Montinhos de pedras no Parque Nacional de Thingvellir na Islândia. ©: Filipe Tavares.

Também em Portugal existem locais onde os visitantes deixam a sua marca – como na Serra da Estrela e em diversas praias na Costa Vicentina, por exemplo. Apesar de poderem ser úteis como marco de orientação em zonas montanhosas, chamados de mariolas neste caso, os montes de pedras, quando não têm o intuito de sinalizar o caminho podem induzir caminhantes em erro e trazer danos para a biodiversidade. No artigo de opinião agora publicado, os investigadores alertam para o potencial impacto desta prática.

“Esta prática tem um impacto preocupante em zonas sensíveis para a conservação da natureza, pois existem diversas espécies, particularmente em zonas áridas, que dependem das condições microclimáticas associadas às pedras existentes nos seus habitats. Nas Ilhas Selvagens por exemplo, a maioria das pedras com mais de um palmo de diâmetro dão abrigo a uma ou mais osgas-das-Selvagens, uma espécie endémica e ameaçada de extinção. As pedras isoladas criam condições especiais de temperatura e humidade que são importantes para várias espécies e a disposição das pedras influencia a dinâmica entre predadores e presas ou entre competidores. Por isso mover, retirar ou partir estas pedras pode provocar um desequilíbrio no ecossistema”, explica Ricardo Rocha, primeiro autor deste artigo. Ricardo Rocha é investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos – CIBIO-InBIO, da Universidade do Porto.

Os investigadores descrevem o potencial impacto desta prática na Ponta de São Lourenço, o local mais a leste da Ilha da Madeira, incluído na Rede Natura 2000 e no Parque Natural da Madeira. Sendo um destino de turismo de natureza muito popular, nos últimos anos estas estruturas têm-se multiplicado, levando à erosão do solo e a danos na vegetação. Aqui, a perturbação de habitat associada à construção de montinhos de pedras ameaça várias espécies endémicas com distribuições muito reduzidas, como o briófito Riccia atlantica, classificada como ‘Criticamente em Perigo’ pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em inglês).

Lagartixa da Madeira (Teira dugesii), único réptil nativo da ilha, que depende das rochas para refúgio. ©: Ricardo Rocha.

Na Madeira, o único réptil nativo da ilha – a lagartixa da Madeira (Teira dugesii) – depende destas rochas para se refugiar. A Ponta de São Lourenço acolhe também uma grande diversidade de invertebrados – como a tarântula-insular (Hogna insularum), endémica do arquipélago, e a aranha-flor-da-Madeira (Misumena nigromaculata), endémica especificamente da Madeira – que dependem da disponibilidade e da não perturbação destas rochas para sobreviver. É também esse o caso de vários moluscos terrestres endémicos da Ilha da Madeira, como o caracol de São Lourenço (Amphorella tornatellina minor), que se encontra restrita à Ponta de São Lourenço.

“Existem várias espécies que dependem destas pedras como abrigo e, por isso, pedimos a quem visita zonas sensíveis para a conservação da natureza que não mova estas pedras. Limitem-se aos trilhos pré-existente e tentem reduzir o vosso impacto ao máximo. Não é fácil antecipar quais as consequências que atividades aparentemente inócuas, como a construção destes montinhos de pedras, podem ter em zonas com espécies sensíveis e ameaçadas”, alerta Ricardo Rocha.

Painel informativo na Ponta de São Lourenço, Parque Natural da Madeira, alertando os visitantes para a importância de respeitar e preservar os valores do local, em particular para a importância de não mover as pedras. ©: Ricardo Rocha.

Em zonas urbanizadas, como na Praça do Comércio, em Lisboa, onde também podemos encontrar estas estruturas, a atividade não é particularmente problemática, do ponto de vista do investigador. “No entanto, mesmo nestas zonas, a construção destes montinhos de pedras eventualmente leva a banalização destas estruturas, e isso pode, quase que por contágio, induzir a construção destes montes de pedras em zonas mais sensíveis”, explica Ricardo Rocha. Deste modo, os investigadores incentivam também as autoridades a impor restrições na construção destas estruturas e a desmantelar as já existentes, de modo a não encorajar novas construções que possam constituir uma ameaça à biodiversidade em zonas particularmente sensíveis.

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