E se cada ser humano do mundo, com acesso a 500 metros quadrados de terra arável, pudesse produzir, com as suas mãos, a sua própria casa, a sua própria comida, as suas próprias ferramentas e roupas? Conseguiria sobreviver? Viveria com qualidade?
Em meados dos anos 80, quando era ainda um estudante na Alemanha, o finlandês Lasse Nordlund colocou a si próprio estas mesmas questões e tomou uma decisão que viria a mudar, para sempre, o seu percurso. “Ele é a única pessoa na Finlândia conhecida por ter vivido de forma completamente auto-sustentável durante anos”, refere o fotojornalista Touko Hujanen na sinopse do projecto fotográfico Forest Family, que faz o retrato do modo de vida família Nordlund ao longo das várias estações do ano de 2018, em Valtimo, na província Finlândia Oriental – imagens que estão em exposição em Braga, ao abrigo do festival internacional de fotografia Encontros da Imagem, até 31 de Outubro
Sozinho, durante doze anos – entre 1992 e 2004 –, Lasse fez, construiu e cultivou tudo aquilo de que necessitou sem recorrer, uma única vez, ao uso de moeda. Hoje, Lasse, a esposa Maria Dorff e os dois filhos vivem de forma quase auto-suficiente. “O recorde de dinheiro gasto pela família é de 50 euros por ano”, refere o fotógrafo. “Continuam a construir e a produzir quase tudo aquilo de que necessitam. Mas a premissa que está na base do seu estilo de vida não é a sobrevivência isolacionista, mas sim o desejo de ser capaz de produzir tudo à mão e, assim, ter uma vida significante.”
A família sabe que é possível, “sob determinadas condições mentais e materiais”, viver no interior de um Estado, como é a Finlândia, sem dele depender, voluntariamente. “Para mim, auto-suficiência tornou-se sinónimo de liberdade de consciência”, pode ler-se no manifesto The Foundations of our Life: Reflections about Human Labour, Money and Energy from Self-sufficiency Standpoint, que Lasse escreveu em 2008.
O manifesto do finlandês faz, em traços gerais, a análise do funcionamento das grandes indústrias mundiais e da sua enorme dependência de combustíveis fósseis, para concluir que essas, em nome da saúde das economias dos grandes Estados, acabarão por “devorar” todos os recursos naturais do planeta. Na génese do problema está, crê, a necessidade da existência de uma indústria que sustenta grandes colectividades.
Lasse acredita que as sociedades deveriam organizar-se em estruturas mais pequenas. "É importante que paremos de pensar unicamente em nações e Estados quando pensamos em comunidades", refere. "Quanto mais cresce uma comunidade em número de elementos, mais recursos são necessários para o seu funcionamento. A infra-estrutura necessária para sustentar uma comunidade 'forçada' do tamanho de um Estado ["forçada" no sentido de não haver elo de ligação interpessoal a não ser um conceito de nacionalidade] torna deficitária a balança energética." Lasse explica: uma vez que passa a ser necessário que parte do grupo assuma funções de organização e liderança, ou seja, funções alheias à produção de bens essenciais, maior se torna a fatia do grupo que não produz bens e que necessita de consumi-los. O finlandês aponta esse desequilíbrio como estando na base da necessidade de produção industrial.
Para o finlandês, se o curso que trilhamos, enquanto humanidade, se mantiver inalterado, as consequências poderão ser nefandas. No quinto capítulo do documento, Lasse refere uma possível falência das democracias, que “não terão a capacidade de prevenir o surgimento do totalitarismo quando os recursos se tornarem demasiado escassos”. Acredita, por isso, que a adopção de um estilo de vida de auto-subsistência, sem dependência industrial, é a única resposta ecológica e politicamente sustentável a longo prazo – a única que garante a o equilíbrio e o respeito pelo ecossistema em que estamos inseridos.
Lasse Nordlund e Maria Dorff, que se tornaram figuras-chave do “movimento pós-fóssil”, fundaram recentemente uma “escola de auto-suficiência”, em Rasimäki, Valtimo, com o objectivo de “ajudar quem deseja tornar-se totalmente independente de uma cultura e de um sistema económico que tem por base o consumo de combustíveis fósseis”. A abertura do primeiro ano lectivo “da única escola do mundo deste tipo” está marcada para 2021 e terá disciplinas que tocam os temas de auto-sustentabilidade, política energética, crítica económica, produção de alimentos e objectos.
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