No caso dos economistas, é muito fácil perceber quando estão a mentir: 1. quando se põem a prever o futuro; 2. quando dizem que não fazem, nem se metem em, política.
Na verdade, a ciência social, que é a economia, lida com fenómenos humanos e sociais que, ontologicamente, são de previsão fina impossível. Ao contrário da física, que é regida por leis, na economia não há tal coisa, apenas tendências de comportamento individual e coletivo. Ao mesmo tempo, o objeto sobre o qual atuam as políticas económicas são as pessoas e as sociedades. Ora, ao contrário do betão, que reage sempre de mesma forma à pressão que sobre ele é exercida por uma dada estrutura de engenharia, os seres humanos e as sociedades reagem de formas sempre diversas, nomeadamente porque conseguem antecipar as políticas, adaptando-se ou transformando-se.
Por outro lado, os engenheiros não têm que ter preocupações ideológicas, uma vez que não nos temos que preocupar com a “vida” do betão. Já os economistas, como todas as políticas que advogam afetam fortemente a vida das pessoas, e a vida humana e a sua qualidade é tudo o que importa, têm que explicitar quais são os seus pressupostos ideológicos.
Se é possível fazer ciência económica, tentando encontrar quais os determinantes de certos fenómenos da economia (ainda que com muitas dificuldades, por falta de dados e de condições experimentais), já não é possível fazer qualquer aconselhamento de política sem um teor ideológico.
Infelizmente, aquilo que mais vemos são economistas com voz pública a debitarem o que deve ser feito em termos de políticas económicas, arrogando-se de uma suposta neutralidade.
Na prática, o que fazem é proclamar um conjunto de medidas que, supostamente, são as mais conducentes ao crescimento económico, dizendo que isso é “o bem” da sociedade e da economia (tanta ideologia aqui!).
Acontece que isso é falso! Falso porque algumas dessas conclusões derivam de modelos fantasistas, sem provas empíricas; e porque não é o crescimento económico, em si, que cria o bem-estar humano.
Não é por as sociedades ficarem mais ricas que, necessariamente, as pessoas vivem melhor, são mais felizes, nem que o planeta é sustentável.
Aliás, quando Simon Kuznets criou o PIB, disse, expressamente, que esse não era um indicador de bem-estar, apenas uma contabilidade da produção anual de uma nação.
Acontece que a cegueira ideológica que, infelizmente, domina a academia económica, elevou o PIB ao estatuto de grande objetivo da economia, levando os políticos e as organizações internacionais por arrasto (FMI, Banco Mundial, OCDE ou U.E.), com o beneplácito financiador daqueles poucos que, de facto, beneficiam sempre muito com o crescimento económico.
Mas o séc. XXI está a dar provas empíricas (a pandemia é apenas um exemplo) de que essa cegueira ideológica tem que terminar: crescer economicamente não garante a paz, a felicidade nem a sustentabilidade.
Mais do que um problema de quantidade, temos um problema de qualidade e temos de responder às questões: como crescer? para quê crescer?
Como os economistas do séc. XVIII e XIX bem sabiam, e os economistas da felicidade o recordam agora, só faz sentido crescer se produzirmos felicidade, algo que não é automático (como a maioria dos economistas atuais pensa), pois que o aumento do PIB não garante o aumento da felicidade (hoje sabemo-lo cientificamente). E como os ecologistas nos avisam, só podemos crescer na justa medida em que o planeta aguente e se regenere.
Assim, é precisa uma forte mudança: cultural, institucional e ideológica.
Para essa mudança, quer a Economia da Felicidade, quer a Economia de Francisco podem ser fortes contribuintes.
A economia da felicidade, ramo de investigação da ciência económica, já com mais de 25 anos de produção científica ao mais alto nível, ensina-nos que a relação entre o PIB e a felicidade não é linear, e que quanto mais rica é uma nação, menos o PIB consegue gerar felicidade adicional.
E isso acontece porque os seres humanos não são, nem se comportam como, as máquinas hiper-racionais, monetariamente calculistas, que surgem nos livros de economia ensinados nas faculdades.
Ao contrário, somos seres que se adaptam (ao que ganhamos e ao que perdemos), se comparam (consigo próprios no passado, com os outros e com os quadros de referência), têm expectativas (e ficamos felizes se as superaremos, infelizes se as frustramos), se posicionam socialmente (tendo prazer em estar no topo e sofrendo estando na base), agem de acordo com princípios de altruísmo, empatia e reciprocidade e para os quais os bens relacionais são mais importantes que os materiais.
Mais, as diferentes dimensões da nossa vida não são substituíveis: não se compra amor com dinheiro, nem se obtém realização profissional através do lazer.
Acontece que o crescimento económico desenfreado do séc. XX produziu muita coisa à custa da destruição de afetos, de laços sociais, de saúde mental, de beleza natural, de silêncio, de culturas locais e de esquemas de cooperação, acicatando uma competição individualista maligna. E muito do que produziu foi poluição e produtos conspícuos e viciantes, que não são capazes de produzir felicidade duradoura.
Ter mais bens materiais, mas ter menos tempo livre, menos família, amigos e colegas, menos cooperação e estabilidade no trabalho, menos solidariedade, menos vizinhança ou menos beleza natural é uma via de perda de bem-estar. Isto, a ciência da felicidade já nos demonstrou.
Ao mesmo tempo, a Igreja Católica está comandada por um Papa interventivo, que quer que o mundo seja guiado pelo amor fraterno cristão, “todos irmãos, todos filhos de Deus”.
Nessa lógica, foi criada a iniciativa “Economia de Francisco” que mais não é que uma doutrina económica que visa “fraternizar” a economia global, não permitindo que, sob o pretexto do crescimento económico, valha todo o desrespeito pelo ser humano e pela natureza.
O Papa denuncia os males que a globalização desregulada e os mercados sem freio têm provocado, desde a desigualdade crescente entre as pessoas, passando pelas guerras ou pela exploração insustentável dos recursos naturais (ver a Encíclica “Fratelli Tutti” de 2020).
Esta interessante convergência entre a Economia da Felicidade e a Economia de Francisco, com economistas como Jeffrey Sachs, Stefano Zamagni, Leonardo Becchetti ou Stefano Bartolini – que tenho o prazer de conhecer pessoalmente das conferências académicas da economia da felicidade, que tenho acompanho desde 2005 – a estarem nos dois “campos de batalha”, permite a comunhão de pessoas: os que vêm pelo lado da ciência (Economia da Felicidade) e os que vêm pelo lado da doutrina cristã (Economia de Francisco). Todos compreendendo que o modelo económico para o séc. XXI já não pode ser o do séc. XX, extractivista, consumista, materialista.
Temos de encontrar alternativas num crescimento moderado, sustentável, redistributivo e de qualidade. Só assim se produzirá uma efetiva felicidade sustentável.
Os economistas que negam isto têm uma visão psicopática, uma cegueira ideológica pela produção material, negando a natureza empática, cooperativa, relacional, contemplativa e espiritual do ser humano.
De resto, precisamos de todos, para fazer esta mudança acontecer.
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