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terça-feira, 26 de maio de 2020

Gonçalo Ribeiro Telles, por Fernando Santos Pessoa


No dia 25 de Maio, deste ano da pandemia de 2020, comemoram-se e festejam-se os 98 anos de idade do Prof. Arq.º Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles.

Figura tutelar da defesa da paisagem e da intervenção ecologicamente fundamentada no território, a ele se fica a dever o lançamento da Política de Ambiente em Portugal, cujas bases programáticas, apesar de muito adulteradas e promiscuamente manipuladas, ainda são as da legislação primeva que ele fez publicar quando lhe deram possibilidade de passar pelo Poder.

Ainda nos Governos Provisórios começou com os primeiros diplomas legais e instituiu na Secretaria de Estado do Ambiente dois serviços fundamentais: o Serviço de Estudos de Ambiente, que seria a matriz para mais tarde se criarem diversos organismos especializados, e o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico, dedicado à Conservação da Natureza e à criação das Áreas Protegidas, mas também ao património inscrito na paisagem, que não era (e continua a não ser…) tido em conta por aquilo que representa: o testemunho mais válido deixado pela vida das sociedades ao longo das gerações.

Já poucos se recordam de o verem, inesperadamente, surgir no jornal da Televisão naquela trágica noite de 1967 depois das catastróficas inundações na região de Lisboa em que morreram muitas centenas de pessoas e foram arrasadas habitações, campos e estradas. E ele surgiu para explicar que tudo se devia à falta de ordenamento do território e à ocupação das cabeceiras das bacias hidrográficas por gente que vivia em condições miseráveis de habitação – um escândalo naquele regime!

Foi mais tarde, enquanto ministro de Estado e da Qualidade de Vida, que fez sair a legislação fundadora da Política de Ambiente, em que se destacam a Reserva Agrícola Nacional (RAN), para defender a pequena percentagem de solos de maior fertilidade de que o país dispõe; a Reserva Ecológica Nacional (REN), a qual, embora muito manipulada, continua a proteger minimamente os valores mais importantes da biodiversidade; os PROTs, que criaram pela primeira vez o conceito de ordenamento regional acima dos municípios; os PDMs, que ainda hoje, apesar de muitas vezes terem saído desequilibrados nas relações de tratamento entre o espaço rural e o urbano, são os instrumentos das intervenções sustentáveis sobre a paisagem; e muita outra legislação de defesa do Ambiente.

As lutas que travou ao longo da vida marcaram a sociedade portuguesa e foram testemunho do pensador e do técnico que estava em regra à frente do seu tempo. Considerado utópico quando há mais de 50 anos se batia pelas hortas urbanas de Lisboa, elas são hoje um sinal da modernidade municipal adaptada à ecologia global.

Vem do tempo do Estado Novo o prestígio que o celebrizou, quer como subscritor de documentos da oposição, quer nas campanhas eleitorais pelos movimentos monárquicos populares e pela CEUD, quer ainda no plano cultural, já que esteve na fundação do Centro Nacional de Cultura (CNC), de que é hoje o único fundador ainda vivo. O CNC foi na época um pólo prestigiado de insubmissão e discussão da política e da cidadania.

Ficou gravada na História de Lisboa a sua intervenção na Avenida da Liberdade com um projecto de urbanismo inovador, que foi recusado pelo município depois de iniciada a sua construção – e de que resultou a sua demissão. E o projecto que propôs incansavelmente durante décadas para o prolongamento da mesma Avenida como um corredor verde até Monsanto – de “penetração de natureza viva no coração de Lisboa”. Como fora já a integração da entrada em Lisboa a partir da auto-estrada do Norte como um corredor verde até ao parque naturalizado de Alvalade.

Eram necessárias muitas páginas para continuar a falar das grandes ideias e projectos de Gonçalo Ribeiro Telles e da sua actividade pedagógica e académica: desde o Instituto Superior de Agronomia, donde saiu por ter sido expulso do ensino quando coadjuvava o Prof. Francisco Caldeira Cabral a lançar o Curso de Arquitectura Paisagista, até à criação do mesmo curso na Universidade de Évora.

Fica tanto por dizer, desde conceitos como paisagem global, jardim do paraíso, e toda uma complexa e holística concepção da Vida, do Homem e da Terra.

Não abundam em Portugal muitas personalidades com a dignidade, a sabedoria e a humildade inata do Gonçalo Ribeiro Telles, cuja vida foi sempre um empenho contínuo em prol da beleza, da integridade do Homem e da Natureza, da liberdade e da cidadania. O país terá sempre para com ele uma enorme dívida de gratidão.

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Que se ergam bem alto as taças neste dia 25 de Maio de 2020!


Arquitecto paisagista. Engenheiro silvicultor

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