Na época do ano em que por todo o país se multiplicam os trabalhos de poda, quer nos espaços privados quer nos públicos, a bióloga da Universidade de Aveiro Rosa Pinho deixa o alerta contra “as podas radicais a que as árvores são sujeitas, que lhes tiram a beleza e reduzem drasticamente as suas funções ecológicas”. Um cenário frequente que a responsável pelo herbário da academia de Aveiro quer ver alterado: "as nossas árvores continuam à mercê das vontades e não do conhecimento”.
No início do novo milénio cerca de 45 por cento da população mundial vivia nas cidades, um fenómeno de notável tendência crescente que exige a tomada urgente de medidas que promovam o desenvolvimento sustentável das cidades. Neste contexto, os espaços verdes urbanos, muitas vezes ameaçados, em favor de áreas de património construído, desempenham um papel extremamente importante na qualidade de vida do meio urbano.
São sobretudo as árvores existentes nos espaços verdes e arruamentos as principais responsáveis pela qualidade de vida das cidades, pois para além de adornarem a urbe, possuem um elevado valor ecológico devido nomeadamente ao seu contributo para a purificação do ar, para a diminuição da poluição sonora e diminuição do impacto das chuvas. Favorecem o microclima da cidade, promovendo a conveniente circulação da água e do ar, proporcionam sombra e refúgio para inúmeras espécies de animais, atraindo especialmente a avifauna, mantendo assim o equilíbrio dos ecossistemas, contrabalançam com a sua presença o artificialismo do meio urbano que tanto afeta a saúde psicossomática das populações, valorizando muito a qualidade de vida local.
Embora com todos estes e mais alguns atributos é notória a falta de sensibilidade para o importante papel da árvore no meio urbano. Comprovam isto as podas radicais a que são sujeitas, que lhes tiram a beleza e reduzem drasticamente as suas funções ecológicas.
A poda de árvores é uma agressão a um organismo vivo, que possui estrutura e funções bem definidas e alguns mecanismos e processos de defesa contra seus inimigos naturais. Contra a poda e suas consequências danosas não existe defesa, a não ser a tentativa desesperada de recompor a estrutura original, definida geneticamente.
A poda é sempre uma operação desvitalizante, elimina uma grande parte da copa das árvores chegando nos casos mais drásticos à eliminação total. Como consequência, a superfície fotossinteticamente ativa é parcial ou totalmente eliminada, pelo que a árvore fica bastante debilitada. Esta gravidade, causada pela poda, estimula um tipo de mecanismo de sobrevivência no sentido da árvore se recompor do traumatismo sofrido, recorrendo para tal às suas reservas energéticas. Se a árvore não dispõe de tais reservas em abundância, ficará gravemente debilitada, podendo em muitos casos morrer.
Uma árvore debilitada fica mais vulnerável ao ataque de pragas e doenças, sendo que alguns insetos e fungos acabam por se aproveitar destas fragilidades e instalam-se, acelerando nalguns casos a morte das árvores. Uma árvore decapitada fica completamente desfigurada e debilitada, e jamais recuperará por completo a sua forma natural. A decapitação é uma prática incoerente com a fisiologia das árvores, cientificamente errada e socialmente inaceitável.
Outro mecanismo de sobrevivência das árvores, como resposta a esta operação traumática, é a produção de múltiplos rebentos, o que lhes causa um grande desgaste. Isto é interpretado muitas vezes e erradamente como um rejuvenescimento da árvore, mas não passa de uma tentativa desesperada e inglória de reposição da copa inicial. Os novos rebentos crescem muito rapidamente, podendo nalgumas espécies alcançar 6 metros no primeiro ano. Infelizmente, estes novos ramos de grande fragilidade mecânica têm tendência para partir com facilidade, principalmente por ação de ventos fortes. Neste caso, vira-se o feitiço contra o feiticeiro, em que a mutilação vista como uma forma de proporcionar segurança, torna-se numa forte ameaça para os transeuntes. A mutilação fará uma árvore mais perigosa a médio e longo prazo.
Além da falta de estética que as árvores passam a apresentar, com a "poda radical" a que são sujeitas, as feridas deixadas pelos cortes, às vezes de difícil cicatrização, são um perigo permanente de entrada de organismos patogénicas, além disso, os gomos dormentes que as árvores possuem e que normalmente não rebentariam vão provavelmente rebentar e deformar a própria árvore. Alguns tumores, que muitas vezes são observados nas árvores ornamentais, resultam de muitas podas sucessivas.
Decapitando árvores frondosas, estas estarão à partida condenadas a não cumprir a sua função ambiental de purificar o ambiente, proporcionar sombra e frescura, servir de habitat para pequenas aves que ali nidificavam.
A poda não é uma operação cultural normal em árvores ornamentais ou florestais, mas sim em árvores de fruto. A poda em árvores ornamentais é necessária apenas em casos de emergência.
A propósito das podas radicais nas árvores o saudoso Eng. Agrónomo e Silvicultor Joaquim Vieira da Natividade dizia: o podador domina porque enfraquece, vence porque suprime, em boa verdade a vitória não é brilhante!
No livro A Árvore em Portugal de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles, cuja 1ª edição foi publicada em 1960, podemos encontrar várias referências que condenam o uso de podas radicais: Qualquer supressão de que resulta um aspeto definitivamente mutilado da árvore, deve considerar-se inadmissível visto comprometer definitivamente a finalidade estética da planta ornamental. Passados 56 anos desta publicação, a evolução nas mentalidades e sensibilidades ainda não atingiu o patamar da excelência e as nossas árvores continuam à mercê das vontades e não do conhecimento.
Fonte: Jornal Online Universidade de Aveiro, 29.1.2016
Outras Leituras Podas camarárias e a Arte de lidar com as Árvores em Portugal- Que justificação para o exagero?
Consequências da mutilação das árvores
No início do novo milénio cerca de 45 por cento da população mundial vivia nas cidades, um fenómeno de notável tendência crescente que exige a tomada urgente de medidas que promovam o desenvolvimento sustentável das cidades. Neste contexto, os espaços verdes urbanos, muitas vezes ameaçados, em favor de áreas de património construído, desempenham um papel extremamente importante na qualidade de vida do meio urbano.
São sobretudo as árvores existentes nos espaços verdes e arruamentos as principais responsáveis pela qualidade de vida das cidades, pois para além de adornarem a urbe, possuem um elevado valor ecológico devido nomeadamente ao seu contributo para a purificação do ar, para a diminuição da poluição sonora e diminuição do impacto das chuvas. Favorecem o microclima da cidade, promovendo a conveniente circulação da água e do ar, proporcionam sombra e refúgio para inúmeras espécies de animais, atraindo especialmente a avifauna, mantendo assim o equilíbrio dos ecossistemas, contrabalançam com a sua presença o artificialismo do meio urbano que tanto afeta a saúde psicossomática das populações, valorizando muito a qualidade de vida local.
Embora com todos estes e mais alguns atributos é notória a falta de sensibilidade para o importante papel da árvore no meio urbano. Comprovam isto as podas radicais a que são sujeitas, que lhes tiram a beleza e reduzem drasticamente as suas funções ecológicas.
A poda de árvores é uma agressão a um organismo vivo, que possui estrutura e funções bem definidas e alguns mecanismos e processos de defesa contra seus inimigos naturais. Contra a poda e suas consequências danosas não existe defesa, a não ser a tentativa desesperada de recompor a estrutura original, definida geneticamente.
A poda é sempre uma operação desvitalizante, elimina uma grande parte da copa das árvores chegando nos casos mais drásticos à eliminação total. Como consequência, a superfície fotossinteticamente ativa é parcial ou totalmente eliminada, pelo que a árvore fica bastante debilitada. Esta gravidade, causada pela poda, estimula um tipo de mecanismo de sobrevivência no sentido da árvore se recompor do traumatismo sofrido, recorrendo para tal às suas reservas energéticas. Se a árvore não dispõe de tais reservas em abundância, ficará gravemente debilitada, podendo em muitos casos morrer.
Uma árvore debilitada fica mais vulnerável ao ataque de pragas e doenças, sendo que alguns insetos e fungos acabam por se aproveitar destas fragilidades e instalam-se, acelerando nalguns casos a morte das árvores. Uma árvore decapitada fica completamente desfigurada e debilitada, e jamais recuperará por completo a sua forma natural. A decapitação é uma prática incoerente com a fisiologia das árvores, cientificamente errada e socialmente inaceitável.
Outro mecanismo de sobrevivência das árvores, como resposta a esta operação traumática, é a produção de múltiplos rebentos, o que lhes causa um grande desgaste. Isto é interpretado muitas vezes e erradamente como um rejuvenescimento da árvore, mas não passa de uma tentativa desesperada e inglória de reposição da copa inicial. Os novos rebentos crescem muito rapidamente, podendo nalgumas espécies alcançar 6 metros no primeiro ano. Infelizmente, estes novos ramos de grande fragilidade mecânica têm tendência para partir com facilidade, principalmente por ação de ventos fortes. Neste caso, vira-se o feitiço contra o feiticeiro, em que a mutilação vista como uma forma de proporcionar segurança, torna-se numa forte ameaça para os transeuntes. A mutilação fará uma árvore mais perigosa a médio e longo prazo.
Além da falta de estética que as árvores passam a apresentar, com a "poda radical" a que são sujeitas, as feridas deixadas pelos cortes, às vezes de difícil cicatrização, são um perigo permanente de entrada de organismos patogénicas, além disso, os gomos dormentes que as árvores possuem e que normalmente não rebentariam vão provavelmente rebentar e deformar a própria árvore. Alguns tumores, que muitas vezes são observados nas árvores ornamentais, resultam de muitas podas sucessivas.
Decapitando árvores frondosas, estas estarão à partida condenadas a não cumprir a sua função ambiental de purificar o ambiente, proporcionar sombra e frescura, servir de habitat para pequenas aves que ali nidificavam.
A poda não é uma operação cultural normal em árvores ornamentais ou florestais, mas sim em árvores de fruto. A poda em árvores ornamentais é necessária apenas em casos de emergência.
A propósito das podas radicais nas árvores o saudoso Eng. Agrónomo e Silvicultor Joaquim Vieira da Natividade dizia: o podador domina porque enfraquece, vence porque suprime, em boa verdade a vitória não é brilhante!
No livro A Árvore em Portugal de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles, cuja 1ª edição foi publicada em 1960, podemos encontrar várias referências que condenam o uso de podas radicais: Qualquer supressão de que resulta um aspeto definitivamente mutilado da árvore, deve considerar-se inadmissível visto comprometer definitivamente a finalidade estética da planta ornamental. Passados 56 anos desta publicação, a evolução nas mentalidades e sensibilidades ainda não atingiu o patamar da excelência e as nossas árvores continuam à mercê das vontades e não do conhecimento.
Fonte: Jornal Online Universidade de Aveiro, 29.1.2016
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Consequências da mutilação das árvores
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