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sexta-feira, 4 de março de 2005

Documentário da Semana: o Parque Botânico de Castelo Branco




Debaixo do solo, a abundante vegetação do Parque Botânico da Escola Superior Agrária de Castelo Branco, laboratório vivo de alunos e técnicos, devora o que resta de uma antiga lixeira. Agora que a nova variante sul à cidade ameaça rasgar ao meio aquele espaço, todos duvidam que a fauna e flora ali refugiadas consigam libertar-se das garras do asfalto.

Ao percorrermos o emaranhado de terrenos do Parque Botânico da Escola Superior Agrária de Castelo Branco (ESACB), descobrimos um nicho de biodiversidade vegetal que serve de refúgio a inúmeros mamíferos, répteis, anfíbios e insectos. Aos ouvidos sobressai o canto de algumas aves, mas dizem os especialistas que por ali também vivem coelhos, cágados, sapos, raposas, saca-rabos, ginetos e até lontras.

A história do parque remonta a 1983, quando os 15 hectares da antiga lixeira da cidade, que funcionou até à década de 1970, foram povoados pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro com seis mil árvores e arbustos de 90 espécies diferentes, depois de removidos os detritos e criadas as áreas de afloramento. A ajuda veio também de jardins botânicos como o de Lisboa, que doaram sementes e propágulos à então nova instituição de ensino superior.

Decorridas duas décadas, algumas árvores morreram devido à toxicidade do terreno, mas continuam de pé. “Aqui só se abatem as árvores que têm problemas patogénicos graves”, explica Luísa Nunes, docente e responsável pelo Parque Botânico da ESACB. “Mesmo as doentes são muito úteis para algumas cadeiras”.

Espalhadas pelos 22 hectares da Quinta da Senhora de Mércoles encontram-se agora cerca de nove mil árvores de mais de 100 espécies diferentes, desde os ciprestes, áceres, palmeiras e bétulas, a outras mais raras como os cedros do Médio Oriente, ou exemplares autóctones como o carvalho das beiras, muito sacrificado na produção de lenha.

Para o visitante, a melhor forma de apreciar a beleza do conjunto é utilizar o circuito de manutenção, inaugurado em Março de 2002, e que nos seus dois quilómetros percorre grande parte do Parque Botânico, sendo mais procurado na Primavera e no Verão.

Um laboratório vegetal vivo
As plantas semeadas começam o seu ciclo de vida nos viveiros, mas as que são produzidas por estacaria passam primeiro pela estufa. Aqui espera-as um substrato de terra que inclui esferovite e leca (argila expandida) para aumentar o seu ritmo de crescimento. A venda de muitas das plantas, grande parte delas ornamentais, é a única fonte de receitas do parque.

A média de 500 euros mensais ajuda apenas a atenuar as dificuldades financeiras da estrutura. “Se pudéssemos produzir mais, vendíamos tudo”, acrescenta Luísa Nunes. No entanto, no meio de tantas plantas, protegidas por redes da luz e da geada, existem muitos exemplares exóticos e que não estão à venda. “Nós também somos coleccionadores”, contrapõe Carlos Grácio, um dos dois técnicos do Parque Botânico, assegurando que o viveiro não é um supermercado de plantas, mas um laboratório vegetal vivo.

Apesar da falta de recursos, a responsável pelo parque pretende criar o Jardim das Borboletas, atraindo diversas espécies a partir da instalação de plantas ricas em néctar. Projectada está também a reprodução em cativeiro de borboletas tropicais a importar do Reino Unido. Um jardim de cactos e um painel informativo sobre os circuitos, plantas e animais existentes no local são outros projectos em mente.

Lamentando o facto de grande parte da comunidade desconhecer ainda o parque, Luísa Nunes não deixa de aplaudir o trabalho ali desenvolvido por técnicos e alunos. “Transformou-se um sítio completamente degradado num espaço bonito”, recorda, pelo que espera que se consigam os meios necessários.

Mas à medida que a cidade cresce, aumenta a pressão urbana sobre o Parque Botânico da ESACB. Em 1994, ano em que fora proposta à autarquia a abertura ao público daquele espaço, era aprovado o Plano Director Municipal do concelho. No documento estabelecia-se a passagem da variante sul de Castelo Branco pelo coração do parque, prevendo-se que as obras arranquem ainda em 2004.

“Se abrirem uma ferida na zona onde temos os melhores exemplares, vão inviabilizar o habitat e os animais não terão para onde ir”, assegura Luísa Nunes. “Se este parque se situasse em Inglaterra, por exemplo, onde se dá prioridade à preservação dos habitats de que defendem as espécies, este problema não se colocava”.

José Monteiro, director da ESACB, considera que de momento há que “promover o entendimento entre a escola e a Câmara Municipal”, já que a autarquia, desde que o assunto voltou a ser discutido em 2001, garantiu que tudo irá fazer para “reduzir à expressão mínima possíveis consequências da construção da variante”.

O fantasma da variante
Para além de uma “ilha de fauna”, como lhe chama a responsável pelo parque, este é também o local de trabalho dos alunos do curso de Engenharia Florestal, que aqui assistem a muitas aulas práticas, ministradas ao ar livre, e a outras semi-práticas, que funcionam num pequeno anfiteatro, mobilado com cadeiras adquiridas ao Tivoli de Lisboa.

“A estrada vai destruir um espaço muito útil para nós”, refere Sérgio Moura, aluno do 3ºano daquele curso da ESACB e um dos muitos que dedicam ao parque algumas horas do seu tempo livre. “Uma coisa é estarmos a olhar para os livros, outra é vermos aqui as espécies. Se pudéssemos, vínhamos cá todos os dias”, adianta o estudante, arrancando a erva a um canteiro. Opinião semelhante tem Eduardo Afonso. “Dantes tínhamos de ir para a vacaria. Agora andamos de enxada na mão”.

Fazendo tudo o que é necessário para manter o espaço – semear, plantar, podar, mondar, sachar ou regar –, os alunos aplicam no terreno os conhecimentos adquiridos durante as aulas. “Este é um dos únicos sítios que temos para aprender. Aqui há espécies que não existem em mais nenhum sítio da cidade e da região”, comenta Eduardo Afonso.

Por cada dia de trabalho voluntário, num gesto simbólico de incentivo aos estudantes, a ESACB oferece uma refeição. “Acho que os alunos têm muito boa vontade. Falta é pessoal especializado”, lamenta Ângela Antunes, técnica no parque.

Com o previsível aumento da poluição sonora, Carlos Grácio garante que a fauna existente no parque irá diminuir. “Isto para nós é uma sala de aulas. A estrada vai-nos destruir o local onde estudamos”, sustenta o técnico da ESACB, criticando a forma discreta como foram colocadas as primeiras estacas indicando o traçado da via. “Criámos aqui uma cidade vegetal e animal. Esta deve ser a maior área verde recreativa de Castelo Branco, que está muito pobre em espaços verdes. Falta coragem política para preservar o que já existe”, conclui Carlos Grácio.

A responsável pelo parque reforça os argumentos. “Não há em Portugal nenhuma instituição do ensino superior com um parque com estas características”, considera Luísa Nunes. “Isto é um luxo ao nível do ensino da botânica, da engenharia florestal e da ecologia”.

Jorge Costa
(artigo publicado na revista Raia, nº57 - Junho 2004)


“Parque Botânico - Escola Superior Agrária de Castelo Branco”
Formato: DVD PAL 4:3
Assistentes de Imagem: Vitor André e Bruno Silva
Locução: António Carvalho
Texto: Fernando Pereira
Consultores: Fernando Pereira e Fernando Queiroz Monteiro
Imagem e Realização: Carlos Reis
Produção: ESART/IPCB 2002

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