Inicialmente criada para debater a Carta da Terra, a lista de discussão da rede Lusofonia ou Lusófona teve seu cardápio de temas ampliado para questões relativas a "Década da educação para o desenvolvimento sustentável", lançada pela Unesco; Juventude, Gênero, Agenda 21, e outros temas que abrangem as diferentes dimensões da sustentabilidade. Nesta entrevista, a educadora Michèle Sato, do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental - GPEA e também da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, fala da relevância em se criar a rede e do fortalecimento de uma identidade lusófona em EA, bem como do mundo das ciências nessa construção.
Lusofonia
No geral, os objetivos da Rede estão centralizados na discussão da Carta da Terra e da complexidade nela inserida. Esta, por sua vez, abarca uma lista de temáticas e de interesses múltiplos, tais como, Educação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável, Agenda 21, Centros de EA, Juventude, Gênero, Relações Étnicas, etc. Educadores de países, tais como Açores, Angola, Brasil, Espanha, Galeria, Maloca, Portugal, Guiné, Cabo Verde, Príncipe, Macau e Timor participam da lista de discussão dessa rede.
Michèle Sato começou a entrevista explicando a concepção da rede. "A idéia da criação de uma Rede Lusófona é antiga. São aspirações, bem como desejos, de quem acredita na linguagem como uma das expressões culturais importante à construção de identidades, e aqui em especial, à identidade de quem atua no campo da EA".
"Geralmente, falamos em biodiversidade como um consenso absoluto no ambientalismo, mas, negligenciamos muito nossa pluralidade cultural. A busca deste desejo percorreu algumas tentativas, mas somente nas XII Jornadas Pedagógicas da Associação Portuguesa de Educação Ambiental - ASPEA-2005 nós fizemos a proposição e ela foi aceita amplamente. De lá pra cá, foi só disseminar a idéia que no Brasil e nos demais países teve excelente aceitação", disse Sato.
Sobre se a Lusofonia pode ser entendida como um movimento de educadores ambientais de língua portuguesa e espanhola em prol de determinada linha de EA, Michèle Sato disse, apenas, ser de pessoas atuantes na EA e falantes da língua portuguesa. Comentou, ainda, que alguns espanhóis 'independentes' que não querem a identidade espanhola por questões de envergadura política buscaram na Rede a construção de suas próprias identidades, como é o caso de grupos como Galeria e Maloca.
"O que vale na Lusofonia é a diversidade e a singularidade dos sujeitos que traçam um projeto comum de fortalecimento da EA. A lista de discussão lusófona não quer ser um canal informativo linear de 'transmissão-recepção' porque além do problema da falta de tempo e caixas postais cheias, a proposta é DEBATER criticamente o assunto em pauta para se engajar nas transformações necessárias do mundo", complementou a Sato.
Discussão
Segundo a educadora, a lista de discussão Lusófona debate sobre a iniciativa da UNESCO de lançar a "Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável - EDS", abrangendo o período 2005-2014. O debate tem se mostrado animado porque, embora no Brasil a EDS não esteja estruturada como uma linha específica de Educação Ambiental, a expressão é bastante utilizada. Segundo Michèle, a EDS é muito debatida na Europa. "Acredito que não tenhamos de divergir nos argumentos de 'contra ou a favor' da década, mas na sua superação e na tentativa do diálogo entre os diferentes".
Michèle citou o texto do Pablo Meira, da Universidade de Santiago de Compostela, como um "bom" referencial ao debate sobre EDS desde que, é claro, se possam sintetizar as diferenças em três esferas: A EA como se fosse uma árvore, firmada em suas raízes e troncos, mas ramificada em galhos e folhas múltiplas, e que considere a EDS como apenas uma destas folhagens - algo grande e infinito abarcando singularidades da efêmera década; O contrário pode ser uma reta linear, um caminho sem curvas como aquelas paisagens desérticas, um ponto de partida (a EA) e uma de chegada (EDS), como se fosse uma linha evolutiva darwiniana.
"Pessoalmente prefiro uma terceira opção: o diálogo aberto entre as duas esferas conectadas, que podem (e devem) intercambiar ideários políticos, arcabouços epistemológicos ou estratégias metodológicas. Se eu pudesse propor uma proposição política ao Brasil, proporia um diálogo entre elas à construção de uma grande comunidade de aprendizagem, mas, explicitaria minha identidade no campo da EA", expôs Sato.
Redes de EA
Segundo Michèle, no plano das redes, a Lusofonia significa uma organização de territórios, identidades e lutas que deseja o diálogo extra fronteiriço para que a comunicação não se transforme, apenas, na linha reta "transmissor-receptor", mas que consiga dar um movimento circular de diálogos à formação de uma grande comunidade de aprendizagem. "Espero, de coração, que esta recente rede consiga superar possíveis crises e caos, oferecendo a beleza que a REBEA nos dá hoje".
"Sabemos que, como todo movimento, a semeadura da REBEA deu frutos saborosos, mas ainda enfrenta tempos de estio e escassez. Talvez sejam estas curvas que constroem os movimentos não lineares das redes, clamando pela superação após períodos de turbulências, são os que tornam os desafios superados tão significativos", comentou a educadora.
Ciência
Para Michèle Sato, o mundo das ciências sempre privilegia uma atuação ou produção em inglês, ou secundariamente em francês e até espanhol. Entretanto, a literatura lusófona em EA, com especial ênfase no Brasil, é de riqueza acentuada e de consistência criativa que merece ser relevada.
Um desejo pessoal de Michèle é buscar financiamento para criação de uma Revista Lusófona de Educação Ambiental, onde as pessoas possam mostrar suas experiências no seu próprio idioma e espelhar o status de uma produção internacional.
"Para além de um academicismo cego, entretanto, desejo buscar uma aliança com a Revista Brasileira de Educação Ambiental - REVBEA, uma proposição menos acadêmica e, portanto, mais significativa do ponto de vista social. A meta é construir a EA unindo outros corações distantes, para além dos mares, contudo, que se aproximam e nos conferem uma identidade cultural", relatou Sato.
Educação
No contexto da "educação" Michèle Sato fez uma breve análise da proposta de uma Educação para o Desenvolvimento Sustentável da UNESCO. "Todos sabemos sobre a indefinição do termo 'Desenvolvimento Sustentável (DS)'. Durante a apresentação da UNESCO, ainda nas Jornadas ASPEA, uma educadora francesa, declarou que a década também serviria para definirmos melhor o que seja DS, sem reconhecer os riscos e armadilhas presentes em orientar a educação para algo sem definição. Provavelmente não deveria ser surpresa para nós, mas ouvir tal declaração da própria representante da UNESCO me causou certo constrangimento".
"Os documentos internacionais orientam a EDS para um planeta sadio, sustentável e com justiça social e proteção ambiental. Nenhum insano questionaria estes valores, mas a grande tônica, entretanto, é o direcionamento da educação à economia. Resta saber de qual economia estamos nos referindo", complementou Sato.
"Na página do Fundo Monetário Internacional - FMI há um link de uma proposta educativa. Apertando neste link, estaremos visitando a página do Banco Mundial, cujas proposições educativas se sustentam na década da UNESCO. Será uma mera coincidência? Não tenho nenhuma pretensão de esgotar esse assunto, mas seria interessante aguçarmos sentidos, trocar de lentes e olhar as orientações mais criticamente", propôs Michèle.
Segundo a educadora, recentemente, o Ministério das Ciências e Tecnologias enviou um edital de financiamentos a projetos com intercâmbios entre países europeus e em desenvolvimento. "A componente EDUCAÇÃO estava ausente, e ainda não pudemos aproveitar esta chance para um intercâmbio multilateral. Oxalá num outro edital, numa outra agência ou num outro momento qualquer".
Atuantes da EA
Michèle Sato concluiu a entrevista dizendo que a identidade de quem atua na EA está no movimento ambientalista e não no valor mercadológico do conceito de desenvolvimento. "Mudar é preciso sempre, mas não é preciso a tirania do tempo nos dizer que transformaremos o mundo em uma década. Uma revolução tem de ter mais consistência duradoura e não é a velocidade que a faz atrativa, senão a direção de nossas mudanças. Após esta década, a constatação da ilusão poderá revelar que a EA é 'aquilo que se revela aos povos, surpreende a todos não por ser exótico, mas pelo fato de ter sido ocultado, mesmo quando era o óbvio (Caetano Veloso)".
Saiba mais:Michele Sato michele@cpd.ufmt.br
Identidades da Educação Ambiental como rebeldia contra a hegemonia do desenvolvimento sustentável
Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: uma análise complexa - Lucie Sauvé
O "Ambiental" como valor substantivo: uma reflexão sobre a identidade da EA - Isabel Cristina de Moura Carvalho
Desenvolvimento (in)sustentável? - Leonardo Boff
Sustentabilidade e Educação - Gustavo Lima
Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável é lançada em Nova York
Sem comentários:
Enviar um comentário
1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome e sem abreviaturas.
2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico.
3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias.