Por Bernardino Guimarães,JN
Nada se vulgarizou mais do que este elogio ao redondo. Outro dia, no decorrer de uma conversa, alguém perguntava afinal de contas, qual será o principal perigo da contínua degradação do ambiente? A mim, para lá das catástrofes globais anunciadas, porventura inevitáveis se não se mudarem rumos e grandes escolhas, ocorreu-me que talvez a uniformização de tudo, da vida, do que nos rodeia e do que somos, seja afinal o risco maior. Sabemos que uma das marcas do nosso crescimento urbano, acelerado e disfuncional é a tendência para a uniformização da paisagem. Uma espécie decorrida para o nivelamento por baixo, para a mediocridade feita lei urbanística. Menos diversidade, mais pobreza, já sabemos. Por (quase) toda a parte, cidade e campo, se empastela e turva o olhar defronte das grandes "conquistas" da modernidade portuguesa. Vemos edifícios de sete andares pontificando em aglomerados rurais, prédios grandes e pequenos subindo colinas, tapando rios, invadindo praias, desafiando a lei e a gravidade. Nas cidades arrisca-se a invisibilidade do céu, edifícios tapando as vistas de outros edifícios, urbanizações "estilo internacional" ocupando o que eram zonas verdes, viadutos insolentes. Mas o padrão, o arquétipo de tudo isto é, sem dúvida, a rotunda. Não seria possível, talvez, entender a contemporaneidade sem essa muleta urbanística omnipresente. Os autarcas amam e difundem as rotundas com volúpia, como senão houvesse amanhã. Nada se vulgarizou mais do que este elogio ao redondo, ao circular, do que esta herdeira distante da invenção da roda, quiçá com laivos esotéricos impulsionando, através da circunferência, um simbolismo novo e só de alguns conhecido. Ninguém duvida da real influência do esférico na nossa vida pública, mas ,em vez de deslizar sobre a relva, este tipo de "melhoramentos" declara guerra sem quartel ao discurso quadrado, dos que não vislumbram beleza no trânsito zombando de cruzamentos e bifurcações, encantado a rodar, qual girândola, circunvagando em torno de fontes cibernéticas já tontas de tanta mobilidade. Longe de mim querer ser redundante, mas li recentemente que no município de S. João da Madeira se procura moderar este entusiasmo. Eliminar 11 rotundas, eis o objectivo camarário. Parece muito? Não é. Esse simpático concelho possui 110 destes círculos rodoviários, em oito quilómetros quadrados!! Certo é que, entre rotundas (esta crónica é redonda, como os leitores já perceberam) IP's e IC's com e sem lógica, a mancha construtiva alarga-se território afora, misturando urbano e rural - mas ao contrário do que, digo eu, poderia ser, criando vastas "zonas de ninguém". Nesses espaços inclassificáveis já não há ar puro, nem frescos regatos nem arvoredos nem sossego e ainda não há - e não haverá talvez nunca - o que a cidade pode e deve oferecer acesso a bens culturais e divertimentos, empregos e melhores oportunidades. Mas o resultado imediato é impressivo. Tudo banal, tudo igual, a diversidade banida, as marcas identificadoras soterradas na paisagem empobrecida. O tecido social confundido e a vida económica dependente. A ecologia ensina-nos o valor perene da diversidade. A paisagem, num país tão antigo como o nosso, é toda ela humanizada, tendo estabilizado, consoante as regiões, em formas mais ou menos conseguidas de adaptação e aproveitamento das condições naturais do meio - e isto ao longo de processos seculares. As mudanças que agora se verificam são demasiado rápidas e mal pensadas, excessivamente deslumbradas com uma noção unívoca e equívoca de progresso. A ruína da paisagem portuguesa é a maior evidência de um imenso falhanço colectivo de que deveríamos todos querer sair!
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