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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

A UE tem um novo grande plano: substituir combustíveis fósseis por árvores. Nem todos gostam


Substituir o petróleo e o gás por biomassa produzida internamente irá reforçar a autonomia estratégica e reduzir emissões, defende Bruxelas. A UE “agarra-se à ilusão” de que é possível fazê-lo sem causar “danos sérios e imediatos” que isso acabará por infligir às pessoas e à natureza, sustentam alguns críticos.

A Comissão Europeia apresentou um novo plano para pôr fim ao domínio na economia dos combustíveis fósseis que aquecem o planeta — e substituí-los por árvores.

A chamada Estratégia para a Bioeconomia, divulgada na passada quinta-feira, pretende substituir os combustíveis fósseis usados atualmente em produtos como plásticos, materiais de construção, químicos e fibras por materiais orgânicos que voltam a crescer, como árvores e culturas agrícolas.

“A bioeconomia encerra oportunidades enormes para a nossa sociedade, economia e indústria, para os nossos agricultores, silvicultores e pequenas empresas, e para o nosso ecossistema”, afirmou na quinta-feira a responsável máxima da UE para o Ambiente, Jessika Roswall, citada pelo Politico.

No centro da estratégia está o carbono, o bloco de construção fundamental de uma vasta gama de produtos manufaturados, e não apenas da energia. Quase todo o plástico, por exemplo, é feito de carbono, e atualmente a maior parte desse carbono provém do petróleo e do gás natural.

Mas os combustíveis fósseis têm duas grandes desvantagens: poluem a atmosfera com CO₂ que aquece o planeta e são, em grande medida, importados de fora da UE, comprometendo a autonomia estratégica do bloco europeu.

A estratégia para a bioeconomia pretende responder a ambas as desvantagens, recorrendo a biomassa rica em carbono produzida localmente ou reciclada, em vez de combustíveis fósseis importados.

O propõe-se fazê-lo através da fixação de metas em legislação relevante, como as leis europeias sobre resíduos de embalagens, facilitando o acesso das startups da bioeconomia ao financiamento, harmonizando o quadro regulatório e incentivando novas fontes de biomassa.

A estratégia, com 23 páginas, é parca em promessas legislativas ou de financiamento, apoiando-se sobretudo em leis e fundos já existentes. Ainda assim, foi saudada pelos setores que poderão beneficiar de um mercado mais alargado para materiais de origem biológica.

“A indústria florestal acolhe favoravelmente a abordagem da Comissão em matéria de bioeconomia orientada para o crescimento”, afirmou a diretora-geral da Swedish Forest Industries Federation, Viveka Beckeman.

A responsável sublinhou ainda a necessidade de “reforçar o uso da biomassa como um recurso estratégico que beneficia não só a transição ecológica e os nossos objetivos climáticos comuns, mas também a segurança económica no seu conjunto”.

Quão renovável é, afinal?
Mas os ambientalistas receiam que Bruxelas esteja entusiasmada demais com a motosserra. As árvores não crescem de um dia para o outro, e a pressão sobre os ecossistemas naturais já é insustentavelmente elevada.

Relatórios científicos mostram que a quantidade de carbono armazenada nas florestas e solos da UE está a diminuir, que os habitats naturais do bloco se encontram em mau estado e que a biodiversidade se está a perder a um ritmo sem precedentes.

A proteção das florestas europeias também deixou de ser prioridade para muitos legisladores da UE. A emblemática lei europeia contra a desflorestação enfrenta atualmente um segundo adiamento, de um ano, após uma votação no Parlamento Europeu esta semana.

Em outubro, o Parlamento votou ainda a favor da revogação de uma lei destinada a monitorizar o estado de saúde das florestas europeias, para reduzir a burocracia.

Os ambientalistas avisam que o bloco pode pura e simplesmente não dispor de biomassa suficiente para responder ao aumento da procura.

“Em vez de definir uma estratégia que confronte a excessiva procura de recursos da Europa, a Comissão agarra-se à ilusão de que podemos simplesmente substituir o nosso atual consumo por matérias-primas de base biológica, ignorando os danos sérios e imediatos que isso acabará por infligir às pessoas e à natureza”, afirmou Eva Bille, responsável pela economia circular no European Environmental Bureau (EBB), em comunicado citado pelo Politico.

Madeira a mais para ser verdade
Os grupos ambientalistas querem que a Comissão dê prioridade à utilização dos recursos biológicos em produtos de longa duração, como a construção, em vez de usos de menor valor ou de curta duração, como embalagens descartáveis ou combustíveis.

Uma primeira versão preliminar da proposta, obtida pelo Politico, alimentou alguma esperança entre as organizações ambientais.

O texto destacava novas oportunidades para materiais sustentáveis de base biológica, mas avisava também que as “fontes de biomassa primária devem ser sustentáveis e a pressão sobre os ecossistemas deve ser consideravelmente reduzida” — para garantir que essas oportunidades se mantêm a longo prazo.

Dizia ainda que a Comissão trabalharia na “desincentivação da combustão ineficiente de biomassa”, substituindo-a por outros tipos de energias renováveis.

Essa formulação desagradou aos lóbis industriais.
Craig Winneker, diretor de comunicação da ePURE, o lóbi do etanol, queixou-se de que a linguagem do documento “prossegue uma tradição infeliz, em alguns setores da Comissão, de ignorar completamente a forma como os biocombustíveis sustentáveis são produzidos na Europa”, argumentando que essa energia “é, na verdade, um coproduto, a par dos alimentos, das rações e do CO₂ biogénico“.

Agora, essas referências ao compromisso de reduzir a pressão ambiental e de desincentivar a combustão ineficiente de biomassa desapareceram.

“A bioenergia continua a desempenhar um papel na segurança energética, particularmente quando utiliza resíduos, não aumenta a poluição da água e do ar e complementa outras energias renováveis”, lê-se na versão final do texto.

“Esta é uma omissão crucial, dado que a produção e o consumo insustentáveis da UE já ultrapassam em muito os limites ecológicos, colocando em risco pessoas, natureza e empresas”, criticou o EEB.

Delara Burkhardt, eurodeputada do grupo dos Socialistas e Democratas, considerou “positivo que a estratégia reconheça a necessidade de abastecer a biomassa de forma sustentável”, mas acrescentou que a proposta não aborda a questão da suficiência.

“Limitar-se a substituir materiais fósseis por materiais de base biológica, mantendo os atuais níveis de consumo, corre o risco de aumentar a pressão sobre os ecossistemas. Isso desloca os problemas em vez de os resolver. Precisamos de reduzir o uso global de recursos, não apenas de mudar a sua origem”, afirmou.

Roswall recusou comentar o rascunho anterior na conferência de imprensa de quinta-feira. “Acho que precisamos de aumentar os recursos de que dispomos, e é isso que esta estratégia procura fazer”, disse.

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