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domingo, 2 de novembro de 2025

Por onde andam a democracia e o bem comum e qual o papel da petição?


Vivemos um tempo paradoxal. Nunca tivemos tantos meios para nos informarmos, comunicarmos e participarmos na vida pública — e, no entanto, a sensação dominante é a de afastamento. A democracia, esse bem conquistado à custa de tanto esforço e memória, parece hoje andar perdida entre o ruído e a indiferença. O bem comum, fundamento ético da convivência humana, foi sendo substituído por um pragmatismo egoísta, por uma lógica de mercado que transforma cidadãos em consumidores e a política em espetáculo.
A democracia não se esgota no voto. Ela exige presença, vigilância e um sentido de pertença. Precisa de cidadãos atentos, críticos, capazes de questionar e propor. Infelizmente, a apatia cresce à medida que se agravam as desigualdades, que o discurso público se torna tóxico e que os centros de decisão se afastam das pessoas. A desinformação — alimentada por algoritmos que premiam o escândalo — corrói o terreno fértil da confiança, sem a qual nenhuma comunidade pode florescer.
E o bem comum? Esse conceito, tão simples e tão esquecido, é o que poderia restituir sentido à democracia. Falar de bem comum é lembrar que a liberdade individual só faz sentido num quadro de responsabilidade partilhada. É reconhecer que a nossa saúde depende da saúde dos ecossistemas, que o nosso bem-estar depende da justiça social, que o futuro dos nossos filhos depende da coragem coletiva de mudar de rumo.
Por onde andam, então, a democracia e o bem comum? Talvez não estejam perdidos — apenas esquecidos nos gestos pequenos que deixámos de valorizar: no diálogo entre vizinhos, na participação local, na escola que ensina a pensar, na comunidade que cuida. É aí, no quotidiano concreto, que renasce a possibilidade de uma cidadania viva e solidária.

Porque a democracia não se herda — constrói-se. E o bem comum não se decreta — cultiva-se.

A democracia — como defende Pierre Rosanvallon (2008) — “não é um estado, é um processo contínuo de invenção coletiva”. E esse processo exige participação real, protagonismo cidadão e uma educação que ensine não apenas a competir, mas a cooperar. O bem comum, por sua vez, não é uma abstração moral: é, como lembra Martha Nussbaum (2011), a condição material e simbólica que permite que todas as pessoas floresçam em dignidade e interdependência.

Uma petição pode ter um papel estratégico e simbólico muito forte neste contexto de reflexão sobre democracia e bem comum.
Mesmo parecendo um instrumento modesto, ela representa a prática viva da cidadania participativa — um antídoto contra a apatia democrática. 

Para Rosanvallon (2015), estes “atos de vigilância cívica” são hoje essenciais para revitalizar a democracia representativa, criando laços entre a sociedade civil e as instituições.

Estudos recentes (por exemplo, Smith, 2009; Nabatchi & Leighninger, 2015) mostram que formas de democracia participativa — como petições, orçamentos participativos e assembleias cidadãs — aumentam a confiança pública e a qualidade deliberativa das políticas públicas.

Eis algumas vantagens claras:
🟢 1. Reforça a cidadania ativa
Assinar (ou criar) uma petição é um ato de participação direta. Mostra que as pessoas não se limitam a votar de quatro em quatro anos, mas querem intervir no debate público. Cada assinatura é um gesto de consciência cívica, e o conjunto delas cria uma voz coletiva que o poder político não pode ignorar.
🟢 2. Cria comunidade e convergência
Num tempo de fragmentação e polarização, uma petição pode reunir cidadãos em torno de um propósito comum — seja ambiental, social ou ético. Funciona como ponto de encontro entre pessoas que, mesmo diferentes, reconhecem a urgência de defender um valor partilhado.
É o bem comum, em forma de mobilização.
🟢 3. Traz visibilidade e pressão política
Uma petição bem articulada e divulgada atrai a atenção pública e mediática, obrigando decisores e instituições a reagirem. Mesmo quando não resulta imediatamente em legislação, força o debate, expõe contradições e obriga à transparência.
🟢 4. Educa e desperta
Muitas pessoas tomam contacto com certos temas através de uma petição — é um instrumento de consciencialização. Bem redigida, ela explica, contextualiza e propõe soluções. Ou seja, transforma a indignação dispersa em conhecimento e ação concreta.
🟢 5. Articula o local e o global
Peticionar é um ato simultaneamente local e global: pode começar num bairro, numa escola ou numa associação, e acabar a influenciar decisões nacionais ou internacionais. É uma ponte entre a democracia de proximidade e a política institucional.

👉 Em resumo:
1. Num tempo em que muitos se perguntam “por onde anda a democracia?”, uma petição é um modo de trazê-la de volta para as mãos das pessoas — não como ideal abstrato, mas como prática quotidiana.
2. Portanto, peticionar não é um gesto simbólico ou de "activismo de sofá": é agir sobre a realidade, dar forma política à indignação ética. É um exercício de corresponsabilidade e de reconstrução do bem comum a partir da base social.

Relembro o Exercício do direito de petição
Lei n.º 43/90 publicado no Diário da República n.º 184/1990, Série I de 1990-08-10

Referências bibliográficas selecionadas

  • Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra.

  • Habermas, J. (1996). Between Facts and Norms: Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy. MIT Press.

  • Nabatchi, T., & Leighninger, M. (2015). Public Participation for 21st Century Democracy. Jossey-Bass.

  • Nussbaum, M. (2011). Creating Capabilities: The Human Development Approach. Harvard University Press.

  • Orr, D. (2004). Earth in Mind: On Education, Environment, and the Human Prospect. Island Press.

  • Rosanvallon, P. (2008). La légitimité démocratique. Seuil.

  • Rosanvallon, P. (2015). Le bon gouvernement. Seuil.

  • Smith, G. (2009). Democratic Innovations: Designing Institutions for Citizen Participation. Cambridge University Press.

  • Sterling, S. (2010). Transformative Learning and Sustainability: Sketching the Conceptual Ground. Learning and Teaching in Higher Education, 5(11), 17–33.

  • UNESCO (2019). Education for Sustainable Development Beyond 2019. Paris: UNESCO.


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